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Carta de Joaquina Desdentada

(Parte I)

                                        

O sorriso dói a tanta gente… vento e água não têm o mesmo peso.

Lica Sebastião, in O AVESSO DAS PALAVRAS

Ao DINO FOI,

O Agitador de Ideias!

Querido Dino Foi!

Assim que não consigo falar contigo decidi escrever. Não vou perder o meu rico tempo a dizer «bom dia», «boa tarde» ou talvez «boa noite» porque o meu desejo é saudar-te com um beijinho, à nossa maneira, de comadre para compadre. Bem sei que andas por aí pelo mundo. Nunca se sabe se estás em Moçambique ou se estás fora do país. Até as minhas fontes suspeitam que andas por aí, a fugir de mim. Pouco importa se onde estás faz frio ou calor. Se é madrugada ou se estás agora mesmo a curtir a sombra da uma tarde qualquer.

És uma pessoa muito tímida para enfrentares o espanto que sou, sei bem disso. E como não atendes aos meus bipes, arrisquei e aqui me tens neste papel. Quase ias tendo sorte. Por ironia do destino as minhas contas decidiram piscar o alerta vermelho e recorri a uma amiga que me safou com megas. Sou uma sobrevivente de um barco encalhado. Bebi a poeira do destino e mastiguei as ondas do mar. Sou uma mulher de armas, até o medo tem medo de mim, tal como a escuridão detesta o Sol. Ando a caçar-te no facebook, mas como andas armado em bom não me ligas nenhuma. Hoje encontrei uma saída. Esta carta vai resolver todos os meus problemas. Primeiro quero dizer-te que ando a ler tudo que escreves no teu mural sobre a única filha da minha mãe. Acompanho o que essa tua fila de gajas diz sobre mim. E até pensam que são as sortudas do teu quintal. Umas afivelam com «likes» e aqueles bonecos, dançando, fazendo caretas, rindo dos meus dentes e outras coisas que não é correcto aqui falar. Se eu dissesse tudo que penso delas poderia estragar a minha caligrafia e o meu latim soletrado.

Compadre Dino,

A minha preocupação não sou eu. O Viriato é que me faz escrever-te. Não sei se ainda te lembras dele. Viriato é aos olhos de muitos um maluco, um indigente avulso numa rua esquecida do mundo. Mas para mim é um irmão, um homem de Deus que foi traído pela sorte. Esta vida anda de um jeito que a gente já não sabe se está a acertar quando pratica o bem, ou se estamos a alugar uma desgraça paga com retroactivos. Maigode!

Encontrei o Viriato na rua dos segredos, onde ele construíu uma casa de pano e papel. Viriato estava bem-disposto, cantando «Drop The Pilot» de Joan Armatrading usando um pau no lugar da guitarra e abanando a cabeça ao sabor da música. Pano e papel eram os materiais que usávamos para construir as casas com que sonhávamos na infância. E o Viriato queria ser Piloto. E eu sempre sonhei ser professora. Mas a vida é uma tábua de xadrez como diz o músico Chico António.

 O comandante Viriato Xicomo disse-me que te conheceu no Zimbábwe nos teus tempos de estudante. Viriato estava numa formação militar. Ele falou-me das vossas noitadas em Harare. Fica tranquilo, compadre não vou revelar a ninguém a parte boa das vossas aventuras, assim de qualquer maneira. Mesmo que me prometam montões de dinheiro. Ainda sou amiga dos meus fãs. E tu és dos mais dedicados, Dino. É só te lembrares que não passas uma semana sem tocares no meu nome. No próximo post trata-me por Jô. Quero sentir-me nas nuvens, como a campeã dos 100 e 200 metros dos jogos Olímpicos de Seul 88.

Voltando ao mais importante, o Viriato vive na rua há cinco anos, desde que foi abandonado pela mulher e os filhos. Como diria o doutor Pescoço, o Viriato confiou nas pedras do caminho e no campim à volta que as esconde. Longe de pensar que o Trigo amigo e colega estava feito com a mulher do Viriato. Flagrou-lhes tarde, mas a tempo de pegar no casaco e meter-se na rua. Ainda bem que ele não pegou na arma. Imagino o que ele teria feito. Mas o filho evitou males maiores à família Xicomo. Como disse antes, o Viriato montou a sua casa na rua e junto da parede onde ele montou a casa de pano e papel escreveu a preto É PROIBIDO MIJAR AQUI. MULTA MIL METICAIS.

Naquela tarde aproveitei o bom humor do nosso amigo e levei-o ao cala a boca, num ambiente descontraído para ele ter espaço para revelar-me coisas da sua vida. O Viriato ainda alimenta o sonho de regressar aos bancos da escola para concluir o nível médio e depois candidatar-se ao curso de Direito. É uma promessa que ele fez à mãe que está em Mapai. Naquela tarde o Viriato estava tão animado, até os serventes do restaurante olharam para ele de queixo-caído. Eles não estavam a reconhecer o mendigo que desdenharam horas antes ao passar pela esburacada rua dos segredos.

Sei que és um homem de bem, Dino. E saberás ajudar a reabilitar o sonho de um amigo. É só ligares para mim.

                                                      Um beijinho, compadre!

Joaquina

Magoanine, 10 de Julho de 2018

 

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