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ARTIGOS DE OPINIÃO

Xi-cau Cau

Desempenhos dentro de uma bitola bastante aceitável nesta fase do campeonato, pontos perdidos devido a remates a poucos centímetros do poste, "devoluções" da trave, enfim, imprevisibilidades que fazem do futebol o desporto-rei, é o que tem acontecido a Arnaldo Salvado no Ferroviário de Nampula, claramente uma turma para ambicionar os primeiros postos do actual Moçambola, apesar de só ter amealhado 2 pontos em 3 jogos.

Estamos a falar do técnico com mais títulos na história do nosso futebol pós-Independência, alguém que deixou para trás uma carreira de Engenharia Civil por amor ao desporto, que "bebeu", pacientemente, das experiências como adjunto de Rui Caçador e Bondarenko, que muito deu, por vezes graciosamente da sua capacidade à Selecção Nacional. Em suma, um conhecedor e estudioso do futebol e que, à semelhança de Martinho de Almeida, só admira que ainda não tenham sido lembrados para justas homenagens.

Tenho que referir que por ele nutro muita admiração, apesar de já termos tido divergências por diferenças de opinião, com cada um a defender os sectores que escolheu para ajudar a avançar a "dama" que a ambos apaixona: o desporto! Ele, pugnando pelas equipas ou selecções que treinou e eu na minha trincheira de há 50 anos: o jornalismo. Tudo dentro das regras do respeito, decência e boa educação.

Arnaldo Salvado é um homem temperamental. Sempre igual a si próprio, ele "não leva o desaforo para casa". Mas é amigo do seu amigo, da verdade e da lealdade. Do seu bolso, já apoiou atletas, aconselhou-os a não perderem o foco da formação como homens, pensando no pós-futebol. Porém, muito da sua tolerância, param à porta das quatro linhas, onde é exigente q. b.

Recordo que há uns anos, abandonou um lucrativo projecto à frente de uma equipa sul-africana, por são ser compatível com a sua maneira de ser. O mercantilismo que encontrou obrigar-lhe-ia a ter que obedecer às ordens do Presidente do clube, quanto aos jogadores a escalar para cada partida, de forma a serem posteriormente vendidos.

Estudioso do fenómeno desportivo e social, faz questão de conhecer os atletas, os seus temperamentos e capacidades, para deles extrair o máximo em benefício das equipas. Uma das vantagens da experiência que tem, é a de conhecer de uma forma geral as equipas e treinadores adversários, até a sua filosofia, de maneira a tirar benefícios destes trunfos.

Com Salvado, o Costa do Sol colocou na forja, com sucesso, um dos mais arrojados e bem sucedidos projectos do nosso futebol: o do "Pembinha", que gerou, Riquito, Pintainho, Arnaldo e outros, que mais tarde deram títulos ao canário e alegrias ao país através da Selecção Nacional.

Salvado está magoado com alguns adeptos dos locomotivas macuas. E com razão, porque foi atacado nas vertentes em que ele é, na realidade, impoluto: o patriotismo, o anti-racismo e o anti-tribalismo.

É evidente que o que "fala" para os adeptos, são os resultados. Mas terá que haver mais ponderação e serenidade.

Ao abordar este assunto, devo referir que em regra os técnicos do Sul sabem que no Norte do país, o factor tribal funciona segundo os resultados: saudações e abraços quando vencem, rótulos de marronga ou machangana quando perdem.

Independentemente do que venha a acontecer quanto à continuidade de Salvado no Ferroviário de Nampula, pela sua estatura, serviços e lealdade largamente demonstrados, ele não merece, em momento algum, ser "mimoseado" com anti-machanganismos primários.

 

Vivemos tempos di­fíceis. Uma crise ouvida e percebida também pelos outros senti­dos. Uma crise que actua de forma silenciosa, mas violen­ta. Uma crise que não grita para ser vista, ouvida e sen­tida. Simplesmente chega e derruba esperanças.

Com o metical desvalori­zado, o investimento a re­trair drasticamente, a dívida pública para além da sus­tentabilidade, os doadores a fecharem-nos as portas, e outros males à mistura, há quem diria que estamos no fundo do poço, tramados e sem saídas.

Mas, na verdade, toda a crise é uma oportunidade para nos reinventarmos e descobrirmos novas e me­lhores formas de agir. De nos livrarmos da mesmice, que mata mais do que ali­menta. Se chegámos onde chegámos por falta de ri­gor nas contas, por gestão danosa do Orçamento, por despesismo excessivo, pela mentalidade de que no Es­tado tiramos o leite e toda a gordura que alimenta a vaidade, com a crise, a lição está dada. Falta-nos querer e mudar de atitude e de men­talidade. Mas, para isso, im­põe-se liderança.

Este é o desafio do Pre­sidente Nyusi. Secar todas as lágrimas que o acom­panham desde que tomou posse e descobriu cofres va­zios, dívidas embrulhadas, atrasos nos desembolsos dos doadores, investidores em fuga ou retraídos, etc., e todas as consequências que daí advêm. Este é o seu mo­mento para imprimir a sua visão de liderança, porque todos os argumentos estão a seu favor. A arca está pron­ta, a maré está brava, mas precisamos de chegar a um porto seguro e o Presidente é o capitão.

O leite entornou? Sim. Mas não está perdido. Vai fertilizar o solo para o Presi­dente Nyusi lançar a semen­te que muito acalentamos que brote. De facto, são pou­cos os que tiram proveito das crises, tal como são pou­cos os que governam o Povo. Por isso, esperamos que esta envenenada oportunidade que a vida dá seja bem apro­veitada.

Queremos uma gestão das finanças públicas mais transparente, racional e equilibrada, com rigor e corte nas despesas fúteis. Queremos endividar-nos para continuar a crescer – mas sempre pelos melhores motivos e à medida da nossa capacidade. Não queremos ser acarinhados com pala­vras, mas com actos que re­novem as nossas esperanças.

Que a economia dê as suas voltas entre prosperidade e recessão, mas que o Governo nos devolva a confiança de que somos bem conduzidos. Sabemos que não caminha­mos num movimento recti­líneo, uniforme. Conhece­mos o quão acidentada é a terra que percorremos e os malabarismos que precisa­mos de fazer para alcançar o boom do crescimento.

Auguramos uma recessão de curta duração, porque o que nos projecta é ainda maior do que o que nos des­trói. Por isso, grito: maldita crise bendita que nos devol­ve a esperança de virmos a ser um país melhor.

Saído do completo anonimato pelas mãos de Júlio Rito, Henrique Pedrosa, Martinho de Almeida e outros homens do desporto com “H” maiúsculo, o benfiquinha de Lourenço Marques em poucas temporadas virou Costa do Sol ganhador, clube de primeira linha que venceu dois campeonatos nacionais no final da década 70.

Um regalo. O Estádio da Machava, cheíssimo, deu várias vezes corpo a tardes e noites de futebol absolutamente irrepetíveis. Os “canarinhos” tinham um Nito que começava as jogadas atrás, subindo e descendo pela sua ala como se existisse um alçapão; Adelino Caldeira, era o GPS por onde passavam todas as ideias centrais do jogo, coadjudvado por Sergito e Ramos; à frente, Gil e Luís, “trituravam” as defesas, mercê de um conjunto de argumentos e alternativas muito raras no desporto-rei.

Foi o ciclo de ouro do Costa do Sol e, consequentemente, do futebol do país, que então abria os olhos para o nosso Continente. Dono e senhor na competitividade interna e a pensar em altos voos, os dirigentes não se sentaram “à sombra da bananeira”, a curtirem os sucessos. Bem pelo contrário “burilaram” uma das mais originais e exitosas experiências viradas para o futuro – programada, pensada e executada com rigor – cujo sucesso não se fez esperar. É o que vamos relatar.
 
Um laboratório chamado Pembinha

Muito embora o clube tivesse uma equipa de reservas para onde os jogadores saídos dos juniores iriam explanar as suas capacidades, lutando por uma oportunidade diante dos galáticos de então, os dirigentes do clube deitaram mão à potenciação de um seu “satélite” – o Desportivo de Pemba, mais tarde conhecido por Pembinha – e enviaram quase uma equipa, mais o respectivo treinador, para um projecto de quatro anos, que permitisse a curto prazo render, sem sobressaltos a representação principal.

