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Do Atlântico para o Índico

Há cerca de trinta anos desde que, em 1989, aquando da realização do primeiro congresso de escritores de língua portuguesa em Lisboa, iniciamos as nossas reflexões em torno das ações e propostas das novas gerações artístico-literárias que –então- se apresentavam em Angola e Moçambique.   

Continuamos reputando este assunto de importância bastante para as literaturas dos Países de Língua Oficial Portuguesa. Angola e Moçambique  são, pelo que nos é dado a conhecer, dois casos em que a actualidade literária é mais vivamente marcada pela intervenção da geração post-independência, apesar das especificidades de cada caso em razão dos contextos e textos realçáveis dentre os que podemos conhecer.

Foi um facto indesmentível, nos anos oitenta, o surgimento e a afirmação de uma geração nova nos nossos países e nunca é demais repetir, na esteira do Professor Mário de Andrade, que ela/geração soube, apesar dos pesares como a escassez de bibliografia e a falta de contactos literários com o exterior por um lado, e também pelas guerras sangrentas que vivemos somadas as tentações da vida material, – dizíamos -, ela/geração soube enfrentar e ultrapassar as barreiras do seu tempo imprimindo na continuidade selectiva a ruptura que moldou a sua presença afirmativa face à História.

Em Angola, o que com certeza não é o caso de Moçambique, simplesmente de 1980 em diante poderá ser tomado em conta o surgimento da  jovem geração de escritores porquanto, em nosso entender, disse bem David Mestre na sua carta de Angola sobre a poesia nacional de 75 a 80 publicada a pags 67, 68, 69 e 70 da revista Colóquio/Letras n.º 89, ao referir que neste período em que constam os primeiros cinco anos de independência, apesar de carência económica (aqui referenciaríamos também a vivente degradação de valores…) a atenção primeira dos programas editoriais foi para a difusão daquelas que devemos considerar gerações anteriores cujo lastro vinha da década de 40 porque «a divulgação de autores angolanos durante o período colonial foi sempre, na melhor das hipóteses, editorialmente episódica e subalterna». A poesia, e não só, nesse primeiro período de liberdade, «passou da clandestinidade e da guerrilha aos prelos que a disponibilizaram para o encontro com o seu público…» pelo que, só na década de 80 aos novos/jovens/autores surgiu a abertura, que nunca lhes havia sido retirada, já no âmbito do movimento das brigadas apoiado pela União dos Escritores Angolanos, acontecendo ser Carlos Ferreira o primeiro a ver-se editado pela UEA em 1982 na prestigiada colecção de cadernos Lavra & Oficina. Refiro-me ao Projecto Comum, livro de débil pesquisa morfológica, considerado também «cheio de confessionalismo e improvisações rudes, duma retórica linear e sem recursos estilísticos» que em nosso “presunçoso” augúrio, a história – parafraseando Eugénio Lisboa – há-de ter o  meticuloso cuidado de o esquecer.

Em Julho de 88, para nós o ano da afirmação de novos escritores em Angola, em conferência por nós orientada na sede social da UEA em Luanda, dissemos que os jovens produtores de textos literários, uns mais do que outros, inevitavelmente, vinham já demonstrando graças ao seu audacioso autodidatismo um indubitável traquejo no domínio das mais distintas disciplinas de exercitação literária, sendo entre nós a poesia e o estudo (ensaio e critica) as que mais seguros indicadores nos presenteiam, ao contrario do que vem (vinha) sendo coisa por exemplo em Moçambique e mesmo em Cabo-Verde ou S. Tomé onde à distancia, e na medida dos nossos escassos conhecimentos, vimos acompanhando um sério desenvolvimento da ficção literária.

As nossas sociedades são ainda híbridas e cheias de indecisões. É um autor clássico quem nos diz que a juventude é a melhor maneira de enganarmo-nos a nós mesmo. Fernando Pessoa, alerta-nos poeticamente para a extensão da alma, e vai muito mais além quando nos diz que todo começo é involuntário/Deus é o agente.

