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Esposa Pública

Ajeitou a capulana de modo a cobrir os joelhos, quando percebeu o meu olhar a trepar-lhe pelas canelas roliças. Os homens olhavam. As mulheres sussurravam. Mas ela não tinha culpa. Até a capulana com que tentava disfarçar as cordilheiras ondeava, rendida ao relevo.
Estava sentada sobre uma esteira de palha. Dobrou as pernas para um lado e descaiu o corpo para outro, deixando o peso todo sobre o braço. A cabeça inclinou para o lado e encostou-se ao ombro. Com a mão livre pôs-se a fazer rabiscos invisíveis na esteira.

Estava no meio, ao jeito réu das loboladas. De um lado as mulheres, também sobre esteiras. Do outro os homens, em cadeiras, caixotes, jerricãs, troncos ou qualquer outra coisa que lhes colocasse os rabos acima dos delas, à altura da hierarquia machista. Chegaram as estruturas da vila, o padre, o administrador, o cantineiro, o primo do administrador e outros chefes. Caminhavam vergados ao peso solene dos casacos. Sentaram-se de frente para ela, ao jeito dos juízes. Ela endireitou a postura e dobrou ao máximo as pernas, de modo que a capulana lhe cobrisse os tornozelos. Os homens olhavam. As mulheres sussurravam. Mas ela não tinha culpa. Olhou para mim, para os outros, depois para as estruturas da vila. Os olhos acendiam. O rosto não resistia ao peso da beleza. As bochechas almofadadas amorteciam a expressão dos lábios. Não se percebia se estava sorridente, triste ou com fome. Parecia a Monalisa. Monalisa de lenço e capulana.
Era uma vila sossegada até ela chegar, diziam. Não havia ali problemas, para além do xipoko do custo de vida. Todas as mulheres adultas eram casadas. Ela veio trabalhar no contentor do Chico onde, de um lado é mercearia e do outro bar. Circulava entre as mesas, ria-se com os beliscões que lhe davam, atrapalhada com as contas, com os trocos e as gorjetas cresciam. Os homens já não saíam do bar. Depois do trabalho, ia com um ou outro lá para onde vão os homens quando saem do bar. O facto agravou, nas estatísticas, os casos de ximokos conjugais, maridos queimados a óleo, caril ou gasolina. Na igreja, as mulheres queixaram-se ao padre que os maridos tinham uma esposa oculta. O padre apresentou o problema às estruturas do bairro. Por isso estavam ali reunidos. E decidiram:
– Para resolver o problema, decidiu-se converter a Esposa Oculta em Esposa Pública – em coro, as mulheres disseram “oooh!” – Toda a vila vai lobolar a visada para que tenha uma aliança no dedo anelar, porque aqui não é lugar para mulheres solteiras.
De novo “ohh!”. Aquilo não podia ser. Pagar o lobolo de alguém trazida para a vila às escondidas, sem lhes consultarem?
– Essa não é uma esposa oculta. É amante oculta que agora querem converter à amante pública! – acusavam elas – quem a trouxe é quem deve assumir o lobolo.

A discussão incendiou a reunião. Ela olhou para mim, baixou os olhos e endireitou-se na esteira. O administrador tapou a boca disfarçando o bocejo e interrompeu a sessão. Aguarda-se, até agora, pelo desfecho para que se possa terminar este texto.

Ela ajeitou a capulana e foi trabalhar. Os homens olhavam. As mulheres sussurravam. Mas ela não tinha culpa. Cansados, os homens foram para o bar, espairecer.

 

 

 

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