É verdade e ficou neste caso provado, que as grandes vitórias organizam-se e preparam-se. Jogadores como Riquito, Pintaínho e outros, irmanados e orientados por Arnaldo Salvado, fizeram história no Campeonato Nacional de então. E que se não pense que o que aconteceu foi um mero “despejar” de jovens “machanganas” numa cidade do Norte, como hoje acontece. O grupo sabia ao que ia, tinha direitos e obrigações. Desde logo, com perspectivas. Os que eram estudantes tinham que continuar os seus cursos, os outros tiveram um enquadramento laboral. Com um plano estruturado, os jovens “canarinhos” iam às escolas e bairros motivar a criançada para o desporto, demonstrando que os seus feitos eram produto de muita aprendizagem e entrega. Os jogadores locais com grandes capacidades, eram chamados a integrarem a equipa, em situação de perfeita igualdade de oportunidades.

Quatro anos volvidos, o regresso. Que deixou muitas saudades e um nome que nunca se apagará: o Pembinha! A arte, a cumplicidade do grupo e a integração de outros jogadores, sob a “batuta” de Salvado, de imediato projectou-os para a senda do sucesso. Aconteceu então uma renovação natural na equipa principal, a qual conferiu muitas alegrias e títulos aos “canarinhos”.

Tudo isto foi planeado e executado no nosso país, por moçambicanos. Os custos, seguramente que estarão muito aquém do que se gasta em meia dúzia de anos a contratar estrangeiros de qualidade duvidosa que não assumem a mística do clube e a realidade do país facilmente. A pergunta é: porque não se replicam projectos destes?

Alguém me respondia que planos com cabeça tronco e membros, para lá do grande esforço organizativo que implicam, não se compadecem com a pressão do imediatismo actual. Nesta altura, a preocupação é aumentar de 3 para 5 jogadores estrangeiros em cada equipa, colher frutos imediatamente, de forma a justificar verbas alocadas e esconder a “preguicite” que campeia nos clubes.   
 

 

Não basta só interpretar o mundo, é preciso muda-lo também.

Karl Marx

O mundo já foi e continuará a ser interpretado de diferentes formas: por mentes iluminadas, infantes ou imberbes. Mas o que isso acrescenta a um Pragmatismo de Charles Peirce no apogeu da subversão ousada ao farol kanteano? Talvez, muito pouco, daí a relevância dessa sugestão de Marx, quando se refere à necessidade de se investir na mudança do mundo onde habitamos. A questão é: por quê mudar…? A resposta pode ser encontrada no livro mais recente de Luís Carlos Patraquim, O cão na margem, lançado recentemente pela Kapulana do Brasil. Não à laia de pressuposto teórico, que nem suposto é, mas na manifestação da linguagem – ora pesada e densa ora leve e suave – constituída por repulsa e indignação em relação a uma realidade que de tanto palpável, deixa de mexer com as pessoas.

Esta proposta poética de Patraquim representa o espírito de entidades que se atribuem a missão de reconstruir infra-estruturas melancólicas para dar azo à violência e à indiferença, não com o propósito promocional, mas com repúdio irrevogável. Esta é uma voz que se levanta, em parte, “Porque atiramos pedras à janela/ de onde a criança olhava o som/ dos pássaros diurnos” (p. 22); é a voz de quem não sossega quando se apercebe que não gozamos a vida como bênção a completar-se com convivência, sem animosidades. Por essa razão, eventualmente, há sensação do poeta ter escrito os poemas com lágrimas na pena, por exprimir o que o mundo tem de menos afável, incluindo a dor de se encontrar distante dos lugares/contextos sobre os quais se escreve. Assim, neste Patraquim, “Chegar é estar longe” e “Se nascemos/ é para distância inominada” (p. 24).

No mesmo instante em que “O cão na margem” – primeira das três partes que constituem o livro – nos provoca, ao fazer-nos sentir passivos, mortos como os mortos, uma clara demonstração de inércia, bem explícita no poema “Os filhos de Lumumba”, tenta contagiar-nos com um baril de repúdios, pronto a explodir pelo inconformismo de se ver quem ousa fazer dos inocentes, vítimas mortais. No poema “Bellum injustum”, por exemplo, o eu poético não só cospe a baba asquerosa como se distancia de qualquer doutrina de “guerra justa” defendida por um Agostinho de Hipona ou por Tomás de Aquino.

Na segunda parte do livro, a linguagem das entidades textuais altera de forma acentuada. Na homenagem à “Omuhípiti” – outra forma de dizer Ilha de Moçambique, em emakhuwa – Patraquim escolhe palavras mais favoráveis na partilha dessa admiração pelo lugar. Nesta secção, a poesia é mais paisagística, emotiva e menos acutilante. Em “Omuhípiti”, os ecos da palavra absorvem o barrulho das ondas do mar e ressuscitam aquele que um dia a tratou por Ilha de próspero: Rui Knopfli, no mesmo estilo que o poeta eterniza José Craveirinha, em “Metamorfose”, numa alusão oportuna.

“Omuhípiti” não é tanto de nos manter cativo, estupefactos. Importa porque também não impede que o “O escuro anterior”, última parte do livro, se imponha, com os sujeitos a exprimirem o que viram emergir numa espécie de backstage do mundo, onde mora a opressão e morre o sopro, esse sentido de vitalidade. Aqui, a poesia intriga, estimulando a necessidade de se compreender cada coisa dita, bem como a razão de ser dita às metades. “O escuro anterior” corroí-nos por isso.

Então, é este O cão na margem, de Luís Carlos Patraquim, livro que mostra o mundo tal como é: com dissabores e belezas. Diríamos que a colectânea pode ser lida na perspectiva de aceitarmos as imperfeições de que somos feitos de lês-a-lês, captando-as com as nossas sensibilidades de modo a colori-las. Patraquim coloca-nos na margem social para sentirmos o que significa lá estar e aí apropriarmo-nos do inconformismo de lá continuar. Este é o livro para nos fazer mudar, iluminando o nosso “escuro anterior”, interior, com as cores de “Omuhípiti” tão feitos de encantos.

 

Título: O cão na margem

Autor: Luís Carlos Patraquim

Editora: Kapulana

Classificação: 15
 

Xi-Cau Cau

O Barça perdeu em França com uma das mais poderosas equipas da Europa, o Paris S. Germain, pelo “irrecuperável” resultado de 4-0. Restava o “inferno” de Campo Nou para a segunda mão, onde a classe de Lionel Messi se apresentava claramente insuficiente para se prever uma reviravolta. Final dos 95 minutos da disputa: 6-1 a favor dos galáticos.
Como buscar explicações para uma histórica viragem, a maior até hoje operada na exigente Liga dos Campeões Europeus, valorizada pelo facto de os franceses possuírem uma das mais poderosas equipas do Mundo?

Não foi um futebol de melhor nível que superou o outro. Não foram as estratosféricas somas milionárias que Messi, Neymar e seus pares desfrutam, que suplantou as diferenças 'irrisórias” que separam os valores pagos aos milionários craques da turma francesa. Nada disso!

Peso da camisola, união e… mística!

Com a equipa de basquetebol do Maxaquene, campeã Africana em 1983, tive a oportunidade e o privilégio de visitar a Cidadela de Barcelona, com o Camp Nou como ponto alto. Assisti a um jogo tremendo e senti como deve ser para os visitantes, jogar naquele inferno. Na altura, instaladas fora das quatro linhas, estavam uma grade sólida e uma “piscina”. Tudo para conter as emoções dos adeptos, que vivem fervorosamente o clube, a sua cidade e com ela a identidade catalã. Sobretudo quando o adversário é o rival da outra circular, que dá pelo nome de Real Madrid.

Contou-me então um amigo espanhol, que em certa ocasião, o Barça acabava de sofrer o terceiro golo, face ao rival madrileno. A bola foi para o centro do terreno para o recomeço do jogo quando, como por artes mágicas, apareceu no centro do terreno, totalmente encharcado, um adepto a ajoelhar-se junto do juiz, rogando para que pusesse fim à partida. O que tinha acontecido? O adepto tinha-se lançado à água, para depois subir as grades, com a finalidade de implorar misericórdia para a sua honra que estava sendo ultrajada! Por este pequeno exemplo se pode fazer ideia do peso de uma camisola e da mística que um clube transporta.

Pois foi isso que permitiu esta vitória inédita, numa competição de altíssimo nível de exigências.

