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Boas intenções, efeitos indesejáveis

Xi-Cau Cau

1.    O antigo Presidente Joaquim Chissano, com a melhor das intenções, recebeu em audiência um apresentador de televisão que havia tido um excelente desempenho numa missão no estrangeiro. Após o anúncio, o saudoso Luís Brito, então director da SOBEC, mentor e realizador do Torneio infantil BEBEC, claramente a maior realização de futebol infantil pós-Independência, decretou: “a partir de hoje, o meu envolvimento neste torneio, cessou”. E explicou: “Eu organizo há dez anos uma prova que movimenta milhares de crianças, produz estrelas e nem sequer o Ministro me recebe…”. Assim empalideceu uma original competição que parava a cidade de Maputo, envolvendo a Comunicação Social, Escolas, Bairros e pais da criançada. Pode dizer-se que terá sido um erro (conselheiros distraídos?), apesar cheio de boas intenções.

2.    Independentemente da afabilidade da pessoa, Ministro ou Vice-Ministro, é sempre um cargo de alto nível que não deve ser banalizado. No pelouro da Juventude e Desportos, tanto o Dr. Nkutumula com a ex-grande basquetebolista Flávia Azinheira, são pessoas sempre disponíveis a estar próximas de onde as coisas acontecem. Porém há um lado problemático: é o da banalização de tão ilustres figuras do Estado. Sente-se que, consoante a capacidade de persuasão de quem organiza – uma palestra, o regresso de uma caravana, um campeonato vulgar de lineu – lá temos os dirigentes máximos do MJD a “incentivarem”. Onde está o problema? A questão que coloco mais atrás, relativamente ao SOBEC, é válida. Hoje por hoje, há muitos que querem trabalhar só para dar nas vistas. Do outro lado da “barricada” ficam aqueles que, desinteressadamente, movimentam actividades importantes e que se podem desmotivar por haver distinção apenas para os adeptos do “show-off”.

3.    Também na esteira destas ideias, vem a questão sensível das premiações. Não se devem banalizar as distinções. É evidente que não é fácil conseguirem-se consensos – cada cabeça sua sentença – mas é necessário “cavar” o mais fundo possível, para distinguir os melhores, usando critérios e credibilidade que não se assemelhem a uma extracção do Totoloto.

4.    Kurt Couto é um dos mais credenciados atletas dos últimos anos, provavelmente o que ainda nos resta de uma fornada que incluíu Mutola, Tina da Glória e Leonor Piúza. Ele tem um sonho: chegar à final dos próximos Jogos Olímpicos no Brasil. Muito sinceramente eu, e creio que todos os moçambicanos, gostaríamos que essa pretensão anunciada de alcançar a final de uma das mais exigentes competições – os 400 metros barreiras – é de todos nós. Mas uma coisa é um sonho e a outra é a realidade. E por vezes, como é o caso, as distâncias são enormíssimas. A partir daí, está-se a vender ilusões. Kurt Couto tem como seu MELHOR tempo, a marca de 49.02. O recorde olímpico e mundial desta distância, pertence a Kevin Young, com 46.78 segundos. O último campeão olímpico, Félix Sanchez, em Londres 2012, percorreu-a em 47.63. Que leitura se pode fazer destas marcas e da distância no terreno e concreta que vai entre o nosso compatriota e a elite mundial? No desporto em geral, não há milagres. No atletismo, a fita métrica e o cronómetro não permitem sonhar com “a mão de Deus”. Ir com os mínimos, só pode significar o sonho do recorde nacional. E como nas eliminatórias os “cobras” são colocados nas séries com os menos cotados, a “sentença” é dada logo ali. À memória vêm-me as imagens da corrida do americano Edwin Moses, que dominou os 110 barreiras durante mais de uma década e que em Barcelona 92, chegou à final da prova em que era dono e senhor, apenas a cumprir calendário, com uma

 

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