O País – A verdade como notícia

Selfies

«Penélope,

nascida e criada no Alto- Maé. (…)

enquanto esperas/teu primo Ulisses,

o noivo aflito,/lá do Chibuto,

para as lautas bodas/no Ateneu»

João Fonseca Amaral

                                     À

Ximbitane na Lenha

1.

As primas têm a atenção sequestrada pelo grande ecrã, um seriado suga-lhes os olhos. A secretária da casa sabe que não deve anunciar uma visita, matar mosquito ou perguntar seja o que for. Milú e Gita estão ocupadíssimas!
Uma hora depois, aliviada a tensão aproveitam o que sobrou da tarde.
–  Amor, veja lá o que esse daí quer. Eu já disse que estou em casa. Eish! (A Milú entregando o telemóvel à Gita)
–  Tá-te a cumprimentar, mana.
–  Yuh, mas só isso? 
– Hããã. É porque não trago óculos, sabe. Esta minha vista…Escreve-lá, com os teus dedos pitandos, assim do tipo quando te vejo?
–  Mas prima?
–  Okay.

Gita não foi em meias medidas. Escreveu «Quando te vejo? Estou morta de saudades. Um beijo». E doutro lado a resposta não tardou.
–  «Mais logo vou ao Cala-boca. É um Lounge fino. Posso te ver lá no sítio»?
–  «Sim, 19h». Gita decidiu pela prima.

E logo de seguida a conversa muda de rumo. Gita toma iniciativa: 
– Milú, lembras quando brincávamos na continuadores? Paralisavas aquilo tudo! Xissa, phá! E aqueles rapazes davam caramelos, arrufadas só a ti. E tu, Madre Teresa de Calcutá, sentindo pena de nós davas um a mim, à Panguita, à Lola e a prima Sara que bazou para a John…
– Xi. Ainda lembras de coisas do tempo colonial, filha?
–  Até do Kilson eu me lembro, o teu gringo.
–  Pára lá com isso, Gita! Vou-te bater…
– Aquele gajo te queria como pão para a boca, mana!
– E quem foi que te disse que lá isso de ele ser americano dá-lhe algum direito de preferência?
– Acho que nem sabes bem o que queres dizer, mana. O Kilson fez de tudo, foi à casa do tio Mário. Apresentou-se. Lobolou-te. Foi visitar as campas dos vovós Mundau e Salda. Só faltava o gajo dar banho aos cabritos…
–  Esqueça isso, filha. Eu estou masé louca por ir ao Cala-Boca. E tu és minha madrinha hoje. Deixa-te de falecidos, vamos aturrar aquele machangana do Pajó.
– Nem me fales, mana. Vou caprichar. Ainda descolo deste meu azar…
– Qual é o carro que vamos usar hoje, filha? – Atirou a Milú.
– Hoje quero conduzir o Black Mamba. Estou farta de simanguitos nas ruas. 
– Desculpa lá, mana. Vou trocar estas sandálias, calçar uns sapatos rasos. A noite promete.
–  Não demora, filha. 

2.