Quem derrotou os franceses foram o crer e o querer, elevados ao mais alto nível. Não foi o melhor futebol, mas a extraordinária cumplicidade entre clube, adeptos e cidade. O Camp Nou começa a causar desgaste nos adversários, mesmo antes dos jogos começarem.

Estádio da Machava
ex-cemitério dos visitantes

Numa dimensão ajustada à nossa realidade, recordo-me que o Estádio da Machava, no tempo de Mário Guerreiro como Presidente da FMF, chegou a criar uma mística que punha em sentido os adversários da nossa Selecção. Ficámos nove anos sem lá perder, nos nossos melhores tempos. O mítico recinto do Vale do Infulene, chegou a ser designado de “cemitério dos visitantes”. Estávamos então entre as 60 primeiras selecccões no ranking FIFA e já começavam a surgir convites princepescos para exibirmos os nossos dotes além-fronteiras.
Quer tudo isto dizer que a ascesão e o resgate dos nossos valores, passam por todos e por cada um de nós. O atleta tem que sentir que ostentar a camisola dos Mambas, não é o mesmo que vestir um qualquer farrapo das calamidades. Pisar o Estádio da Machava ou do Zimpeto, é diferente de evoluir num qualquer torneio de bairro.
A Mística do Camp Nou e do Barça, à nossa medida e realidade, podem e devem ser insufladas. Estaremos assim a ajudar a passar o tão propalado “slogan” da auto-estima, das intenções à prática.

 

Xi-Cau Cau

1.    O antigo Presidente Joaquim Chissano, com a melhor das intenções, recebeu em audiência um apresentador de televisão que havia tido um excelente desempenho numa missão no estrangeiro. Após o anúncio, o saudoso Luís Brito, então director da SOBEC, mentor e realizador do Torneio infantil BEBEC, claramente a maior realização de futebol infantil pós-Independência, decretou: “a partir de hoje, o meu envolvimento neste torneio, cessou”. E explicou: “Eu organizo há dez anos uma prova que movimenta milhares de crianças, produz estrelas e nem sequer o Ministro me recebe…”. Assim empalideceu uma original competição que parava a cidade de Maputo, envolvendo a Comunicação Social, Escolas, Bairros e pais da criançada. Pode dizer-se que terá sido um erro (conselheiros distraídos?), apesar cheio de boas intenções.

2.    Independentemente da afabilidade da pessoa, Ministro ou Vice-Ministro, é sempre um cargo de alto nível que não deve ser banalizado. No pelouro da Juventude e Desportos, tanto o Dr. Nkutumula com a ex-grande basquetebolista Flávia Azinheira, são pessoas sempre disponíveis a estar próximas de onde as coisas acontecem. Porém há um lado problemático: é o da banalização de tão ilustres figuras do Estado. Sente-se que, consoante a capacidade de persuasão de quem organiza – uma palestra, o regresso de uma caravana, um campeonato vulgar de lineu – lá temos os dirigentes máximos do MJD a “incentivarem”. Onde está o problema? A questão que coloco mais atrás, relativamente ao SOBEC, é válida. Hoje por hoje, há muitos que querem trabalhar só para dar nas vistas. Do outro lado da “barricada” ficam aqueles que, desinteressadamente, movimentam actividades importantes e que se podem desmotivar por haver distinção apenas para os adeptos do “show-off”.

3.    Também na esteira destas ideias, vem a questão sensível das premiações. Não se devem banalizar as distinções. É evidente que não é fácil conseguirem-se consensos – cada cabeça sua sentença – mas é necessário “cavar” o mais fundo possível, para distinguir os melhores, usando critérios e credibilidade que não se assemelhem a uma extracção do Totoloto.

4.    Kurt Couto é um dos mais credenciados atletas dos últimos anos, provavelmente o que ainda nos resta de uma fornada que incluíu Mutola, Tina da Glória e Leonor Piúza. Ele tem um sonho: chegar à final dos próximos Jogos Olímpicos no Brasil. Muito sinceramente eu, e creio que todos os moçambicanos, gostaríamos que essa pretensão anunciada de alcançar a final de uma das mais exigentes competições – os 400 metros barreiras – é de todos nós. Mas uma coisa é um sonho e a outra é a realidade. E por vezes, como é o caso, as distâncias são enormíssimas. A partir daí, está-se a vender ilusões. Kurt Couto tem como seu MELHOR tempo, a marca de 49.02. O recorde olímpico e mundial desta distância, pertence a Kevin Young, com 46.78 segundos. O último campeão olímpico, Félix Sanchez, em Londres 2012, percorreu-a em 47.63. Que leitura se pode fazer destas marcas e da distância no terreno e concreta que vai entre o nosso compatriota e a elite mundial? No desporto em geral, não há milagres. No atletismo, a fita métrica e o cronómetro não permitem sonhar com “a mão de Deus”. Ir com os mínimos, só pode significar o sonho do recorde nacional. E como nas eliminatórias os “cobras” são colocados nas séries com os menos cotados, a “sentença” é dada logo ali. À memória vêm-me as imagens da corrida do americano Edwin Moses, que dominou os 110 barreiras durante mais de uma década e que em Barcelona 92, chegou à final da prova em que era dono e senhor, apenas a cumprir calendário, com uma

 

Ajeitou a capulana de modo a cobrir os joelhos, quando percebeu o meu olhar a trepar-lhe pelas canelas roliças. Os homens olhavam. As mulheres sussurravam. Mas ela não tinha culpa. Até a capulana com que tentava disfarçar as cordilheiras ondeava, rendida ao relevo.
Estava sentada sobre uma esteira de palha. Dobrou as pernas para um lado e descaiu o corpo para outro, deixando o peso todo sobre o braço. A cabeça inclinou para o lado e encostou-se ao ombro. Com a mão livre pôs-se a fazer rabiscos invisíveis na esteira.

Estava no meio, ao jeito réu das loboladas. De um lado as mulheres, também sobre esteiras. Do outro os homens, em cadeiras, caixotes, jerricãs, troncos ou qualquer outra coisa que lhes colocasse os rabos acima dos delas, à altura da hierarquia machista. Chegaram as estruturas da vila, o padre, o administrador, o cantineiro, o primo do administrador e outros chefes. Caminhavam vergados ao peso solene dos casacos. Sentaram-se de frente para ela, ao jeito dos juízes. Ela endireitou a postura e dobrou ao máximo as pernas, de modo que a capulana lhe cobrisse os tornozelos. Os homens olhavam. As mulheres sussurravam. Mas ela não tinha culpa. Olhou para mim, para os outros, depois para as estruturas da vila. Os olhos acendiam. O rosto não resistia ao peso da beleza. As bochechas almofadadas amorteciam a expressão dos lábios. Não se percebia se estava sorridente, triste ou com fome. Parecia a Monalisa. Monalisa de lenço e capulana.
Era uma vila sossegada até ela chegar, diziam. Não havia ali problemas, para além do xipoko do custo de vida. Todas as mulheres adultas eram casadas. Ela veio trabalhar no contentor do Chico onde, de um lado é mercearia e do outro bar. Circulava entre as mesas, ria-se com os beliscões que lhe davam, atrapalhada com as contas, com os trocos e as gorjetas cresciam. Os homens já não saíam do bar. Depois do trabalho, ia com um ou outro lá para onde vão os homens quando saem do bar. O facto agravou, nas estatísticas, os casos de ximokos conjugais, maridos queimados a óleo, caril ou gasolina. Na igreja, as mulheres queixaram-se ao padre que os maridos tinham uma esposa oculta. O padre apresentou o problema às estruturas do bairro. Por isso estavam ali reunidos. E decidiram:
– Para resolver o problema, decidiu-se converter a Esposa Oculta em Esposa Pública – em coro, as mulheres disseram “oooh!” – Toda a vila vai lobolar a visada para que tenha uma aliança no dedo anelar, porque aqui não é lugar para mulheres solteiras.
De novo “ohh!”. Aquilo não podia ser. Pagar o lobolo de alguém trazida para a vila às escondidas, sem lhes consultarem?
– Essa não é uma esposa oculta. É amante oculta que agora querem converter à amante pública! – acusavam elas – quem a trouxe é quem deve assumir o lobolo.

A discussão incendiou a reunião. Ela olhou para mim, baixou os olhos e endireitou-se na esteira. O administrador tapou a boca disfarçando o bocejo e interrompeu a sessão. Aguarda-se, até agora, pelo desfecho para que se possa terminar este texto.

