A ideia de dar corpo na Sociedade do Notícias a um jornal desportivo, em período de muitas carências no país, mas de grande exaltação desportiva, esteve muito tempo a “ruminar”. Os estádios andavam permanentemente em ebulição, os campeonatos dos bairros, das empresas e dos quartéis idem. Na primeira “luz verde”, o nome escolhido foi “Equipa”. Para corporizar a ideia, a equipa integrava Renato Caldeira como chefe de Redacção e dois repórteres: Alexandre Zandamela e António Marmelo, este a acumular as suas funções com as de repórter fotográfico. Quando tudo parecia estar a postos, a carência de papel inviabilizou. Se não havia matéria-prima para as publicações já existentes…
Finalmente, o parto sonhado
24 de Julho de 1987. Passam-se agora 30 anos. Finalmente, um sonho tornava-se realidade no país. O surgimento de um jornal desportivo. E na hora em que a velha rotativa lançou para o mercado essa publicação inteiramente dedicada a um fenómeno tão querido dos moçambicanos, a bicha à porta da SN começou bem cedo, para uma edição que só sairia à rua às 16 horas. José Catorze, o então director-geral da empresa, apesar de não ser um entendido na matéria, acumulava a direcção máxima do semanário.
A primeira “orientação”: cada pessoa da bicha, só podia comprar dois exemplares. A manchete: transferência de Chiquinho Conde para o Belenenses – a primeira legalmente autorizada pós-independência. Na última página, também pela primeira vez, falava-se de uma menina, um fenómeno de trancinhas Lurdes Mutola. Ela jogava nos juvenis do Águia d'Ouro, tinha um pé esquerdo terrível e “desgraçava” os futebolistas/homens das outras equipas. Deu então entrada na Associação um protesto, que culminou com a proibição de Mutola jogar nos federados com os meninos. Surgiu, em boa hora, a “mão” do falecido poeta José Craveirinha, que possibilitou o aparecimento da maior atleta moçambicana de sempre. Mas voltando ao lançamento do Desafio. O autor destas linhas, então com 38 anos, passou a chefiar editorialmente um projecto que poderia não durar, tendo em conta as experiências anteriores. Completavam a nova equipa redactorial, Boavida Funjua e Domingos Elias como repórter-fotográfico.
Desafio “pegou de estaca"
Cada letra e cada frase transportava um pouco de nós, os fazedores, após horas intermináveis de criação das matérias, revisão e “casamento” com as fotografias. Tudo acompanhado à minúcia até à paginação. E como estariam a reagir os leitores? Essa responsabilidade tirava-nos o sono, a tal ponto que eu, face à responsabilidade que tinha, bastas vezes “espreitar”, sem dar nas vistas, as reacções dos meus leitores, se eram de alegria ou desagrado.
O jornal cedo se popularizou e passou a bi-semanário, integrando novos repórteres dos quais vou recordar alguns: Homero Lobo, Rosa Inguane, Paraskeeva, Rui Rebouta, César Langa, Jeremias Langa, entre outros. Mas o mais importante é que tudo fazíamos para cobrir o máximo de actividades e modalidades. Cada modalidade, sobretudo as menos concorridas e de menor impacto, tinham no seu seio um “repórter” para nos fornecer os dados para as notícias. O mesmo acontecia com os bairros e até quartéis. Dois nomes me vêm à memória pela dedicação a esta causa: Horácio Sucena, do ciclismo e Hamilton Surtin do Xadrez, ambos infelizmente já falecidos.
Do sucesso deste empreendimento, um registo: uma quarta-feira à tarde, no campo do Maxaquene e durante um jogo de futebol, o público, numa avalanche que dava a entender alguma anormalidade, correu em massa em direcção aos portões. Eu que tinha participado no fecho do jornal nessa manhã, questionei a razão da correria. Disseram-me: “o Desafio acaba de sair”. Eram outros tempos e realidades, em que havia um grande nível de interesse, tanto pela leitura, como pelo desporto do país!