–  Gi, estava aqui a pensar com os meus botões. Qual é a diferença entre eu e essas ministras que andam por aí? A mulher é que está a dar, filha. Eu até me imagino a falar no parlamento. E tu ficas logo minha chefe de gabinete, diz-lá, o que achas? Seja sincera, querida! 
– Hehehe! Acorda, Amor. E quem vai vestir essas tuas roupas curtas. Aquelas tuas botas, bombar na night,etc? Se te metes naquela merda tens de mudar muita coisa. Posso ligar à prima Luísa. Vai ler para ti a cena dos protocolos, coisas corretinhas e etc e tal. Sei que és uma poderosa, mas veja lá onde metes a fuça, baby …
–  Ei, tens razão. É por isso que gosto muito de ti, meu anjo. Entendi bem e, veja que nem vou dar os meus biquinhos por aí. As selfies no elevador. Ei, sai satanás! Deus me livre! Nem quero saber como é que aquela malta aguenta? Achas mesmo que sou capaz de andar a controlar o instinto do meu beijo molhado?
– Estou a render contigo, mana. Enquanto falavas dei por mim a ler as cartas do Tony daquela banda de rock?
–  Aquele que mandava postais em inglês?
–  Não, mana. Escrevia em Português mesmo.
–  É tudo igual. E tu lias, com todos kapas, éffes e érres.
– E aquele sul-africano, nunca mais fomos ver o sivale?
–  Stop! O que te deu hoje, hein querida? Foste tirar o Boyson, da campa em Benoni? Pensando bem, aquele tipo me abriu os olhos. Comecei a usar a cabeça. Comprei casas na Suázi. 
– Lembras-te das nossas aventuras? E aquele primo do Mswáti a comer na tua mão… Eras uma princesa…
–  Aleluia! Estás a ver que não fui matreca.
–  Nem me fales, prima…
– Olha que ninguém notava que tinha dois dentes partidos.
– Como reparar nisso mana. Tu és uma gatona. Deus estava inspirado…
–  Pára com isso, Linda! Vou estacionar. 
–  Deixa-me abrir-te a porta, mana.

3.

Gita deu a volta à viatura, a Milú ajeitava a maquilhagem quando o telefone vibrou.
– Yuh, como é que o Pajó advinhou a nossa chegada. Fala lá com ele, amor. Estou a acertar o batom. – Milú entregando o celular à prima Gita.
– Não é Pajó, mana. É o ministro aquele teu fã da casa Mapiko.
–  Eish, o Gatafox?
–  Dá cá isso, amor. 
–  Olá, filho de dono. – Milú conjugando o verbo.
– Olá, meu feitiço. Tudo bem?
– Tudo. Sabes com é. Esteja à vontade. Não tenho salamalaques. E tu, gatão?
– Tive de me trancar no escritório para falarmos à vontade. Digamos que estou a terminar a minuta do acordo que vamos celebrar com a Coreia do Sul. Tenho uma viagem dentro de duas semanas.
–  Wow!Estou a gostar disso. Meta-me na mala.
– Isso é pouco, filha. Manda-me agora a cópia do teu passaporte preciso de mandar a minha secretária incluir-te nas passagens…
– Hei, como assim? Ei, veja bem, Gatucho. Não quero vender jornais…
– Isso é cá comigo. Vamos com uma equipe técnica. Já avisei lá em casa que vai uma comitiva ministerial executiva e alguns empresários.
–  Hum. Do tipo mata-e-esfola?
– Isso mesmo. É desta vez… Olha devo desligar. Estou a receber uma chamada das águas grandes.
– Está bem, filho. Mabeijo na orelha. Já te mando por whatsapp.

4

– Filha peço para veres se a minha bolsa tem o passaporte.
–  Qual das bolsas, Linda?
– Aquela que comprámos em Itália. Nem imaginas, estou para ir a Coreia do Sul …
–  Xi. Você não presta mesmo. Ainda por cima com um ministro…
– Estou em cima da casa, filha. Nem imaginas o que o Gatucho armou para a dona das coisas.
– Não me digas que nem falou da viagem à dona fulana…
– Falou. O gajo disse que vai numa coisa executiva, blá, blá. Só homens. O gajo já nem pensa, filha. – E a Milú voltando à carga.
– Olha envia-lhe as imagens do meu passaporte no whatsapp. Ele quer tratar do visto, já. Chuta daí, querida.
–  Vamu que vamu, mana.

5.

Entretanto,

O Pajó já tinha roído todas as unhas. A ansiedade asfixiava-o. Havia rebentado duas torres de cerveja.
– O que tens, filho, que bicho te mordeu?
– Bicho uma ova. 
– Calma, mor!
– Não quero saber. Será que vieste de navio. Ou pensas que sou um boneco?
– Relaxa, moço. Tu sabes que sou tua. E, olha que não digo isso a toda gente…

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