Ela ajeitou a capulana e foi trabalhar. Os homens olhavam. As mulheres sussurravam. Mas ela não tinha culpa. Cansados, os homens foram para o bar, espairecer.

 

 

 

A liberdade é alma de tudo porque, sem ela, tudo é vazio e desolação

Catarina, a Grande

Onde buscar a liberdade de ser íntegro, puro e genuíno? Haverá, neste mundo em que a vida é uma pista de atletismo movida pelas metas a alcançar, uma fonte na qual se pode embeber a rajada de ar fresco de que se necessita para ser gente? Há perguntas que a cada lusco-fusco deixam de ser feitas, como se as respostas representassem ameaças, chantagens ou extinção de quem as exige. Perguntas inadequadas? Provavelmente… Mas quais seriam as adequadas, susceptíveis de nos conduzir a uma meta sem fim, feita de princípios, diversos, em que a corrida na pista fosse apenas prazer e as vitórias daí resultantes colectivas? Subjectividades, de todo, provocadas por tão subentendidas leituras contidas na nova obra literária de Hélder Faife: DESdENHOS, que nos confronta com as ferramentas de que se tece a liberdade de ser íntegro, puro e genuíno. Uma dessas ferramentas é a infância sugerida nas imagens que as palavras geram, e outras são consequências da metaforização do que a fase infante da Humanidade significa.

Nestes DESdENHOS, a liberdade vive e floresce na meninice, porque nela se reúnem todos os elementos da abstração em relação a tudo de errado que o mundo e os desejos insensatos dão de graça, em detrimento daquele instante efémero em que uma brincadeira equivale a um urinol A fonte, de Marcel Duchamp. Aqui, como o francês, Faife faz do comum o muito que nos é exigido, resgatando a pureza dos desenhos, e, na mesma acção, desdenhando a borracha que os apaga.

Bem dito, o poeta reclama em verso o lado “A” da existência, por nela captar o plano infinito que o tempo destrói. Destarte, em DESdENHOS vê-se entidades a combaterem esse mesmo tempo, responsável por nos tornarmos presunçosos, casmurros e com pouca tolerância. “O tempo é o casulo/ que encarcera a infância” (p. 35). E, por assim ser, um alvo a abater ou, se isso for demasiado violento, um alvo a moldar. Por isso, na perspectiva de contornar o cenho configurado pelo crescimento, Hélder Faife faz outros planos, nos quais os trabalhos são substituídos por brincadeiras porque brincadeiras são trabalhos sérios também. Esta é a sua maneira de dar um título vitalício aos sonhos sonhados no papel, na tenra diversão, “Porque brincar é esculpir sentimentos” (p. 49) sinceros, pontos de partida para administração de um homem/mulher alheio às agendas sugeridas pelo O príncipe.

Mais do que um livro, este DESdENHOS é um manual que incorpora lições de vida que as crianças dão. É um caderno de apontamentos escrito a lápis, autêntico, no qual os adultos são tão bem convidados a eliminar o seu sentido de grandeza por isso tão exageradamente contribuir para a construção de um mundo feito de Berlim… sempre a dividir-nos.

Portanto, esta é uma obra para a reconciliação individual (escrita equilibrada, feita de momentos e ideais), convidando-nos constantemente à procura desse recurso caro que nos livra do vazio, da desolação: a liberdade, mas não aquela subalternizada nos discursos de alguns políticos, a liberdade de sermos nós por compreendermos que só seremos por vocês existirem.   

 

Título: DESdENHOS

Autor: Hélder Faife

Editora: Cavalo do Mar

Classificação: 14

Desde os tempos da Secretaria de Estado aos de Ministério dos Desportos, passaram por lá vários titulares. Cumpriam uma tarefa do Estado. Uma vez chegada ao fim, pouco neles sobrou. Nem sequer a paixão que obrigaria a regulares presenças nos eventos desportivos que antes faziam gala em referir como importantes para a formação completa dos cidadãos. Há excepções, mas a regra mostra-nos o seguinte: alguém se lembra de ter visto nos últimos anos, os senhores José Júlio de Andrade, Pedrito Caetano, Fernando Sumbana, Mateus Kathupa e outros, nos recintos desportivos?

Eram frequentadores enquanto titulares – de contrário ficaria mal – mas uma vez retirados, outras agendas falam mais alto.

Estava-se portanto em presença do mero cumprimento de uma tarefa, de cuja passagem não ficou uma réstia de paixão, numa uma área tão apaixonante?

Mais exemplos: o ex-PCA de Cahora Bassa, Paulo Muxanga, era visto nos campos a torcer pela “sua” equipa, enquanto titular da Hidro-eléctrica. Actualmente, vemos por lá o seu sucessor, o ex-Ministro Couto, ao que tudo indica para cumprir e dar a cara à tarefa que foi recentemente incumbido na empresa integradora do clube.

Porém, este assunto ganha mais estranheza quando alguns dos antigamente “carolas” como José Neves, Michel Grispos, Mário Guerreiro, Osório Macome, Augusto Fernando e tantos outros, ficam épocas inteiras sem darem uma “forcinha” aos clubes que dirigiram e de que se diziam apaixonados.

Esse “virar das costas” aos campos, infelizmente, até atinge antigos jogadores e jornalistas desportivos que em regra só marcam presença para cumprir a escala de serviço.

 

Falta de qualidade explica tudo?

 

Como alegação de fundo, a fraca qualidade. Se fosse o Real Madrid, Benfica ou Borússia… Infere-se daí que a qualidade sendo medíocre, só satisfaz a mediocridade. A menos que haja por detrás, algum imperativo de… tarefa!

Felizmente sopram ventos bons, do Centro e do Norte do País. O Ferroviário da Beira, como única equipa dos PALOP na Fase de grupos da Liga dos Campeões de África, “filha” legítima de uma terra em que os campos e os camarotes extravasam entusiasmo e festa, contagiando tudo e todos, está dar o mote. Lá ninguém fica indiferente, quando há futebol ou basquetebol competitivo.

Mas abordo este assunto porque é preocupante, pois a falta de qualidade para mover os espectadores aos campos, pode e deve ser alterada com a nossa participação e presença e não com um mero virar as costas.  E como entender os quês e porquês de um Girabola, que custa milhões, ser vivido e sentido por velhos e novos em Angola, quando a Selecção vem cá exibir um nível claramente inferior ao nosso?

Então, a baixa qualidade não explica tudo. Ela também está sendo vitimada pela baixa auto-estima que se apoderou de nós e em que o “Made in Mozambique” (nunca entendi o porquê desta sigla estar em inglês), representa, à partida, falta de qualidade.

Claro que a paixão não deve vir por decreto. Com as novas realidades no Mundo, o desporto têm que ser gerido e dirigido por métodos modernos e competentes, mas a paixão continua a ser importante.

É lindo – para eles, triste para nós – quando vemos de Portugal, antigos dirigentes do FC do Porto, Benfica, Sporting ou outros, a cederem os seus postos aos mais novos, mas nunca o privilégio de continuarem incondicionais adeptos de uma causa que só desaparece com o fim da vida.

Porque tudo é diferente entre nós? Explique-me quem souber!

 

 

Cada indivíduo, família, comunidade ou país busca, naturalmente, o desenvolvimento. Faz-no com recurso aos mais diversificados meios e formas. Nem sempre, contudo, os resultados são alcançados. Entre os que são bem-sucedidos e os que fracassam, as diferenças não resultam somente das oportunidades e condições vividas. Há inúmeros exemplos em que, partindo de situações similares, os resultados finais foram diametralmente opostos.

De todos os elementos que contribuem para o sucesso e o fracasso, o mais determinante é o capital humano, reflectido na capacidade de transformar trabalho em valor (económico, social, cultural ou ambiental). Apesar da sua complexidade, é muitas vezes abordado de maneira simplista, dando exclusividade à dimensão académica do conhecimento. Porém, o capital humano abarca outros elementos, não menos importantes, de natureza social e cultural (como hábitos, criatividade, motivação, inspiração, etc).

É fácil conceber modelos de desenvolvimento com doses elevadas de racionalidade, particularmente quando se coloca em perspectiva o indivíduo ou a família. Contudo, quando se avança para a análise de uma comunidade ou país, entram em jogo factores adicionais, que operam de forma dinâmica e complexa. Surgem novas interacções que resultam em sinergias, antagonismos e complementaridades. Elas geram compasso (visão temporal), coordenação e vários factores de correcção e superação. Nada disso é espontâneo, pois requer uma visão e objectivos claros previamente refutados. E essa capacidade de gerar, cultivar e fazer uma agenda comum só pode resultar de uma boa liderança.