Entretanto, assumida a complexidade das praticas artísticas e da própria vida literária, os novos sentiram-se deuses de si mesmo e só o seu empenho nos permite aqui apontar nomes que reconhecidamente lúcidos tem interferido e dinamizado a actividade literária das nossas nações e com os quais a literatura joga e jogará papel cada vez mais importante para o desenvolvimento sócio-espiritual dos nossos países:

– Luís Kandjimbo, José Luís Mendonça, Paula Tavares, António Fonseca, João Maimona, António Panguila, Jacinto de Lemos e Norberto Costa que injustamente raras vezes é referenciado dentre os mais representativos em Angola ou, os Moçambicanos: Armando Artur, Eduardo White, Panguane, Filimone Meigos, Paulina, Chissano, Suleiman Cassamo, Luís Cezerilo, Ungulani, Juvenal Bucuane,  Nelson Saúte e mais um ou outro de referencia obrigatória e cujo nome agora me olvido,  são autores de obra já conhecida e homenageada , conscientes de que só a operatividade textual das suas produções os consagra.

A arte literária da actualidade, embebida na secular tradição, basicamente oral, dos nossos povos apresenta-se tematicamente diversificada e tende para uma cada vez maior diversificação dado o dinamismo característico dos nossos “provincianos” universos sócio-económicos.

De referir que o Professor Pires Laranjeira, em razão da multiplicidade das nações e diversidade cultural dos países africanos, havia já considerado tornar-se cada vez mais difícil a um crítico europeu debruçar-se sobre as literaturas africanas. Entretanto, para bem delas, vimos surgir nos nossos países nomes dispostos a estudar, a analisar e a opinar sobre as produções locais. Sérios, descomplexados, despidos do vicio da complacência e da cobardia e sem compromissos com as instituições do poder.

Um exemplo categórico da opinião local entre os Cinco é sem duvidas o de Luís Kandjimbo, autor que se estreou com Apuros de Vigília, um conjunto de ensaios de meditação genérica a volta da coisa literária no continente africano.

Outro exemplo de actuação literária que a nós africanos orgulha, reside em Ualalapi de Ungulani. A nossa ficção ficou indubitavelmente enriquecida com a publicação desta prosa com momentos de primor poético e de suave densidade lexical, contrabalançada a transgressão conteudística e formal.

Se a nova poesia moçambicana traz bem acentuada uma inconfundível e natural carga lírica distanciada do telurismo característico da poesia anterior, em razão até da visão e concepção do mundo da juventude inevitavelmente assombrada pelo timbre do momento e da paixão de que falava Rilke à Kapus seu discípulo, aceitamos que ainda assim intervêm socialmente, mesmo porque, focalizado no corte estrutural o plano linguístico, anota-se certa subversão influenciada por autores clássicos portugueses e brasileiros, alguns até ainda vivos.

Ao contrário, folheadas as páginas dos poetas de 80 em Angola, veremos consolidar-se (dentre tantas) uma proposta de cariz antropológico. Vivas reflexões em torno da condição da vida humana, das relações que estabelece com a própria sociedade em que se sente inserida e não só.

É visível um constante recurso à intensidade simbólica de imensos motivos da realidade africana exaltando-se até elementos da (fauna e flora outrora ofuscados pelo colonialismo por exemplo) cultura angolana, pelo que não raras vezes assistimos também a uma ligeira interpenetração idiomática sugerindo um bilinguismo metafórico que ilustra invenção, criação e integração, das quais resulta a transgressão.

Em ambos os casos, o panfletarismo de outrora caiu em desuso, o cantalutismo sente-se desnecessário, a cor da pele não é mais motivo para recurso. Em ambos os casos rasga-se e subverte-se a linguagem e ao contrário do que se fazia no princípio, hermetiza-se cada vez menos acentuando aberto intimismo. Denotam-se saudáveis preocupações académicas e a marcha de um amplo processo de investigação estética cuja sentença aí está, pois o juiz/tempo ditou, reafirmando que um ano não conta e dez são o mesmo que nada.

Termino com uma breve referência, afirmando a necessidade crescente dos novos autores laborarem no campo fértil e aberto que é o da produção de textos dramáticos. Trata-se de uma área que herdamos das anteriores gerações, formal e substancialmente virgem e para a qual pobres esforços se tem concentrado.

 

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