Que liderança?

A liderança que almeja o desenvolvimento não deve ser vista apenas como a capacidade de exercer poder e influência ou enquanto sinónimo de uma qualidade centrada no indivíduo. O surgimento de indivíduos que se acham “iluminados” para comandar os destinos dos restantes muito facilmente resulta em ditaduras. Pelo contrário, a liderança genuína é o resultado de uma consciência colectiva de busca de inspiração nos mais capazes, em função dos contextos e desafios específicos.

O estudo do comportamento das aves migratórias tem revelado elementos interessantes que podem ajudar na reflexão sobre os processos de liderança. Perante o desafio de perpetuar a espécie e buscar o melhor habitat para cada época do ano, elas são forçadas a longas migrações. Isso implica enfrentar distâncias, correntes de ventos e suprir a necessidade de se alimentarem ao longo do percurso. O instinto ocupa-se de uma parte considerável do processo. Mas, guiados pelo instinto e a experiência, há mecanismos de liderança que se estabelecem a partir do lançamento do voo. Ao longo da jornada, o pássaro que vai à frente é o que se mostra mais capaz de o fazer, na ocasião. Se se desvia da rota, não é acompanhado. Se acelera demais, vai sozinho. Se se retarda, fica para trás. Ele não assume todas as responsabilidades de guiar o bando. Outras unidades no meio dele ajudam na formação e ordenação dos restantes para permitir uma melhor aerodinâmica. Se o líder enfraquece, adoece ou é abatido, é imediatamente substituído. E assim o bando cumpre com naturalidade os seus desígnios.

No reino animal é natural que o instinto e a experiência ganhos em voos anteriores sejam de grande importância. Na condição humana, uma boa liderança deve ser inspirada num sistema de valores baseado em direitos e deveres. Por isso, a verdadeira liderança deve permitir a partilha e coordenação de ideias, visões, responsabilidades e destinos. Motivar as pessoas a dar a sua contribuição, nos diversos sectores (políticos, económicos, sociais e culturais). A título de exemplo, um padeiro, um pescador e um carpinteiro podem ser considerados líderes, pela sua capacidade de inspirar rigor, qualidade e pontualidade.

O ponto de partida

Os factores que influenciam o desenvolvimento são numerosos. Entre eles encontramos: a localização geográfica, que pode gerar oportunidades e oferecer vantagens comparativas e competitivas; a disponibilidade de recursos naturais (fertilidades de solos, recursos minerais, regime de chuvas, mares, rios, lagoas, florestas, fauna etc.) a partir dos quais se podem desencadear processos produtivos; infra-estruturas básicas (como estradas, pontes, indústrias de transformação) que ajudam a reduzir os custos de transacção e estimulam o comércio; regimes institucionais e legais que estimulam e protegem o investimento e reprimem a criminalidade e a corrupção; liberdades políticas que permitem a expressão de ideias inovadoras; a estabilidade e organização social que sedimentam valores e práticas; a contínua educação e transmissão de conhecimento tecnológico; e muitos outros.

O ponto de partida também pode estar carregado de valores negativos como, por exemplo, modelos coloniais, tradições retrógradas, seitas do mal, tribalismo, racismo, desigualdade de género, etc.

Já um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável resulta de um sistema de valores e da emergência de lideranças fortes e diversificadas. O exemplo de alguns países que alcançaram níveis de desenvolvimento elevado em condições difíceis, como o Japão e a Coreia do Sul, mostram que a partir de pouco se pode fazer muito.

Na ausência de um sistema de valores e uma liderança esclarecida, as riquezas naturais podem tornar-se um factor de divisão, conflitos, guerras, e não propriamente um estímulo ao desenvolvimento.

Na disponibilidade de recursos e valores sociais, uma boa liderança deverá, em prol do crescimento, ter a capacidade de estabelecer um quadro de prioridades e políticas de desenvolvimento, promover a acumulação de capitais, diversificar a economia e promover a cultura de rigor e disciplina.

A importância dos capitais

Na actualidade, não se pode conceber o desenvolvimento na ausência da disponibilidade de capitais. Para os novos e pequenos estados em formação, isso requer a acumulação de capitais próprios para viabilizar estratégias de investimentos públicos e a mobilização de investimentos privados para dinamizar a economia e os mercados.

A ajuda externa, na perspectiva do desenvolvimento, deve ser tida como uma medida transitória e deve ser considerada apenas como uma transfusão de sangue para os pacientes sob cuidados intensivos. A sua utilização sistemática e abusiva interfere no desenvolvimento sustentável da economia e pode colocar o país em condições de vulnerabilidade a pressões e chantagens.

A diversificação económica

A robustez de uma economia também se mede pela diversificação. Isto reforça a resiliência e a integração. A concentração de uma economia num único sector ou produto resulta no chamado “dutch disease” (doença holandesa). Caem nessa armadilha os países que, tendo descoberto recursos minerais (petróleo, diamantes, ouro, carvão mineral etc.), acomodam-se nos rendimentos daí gerados e se esquecem dos restantes sectores.

O sector mineiro, particularmente, está sujeito a oscilações dos preços internacionais, revela uma alta dependência de monopólios, e faz uma péssima distribuição da riqueza. Este sector tem ainda uma excessiva verticalidade (beneficia os actores directamente implicados) e uma fraca transversalidade (fraca inclusividade e efeito multiplicador).

Para um desenvolvimento equilibrado, a aposta na agricultura é incontornável. Ela integra na economia os pequenos produtores rurais, processadores, transportadores, vendedores e prestadores de serviço. A cadeia de valor começa no capo, mas chega aos centros urbanos. Ela garante um nível aceitável de soberania alimentar e reduz o preço dos alimentos. Também reduz os processos de migração urbana e o agravamento da pobreza urbana. Alivia, igualmente, a balança de pagamentos e abranda os choques e abalos económicos.

Factores sociais e motivacionais

Os factores sociais e motivacionais do desenvolvimento têm sido recentemente alvo de investigação intensa. Alguns fenómenos têm servido de casos de estudo, permitindo seriar os mecanismos e documentar o seu impacto na economia. Funcionam como estímulos positivos, por exemplo, o sucesso no desporto, as eleições bem-sucedidas, a fé e as crenças religiosas. Funcionam como estímulos negativos, por exemplo, a insegurança, o senso de injustiça e a ausência de desafios.

 A existência de uma visão clara sobre os objectivo comuns, e como estes vão beneficiar a todos, é fundamental, e contribui para a responsabilização individual e colectiva, a competitividade saudável (com base num sistemas de incentivos), a liberdade de opinião e iniciativa, a meritocracia associada ao rigor e disciplina, e a justiça na partilha de oportunidades e desafios.

A concluir

Quase a totalidade dos países que atravessam crises de desenvolvimento manifestam uma incapacidade de gerar lideranças de qualidade. Vegetam com base em “chefaturas” que se embebedam de egoísmo e ganância, permitindo que nações inteiras “vivam de cócoras”. Mesmo perante desastres naturais e outras calamidades, uma boa liderança é decisiva. Ela pode ser a locomotiva para fazer avançar uma agenda comum, libertar as energias necessárias e permitir a expressão plena de um desenvolvimento inclusivo, sustentável e dignificante.

 

O guitarrista Jimmy Dludlu acaba de colocar à dispo­sição dos seus fãs e ao mundo um novo álbum intitulado “In the Groove”. Mas apesar de ser um leigo no que à música diz respeito, vou me atrever a fazer uma breve incursão por este albúm. A co­meçar pelo primeiro tema in­titulado Masseve (compadre). Nesta música, Jimmy socorre­-se ao cancioneiro popular para celebrar o compadrio, com enfeites de acordes do jazz, como só ele sabe fazê-lo.

No segundo tema, Jimmy res­gata e presta tributo ao célebre Alberto Machavela, recordan­do a todos que, apesar dos títu­los que possamos ostentar, da riqueza e importância social, temos uma dívida e a morte à espreita, com o título Ha Deva (Temos dívida). Mas a morte não é motivo para deixar de celebrar, com a expressão Wa­retwa da sua língua materna o XiChopi, o guitarrista volta à celebração dando indicação de o quão a vida é bela e doce…

As atribulações da vida não significa que devemos ficar na rotina. É o que nos propõe na música que dá nome ao álbum. Por isso temos de tornar cada fim de semana especial e essa mensagem foi buscar à famosa Weekend Special de Brenda Fassie que ganhou uma versão em smooth jazz e com a belís­sima voz de Judith Sephuma a servir de cereja no topo do bolo.

Mas o fim de semana não pode ser especial se nos esque­cermos da grandeza de Jesus e num jazz que foge um pouco das características de um gos­pel, Jimmy enaltece a grandeza do Filho de Deus que é funda­mental para a nossa restaura­ção espiritual proposta na mú­sica a seguir e que nos habilita a percorrer a longa estrada que é a vida em Long Street. E essa estrada leva alguns à paragem de chapas de Saul. Ali, no pro­longamento da Av. Vladimir Lenine, na rota Baixa-Xiquele­ne. Quem não conhece a con­fusão ali criada pelos chapas? Agora ficou eternizada numa música de jazz com mistura de quizomba/semba.

Mas prontos, vencida a guer­ra dos chapas e chegados a casa, vale a pena brincar de Mu Tumbelelwana (esconde­-esconde) para esquecer as atribulações da vida. Esta é a proposta de Jimmy Dludlu. Mas será que as novas gerações conhecem esta brincadeira? Mas vale a pena recorda-lhes. E no Mu Tumbelelwana quem consegue descobrir os que es­tão escondidos celebra a sua vitória com um Nkulungwa­na. Essa forma nossa de exte­riorizar a alegria em todos os momentos alegres ganha uma música neste álbum.

O Nkulungwana também usamos para exaltar o nosso patriotismo e Jimmy Dludlu faz isso ao exaltar as Cores da Sua Bandeira. Aqui o músico busca excertos do discurso de Samo­ra Machel que se insurge con­tra os parasitas que corroem o Estado levando o povo ao descontentamento, um discur­so bem actual, mas também lembra um dos cânticos revo­lucionários em swahili que diz que apesar das adversidades, venceremos.

E aí poderemos todos agra­decer a Deus. Em Khensani (louvai) com os préstimos da lindíssima voz de Isabel Nove­la “ jazzfica” o cântico popular e religioso de acção de graças a Deus pelas bênçãos que nos dispensa. E isso faz-nos olhar como belo é tudo o que temos ao nosso redor. É por isso, que em Woza Sthando Sami, Jimmy nos convida a contemplar a be­leza das nossas amadas (os). E com esta incursão pelas emo­ções e vivências não há como não dar um passo a frente em todos os sentidos da vida. É assim como Jimmy Dludlu termina este álbum com a mú­sica One Step Ahead, um jazz puro misturado com acordes de rumba de lá das bandas de Cuba. De facto Jimmy Dludlu deu neste álbum um passo à frente, afinal, celebra este ano 50 anos de vida.
 

Se o segundo dia do Festival Tropical Zouk foi um marco indelével é, com certeza, graças a banda Kassav. Aos outros intervenientes, que prenderam o público com as suas algemas musicais não se tira, por isso, o merecido mérito. Mesmo golpeado pela chuva e frio ao longo de toda a noite o vasto auditório não arredou o pé da cidadela da Matola.

Entretanto, a prestação da família de Martinica e Guadalupe (regiões francesas) foi irresistivelmente formidável. Os jovens de 1979 e com mais de 30 álbuns ensinaram, mais uma vez, como se trata um público sedento de boa música. Foi, sem quaisquer excessos, uma aula se sapiência.

A aula durou perto de uma hora, período que se concede para um discurso eloquente, pausado e cadenciado. A instrumentalização, a coreografia, o poder das vozes foram os diferentes momentos do espectáculo sincronizados num único compasso: performance.

Era bom se a banda inaugurasse o evento de dois dias. Assim, sobretudo os mais jovens, exemplos de Boy Teddy, irmãos Baronet e Filomena Maricoa, colocavam um pouco mais de sabor as suas actuações. Mas como essa é a estratégia de tudo que se quer audiência, Kassav ficou um pouco mais para o fim. Desta forma, os espectadores incondicionalmente testemunhavam a presença dos outros. Estratégia válida, sem dívida, aliás, sem dúvida.

Faltava a banda Splash, Edmásia Mayombe e Yuri da Cunha quando o grupo subiu ao palco. Foram aplausos de início ao fim. Aliás, foram também gritos, assobios, agitação, resumindo, muito barrulho. A cidadela ficou ao rubro… não se reconhecia aquele espaço dominado por capim alto e pedras desregradas.

A vez de “Ou lé” foi fatal. Se alguém, por sei lá que infortúnios, tenha resistido à dominação dos monstros do zouk com essa música levantou a carta-branca. Sem querer diminuir o potencial de Jocelyne Beroard, Georges Decimus, Jean Philippe Marthely e de Jean Claude Naimro, a voz rouca de Jacob Desvarieux provoca algo parecido com arrepio, sacode os cinco sentidos, hipnotiza e descomanda os neurónios. Todas as músicas interpretadas pelo francês tem um quê de fenomenal. E não é para menos, aos 12 anos ganhou a sua primeira guitarra e aos 16 fundou a sua primeira banda, esta dedicada ao rock. É uma obra de pessoa moldada pelo tempo. Sim, o artista de 61 anos é uma peça fundamental desde a primeira hora dos Kassav e até hoje o astro do zouk não descarrila, tal um comboio fiel à linha férrea numa época de guerra.

Os cinco músicos, acompanhados por outros instrumentistas e coristas, foram uma presença conseguida nesta primeira aventura à Matola e seus bons créditos não ficaram na França ou no passado, fizeram parte da bagagem que aterrou em Mavalane.

Sem exagero, os Splash poderiam ter feito melhor espectáculo se tivessem antecipado os Kassav. A bateria de Grace Évora e a voz de Dina Medina, entre outros membros, até foram competentes só que os “malditos” do Caribe pareciam ter dito tudo e em todas as línguas.

Edmázia tinha as músicas que provocam a febre feminina, mas o palco já estava quente demais para “Beijinho no ombro”. Yuri da Cunha, com a ajuda das suas brincadeiras, até resolveu o problema que Kassav tinha provocado e já eram 7h00 quando o jovem forçado pela claridade abandonou o palco, mas o perfume sonoro dos Kassav foi tão poderoso que até hoje está a exalar.

 

 

Pediu-me o Prof. Silvério Ronguane que fizesse a apre­sentação do seu livro “Mandela, filósofo africano”.

Apesar da sua dimensão minúscula, em número de páginas, para aquilo que são os padrões normais das obras que se lançam nos nossos dias, esta é uma obra de uma riqueza profunda.

Primeiro, porque é uma obra de um filósofo africano sobre uma personalidade africana. Enriquece, pois, a historiografia e a biblio­grafia africanas e, no caso vertente, a moçambicana.

Segundo, porque é uma obra sobre uma imensa personalidade africana, uma das raras que ganhou verdadeiramente dimensão universal pelos seus próprios méritos, sem nenhuns favores, nem a habitual complacência que os europeus têm dos africanos.

Essa personalidade é Nelson Mandela. Aqui, o Prof. Ronguane traz-nos a dimensão filosófica do pensamento deste líder africano dos nossos tempos, colocada numa interessante relação dialógica com outra imensa personalidade universal de outros tempos: o in­defectível Sócrates.

Foi o linguista russo Mikhail Bakhtin quem elaborou, pela primei­ra vez, o conceito de dialogismo. É o diálogo de textos, um meca­nismo de interacção textual muito comum na polifonia, processo no qual um texto revela a existência de outras obras em seu inte­rior, as quais lhe causam inspiração ou algum influxo.

O dialogismo está presente tanto nas obras impressas como na própria leitura. Em ambas as esferas, o discurso surge em constan­te acção recíproca com textos semelhantes e/ou imediatos. Este elemento aparece quando se instaura um processo de recepção e percepção de um enunciado que preenche um espaço pertencente igualmente ao locutor e ao alocutário.

No caso da obra em apreço, o Prof. Ronguane coloca o discurso de Nelson Mandela em diálogo com o discurso de Sócrates. É esta a essência deste livro. E também do dialogismo de Bakhtine. Um diálogo de textos, independentemente do seu contexto temporal. Sócrates é do séc. IV AC. Mandela do séc. XX. A despeito da dis­tância temporal, os seus discursos estabelecem, aqui, na presente obra, uma interessante relação dialógica.

O autor refere que foi a transmutação resultante da experiência de luta de Mandela que moldou a sua personalidade, a sua forma de estar na vida, a sua dimensão humana, hoje reconhecida por mui­tos. Afinal, ao longo dos seus quase 100 anos de idade, Mandela foi­-se metamorfoseando de anónimo e pacato jovem da rural aldeia de Mvezo, no interior remoto do Cabo Oriental, sucessivamente em advogado, activista civil anti-Apartheid, guerrilheiro, irredutí­vel prisioneiro mais famoso do mundo, primeiro presidente negro da África do Sul e, mais importante que tudo, em um dos maiores líderes morais e políticos de nosso tempo.

FILOSOFIA AFRICANA

Mas a obra começa por problematizar a existência ou não de uma filosofia africana. Como todos sabemos, muito do nosso conheci­mento foi concebido de fora para dentro de nós. Isso abriu espaço a discussões epistemológicas como: existe um conhecimento afri­cano? Uma filosofia africana?

Ora, o conhecimento é a capacidade de pensar, de organizar e re­criar o mundo de acordo com a percepção do Homem. Quer isto dizer que não há conhecimento europeu, americano ou africano. Há conhecimento. Desde que haja a capacidade de pensar, de or­ganizar e recriar o mundo, segundo a percepção do ser pensante.

Quer isto dizer que a filosofia é algo intrínseco ao próprio homem, não fazendo sentido o questionamento da existência ou não de uma filosofia africana. Como diria Descartes, penso, logo existo. O homem africano, e logo a sua filosofia, existe em função da sua

capacidade de pensar e afirmar a sua própria existência.

Mas outros lembrar-nos-ão de que a tradição dos africanos é emi­nentemente oral, logo, incapaz de sistematizar o pensamento.

Mas, neste livro, o Prof. Ronguane ensina-nos que a escrita não é condição sine qua non para haver filosofia. Que os mitos africanos são veiculadores de verdades ancestrais sobre a organização polí­tica.

O autor informa-nos ainda que usou como matéria-prima para a sua comparação o discurso de Mandela, em 1962, pronunciado no tribunal que o condenaria à prisão perpétua, e o discurso que, no ano 339 AC, é atribuído a Sócrates, também num tribunal, em Hélada, Atenas.

O Prof. Ronguane começa por nos lembrar as diferenças entre Mandela e Sócrates: a separação espacio-temporal: Atenas do séc. IV AC não se parece com nada da África do Sul do Apartheid, do séc. XX; a diferença etária, social e profissional entre ambos à data dos factos. Mas sobretudo motivacional: Mandela responde por uma acusação de carácter penal – atentado contra o Estado. Sócrates responde por uma acusação aparentemente de teor cível e religioso: corromper a juventude e de não crer nos Deuses.

Mas o autor conclui que é, dialecticamente neste extremar de dife­renças que se gera a aproximação entre Mandela e Sócrates.

1º: Tanto um como outro transformam o momento de defesa numa oportunidade para afirmarem reiteradamente as suas ideias, no lu­gar de se vergarem à posição dominante do opressor;

2º: O compromisso político – o discurso de Mandela é uma resposta política a uma questão política. A acusação a Sócrates é igualmen­te política: porque os deuses da cidade na Grécia antiga eram a base do poder do Estado; a queixa de corromper os jovens era de­claradamente política. Visava moldá-los politicamente para mudar o futuro do Estado;

3º: O apego incondicional à verdade e às ideias;

4º: Eram ambos cumpridores das leis humanas, mas tinham o pri­mado da consciência como lei;

5º: Tinham afeição pelo universal na sua ideia de identidade dos problemas humanos, como todos os filósofos, mas não descuravam o particular. Por amor aos outros, distanciavam-se deles próprios.

Na leitura a que nos conduz o autor desta obra, Mandela e Sócrates são, pois, da mesma estirpe, a estirpe dos sábios, dos homens com a consciência do dever cumprido. Dos homens capazes de promover a rebeldia e ao mesmo tempo o acatamento das leis que eles pró­prios combateram.

Mandela e Sócrates convocam-nos para a dimensão ético-moral, pela centralidade da ideia de reconciliação, muito vincada nas suas personalidades, emergindo o compromisso como elemento fun­damental do diálogo. Por acaso, ou talvez não, o maior desafio às lideranças dos nossos tempos…

*Texto de apresentação do livro “Mandela, filósofo africano”, do Prof. Silvério Ronguane

O que ainda não se escreveu sobre o amor? Pode ter sido esta a pergunta que, inconscientemente, despertou a imaginação de Lucílio Manjate ao escrever o seu novo livro, Rabhia, que vai oscilando entre uma estória de amor e de sobrevivência. Na verdade, o livro é uma estória de amor trágico que se vai transformando em sobrevivência à medida que vários incidentes intrometem-se no percurso de Boanar e Rabhia, os escolhidos pelo autor para sustentar a ficção. Com efeito, tendo aquelas duas personagens no centro das suas motivações, Manjate mexe – mais uma vez – com as cicatrizes de uma História cuja trama é feita de eventos paralelos, no entanto, igualmente importantes na estruturação de uma memória que cabem todas verdades. Por isso, temos nesta Rabhia uma descrição constante do submundo que sustenta o dia-a-dia das pessoas, com a atenção de quem sente a dor de uma ferida.

Como calha em A legítima dor da dona Sebastião, outro livro seu, em Rabhia, Lucílio Manjate volta a enveredar pelos caminhos da ficção policial – novamente com o agente Sthoe, agora com um estagiário –, inserindo no enredo um jogo de interesses suficientemente arrojados para destruir o amor em troca da verosimilhança estúpida de que se tece a rotina quotidiana. Por essa razão, Rabhia afirma-se como um retrato de todos os que são obrigados a ter de cicatrizar as feridas dos seus sonhos fracassados. Aliás, a partir da personagem que intitula a obra, o escritor liberta a hipótese de se estabelecer um conjunto de comparações entre Rabhia e Moçambique, afinal, ambas as entidades são vítimas de circunstâncias que as prostitui. No texto, enquanto a personagem tem amor imaculado, que a alimenta incondicionalmente, prospera com a beleza de ser essa muthiana de uma província abençoada. Logo, em Manjate, Rabhia – assim como o país – é exemplo de terra fértil, com tudo para gerar vida enquanto contar com um homem que a quer bem e a orienta. Não obstante, contra todas as expectativas, num ápice, o destino baralha as cartas de outra forma e o objecto do amor de Rabhia – como sucede com Moçambique – desvanece-se e os que aparecem em substituição retiraram-na a honra, obrigando-a a ser o rosto da sobrevivência por ter de se adaptar às novas realidades e por reflectir essas mesmas realidades. Então, sem opção, a narrativa ganha uma prostituta, obrigada a manter-se nessa condição pelos que gozam por pagar pela desgraça, os mesmos que, ao fartarem-se dela, matam-na. Esta narrativa gira à volta dessa morte, com analepses incríveis e um discurso do narrador convincente, típico dos bons escritores, o que faz da escrita de Manjate um produto muito apreciável – o prémio foi muito bem atribuído.

Escrevendo sobre o que Rabhia passa, Lucílio Manjate, sempre apaixonado pelo bairro Luís Cabral, para muitos, de outros tempos, Xinhambanine, leva-nos consigo a questionar as acções dessa mão invisível que sempre a condenamos, sem a conseguir amputar. Como consequência disso, ler este escritor é uma forma de também compreendermos o que se passa nas cabeças dos sobreviventes, dos corruptos e dos que adoram dar ordem a tudo, menos à Mãe que Craveirinha amou.

 

Título: Rabhia

Autor: Lucílio Manjate

Editora: Edições Esgotadas

Classificação: 16.5

Há mais de um ano que vivemos em lamentações, lamúrias, cochichos… quase que brincado de falar de crise, quer política ou económica, no país. Saudamo-nos assim e naturalizamos o estado negativo da vida. É a morte silenciosa da esperança, da crença na nossa capacidade de operar mudanças, aliás, bem diante de nós. Mas os óculos de betão ofertados pelos “iluminados” tornam impossível o vislumbrar de coisa alguma. E o cúmulo do ridículo é que os tantos cegos suam dia e noite para produzir os óculos transparentes dos poucos que bem captam a irrealidade que para todos projectam. Estes tantos são um sombreiro que, exposto ao sol, chuva e todas as tempestades, protege a quem o devia proteger. Uma inversão de papéis que a história deverá corrigir, no seu tempo. Pois, não há mal que dura para sempre, tal como o bem não é eterno.

Esta agonia a que está sujeito o povo moçambicano – com certeza – tem dias contados. Tiros e terror banalizando a vida e retraindo investimentos; preços levando os cidadãos a roçar a costura dos bolsos; o dinheiro tornando-se tangível apenas no espaço imaginário; as calamidades naturais denunciando a nossa precária previsibilidade e proactividade, etc., são o retrato da vida que nos impõem. Parecemos doentes em fase terminal clamando pela recuperação, com apenas a alma como ouvinte. E quando nos cansamos de lutar pela vida, pedimos a morte, já mortos.

Afinal, por quem nos toma a desgraça? Por fracos. Certamente! Porque desistimos de lutar. Desistimos de vencer.

Acreditar na mudança ainda não é uma loucura, mas o alto estado de lucidez que devemos firmemente activar para dizer basta. Sofrer não pode ser um destino imposto apenas, mas também uma escolha da qual temos de nos desancorar.

Chega de brincar de mudo, gritando para os surdos. O Presidente da República e todo o seu Governo devem saber que têm a obrigação de conhecer as nossas aflições e esmerarem-se por saná-las. Devem saber que não somos cobaias para nos testarem uma cirurgia a sangue frio, porque podemos gritar até atingir o irracional e, como os felinos acuados, garantirmos a nossa sobrevivência.

Que não se confunda a paciência e a confiança do povo com burrice. Porque, para suportar tamanha agonia na passividade, este povo devia ser declarado Herói. Uma heroicidade que pode ser usada como arma para iniciar as mudanças radicais de que precisamos para voltar a dar um bom rumo ao país.

Estamos dispostos a sofrer, mas por causas justas. Um sofrimento fundamentado no sonho colectivo de um povo que merece um futuro melhor, com a força da mudança, pela confiança no líder. Portanto, que o Presidente da República e seu Governo não se deleitem nas ondas calmas do mar, porque a passividade, fielmente imposta pela confiança na delegação do poder, pode desvanecer. E… no caos, não há trono.

 

O Ministério da Juventude e Desportos diz que os jovens devem apostar na formação técnico-profissional para que não sejam estrangeiros a construir grandes infra-estruturas do país. O Ministério diz que não faz sentido existirem grandes projectos, como a Ponte Maputo-Ka Tembe, a Estrada Circular, a serem construídos, na sua maioria, por pessoas de fora.

Estes pronunciamentos foram feitos, na manhã de hoje, durante a cerimónia de abertura da Conferência sobre a Edução organizada pela Comunidade Académica para o Desenvolvimento (CADE) e a AIESEC, uma organização de jovens que desenvolvem experiências de liderança. A conferência tem como objectivo discutir o papel dos jovens na melhoria da qualidade de educação.

Os casamentos prematuros, o consumo de drogas e a violência doméstica, que, nos últimos dias, vem se mediatizando com maior frequência, são outros males que o ministério dirigido por Alberto Nkutumula quer ver os jovens a combatê-los.

Dois indivíduos foram detidos pela polícia na posse de uma arma AK47, com 15 munições. Os mesmos são acusados de fazer parte de uma quadrilha de quatro elementos. Os outros dois puseram-se em fuga.

Os jovens, de 25 e 30 anos, foram detidos, na madrugada da última sexta-feira, no bairro de Zimpeto, em Maputo, quando se preparavam para um assalto em Magoanine. Em sua posse, foi encontrada a arma e um medicamento tradicional. Os indiciados negam o envolvimento em actos criminais e acusam o líder da quadrilha que se encontra fugitivo.

“Fomos encontrados com esta arma, os colegas que tinham esta arma fugiram e deixaram cair, nós como estávamos atrás formos neutralizados. Quando a polícia chegou mandou-nos parar, eles correram deixaram a arma no chão então recolheram a nós”, contou um dos indiciados.

A polícia não tem dúvidas que se trata de criminosos e acrescenta que o grupo perturbava a ordem e tranquilidade públicas. “É uma quadrilha que vindo aterrorizar a cidade e a vila da Manhiça, tanto é que um dos integrantes é morador da Manhiça. Saíram da vila com a intenção de tentar mais uma incursão criminosa. Há um mês foram flagrados e deixaram cair uma arma”, disse Paulo Nazaré, Porta-voz da Polícia ao nível da cidade de Maputo.

A ousadia dos indiciados ultrapassa a ciência. Para alcançar seus objectivos, estes usam remédios tradicionais na arma, acreditando que através da sua aplicação não serão descobertos. “Contatou-se que na arma tinha um remédio tradicional. Aquele produto não é nenhum componente da arma. Informações dão conta que eles aplicavam este produto na arma para terem sucesso nos seus roubos para que as vítimas não descubram a presença deles”, fez saber Nazaré.

O porta-voz revelou que diligências estão a ser feitas, no sentido de neutralizar os outros integrantes da quadrilha.

A Polícia da República de Moçambique diz que, em geral, a cidade de Maputo esteve calma durante o final de semana e não houve registo de grandes incidências criminais

Filipe Nyusi entrou no salão nobre do Conselho Municipal de Maputo como convidado de honra à cerimónia de lançamento do livro “50 Anos do Destacamento Feminino: génese, expansão e impacto” e não quis sair mudo. O programa não previa a sua intervenção, mas, depois de receber um exemplar do livro e presentes da Associação Nachingweia, o Chefe de Estado quebrou o protocolo. Foi ao pódio dizer que o lançamento do livro faz parte da campanha contra o “branqueamento” da história de Moçambique. “Quero felicitar a Associação Nachingweia pelo lançamento do livro. Isto é uma campanha que estamos a lançar contra o branqueamento da história. A nossa história não pode ser forjada, inventada, porque ela foi feita e existiu. Quando escrevem, permitem que aqueles que têm ideias diferentes tenham matéria para discutir. Isso é mais importante do que as pessoas que, a cada dia, contam e inventam que eu estava aqui, eu estava ali”, disse o Presidente da República, na sua curta intervenção.

Minutos antes, António Hama Thai já tinha defendido a importância do livro como instrumento de preservação da memória colectiva sobre a luta de libertação nacional. Na apresentação do livro, o general na reserva e deputado da Assembleia da República disse que os autores apontam, sob diferentes perspectivas, o papel estratégico abnegado e o percurso histórico das “25 meninas” fundadoras do Destacamento Feminino para as nossas gerações. Mas não só. Com o livro, os autores também realçam a questão segundo a qual os valores da moçambicanidade resultam de um processo complexo e de coragem, que culminou com a libertação de Moçambique. “Com esta obra, ficou evidente que os autores procuram atingir o objectivo principal, que consiste na contribuição para a preservação da memória colectiva do povo moçambicano e um tributo às mulheres que prestaram serviços incomensuráveis em prol da nossa pátria amada”, defendeu Hama Thai.

Falando em nome dos autores, o tenente general na reserva Raimundo Pachinuapa lembrou que falar de Nachingweia é falar do local onde foi forjada a unidade nacional e o patriotismo. “Nachingweia foi, também, o berço da emancipação da mulher moçambicana. Foi ali onde 25 meninas do Destacamento Feminino, destemidas, juntaram-se aos seus camaradas do sexo masculino, receberam treinos militares e participaram activamente nas frentes de combate”, disse.

Além de Pachinuapa, são autores do livro que retrata os 50 anos do destacamento feminino Renato Matusse, Páscoa Themba e Pedro Gemo.

A cerimónia de lançamento foi testemunhada por diversas personalidades, com destaque para o Chefe do Estado; o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano; o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário; membros do Conselho de Ministros, dirigentes da Frelimo e combatentes da luta de libertação nacional.

 

E se os homens chorassem?

Homem não chora!!! Diziam as minhas avós, Carolina e Penina, que já gozam de sono profundo há alguns anos. Serenas e convictas, típico de quem

De Próspero a Caliban

Ao F. Noa, pela visão   Estive na Ilha. Na Ilha de Moçambique, esse paraíso histórico,  espaço de pedra que tem encantado Poetas, estudiosos e

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