No chapa há vida, mas também morre-se;
Transporta-se alegria, mas também tristezas;
Há analistas, há sabedoria!
Há lamúrias, mas também soluções;
É onde despes a sua triste realidade…
Os políticos deveriam provar…
Sente-se o pulsar de uma nação.
O calor era de fazer escorrer rios de suor… o chapa estava abarrotado. Alguns em pé outros sentados e eu algures suspenso… os corpos mesclavam-se… dançava-se a dança do zigue-zague… zigue-zague dos burracos e do engarrafamento. Os cheiros dos perfumes e das catingas guerreavam por seu espaço… nesta toda luta, sofriam as narinas! Coitadas… ficavam todas atrapalhadas e confusas…
Ouvia-se insistentemente "Você estás me pisar, não vês? Não me pisa mamã heeee!".
– Isto é chapa papá, disse outra voz…
Havia no último assento uma senhora que falava – em emakhuwa – ao telefone aos berros, parecia que pouco se importava com o calor. A cabeça do cobrador estava do lado de fora e as suas traseiras incomodavam a senhora do tipo chique que estava imediatamente à sua atrás. As caretas dela denunciavam o desconforto… mas o seu silêncio era cúmplice… No banco detrás do motorista estava uma outra senhora que transportava peixe, cujo odor era forte. "Mamã… que é isto aqui que está a poluir um mau cheiro aqui!", disse em tom de arrogância um jovem que aparentava não estar lúcido, seus olhos estavam vermelhos, trazia um goro preto, brinco numa das orelhas e chinelos que denunciavam falta de limpeza… Do seu casaco – que não deu para perceber se era branco ou castanho devido à confusão causada pela sujidade – espreitava de forma tímida uma garrafa cujo conteúdo é imaginável. As caretas que a dona dos peixes fazia também denunciavam desconforto em relação a algum odor expelido pelo jovem que fazia questão de falar aproximando-se à face da senhora. Estava uma confusão…
O motorista que se apresentava de uma camisa daquelas famosas na praia de Havai – que estava quase toda ela desabotoada – tentava de forma insistida reparar o rádio que tocava aos soluços o som dos Soul Brothers, no espaço do António Jamal até as 13. Ele queria, porque queria ouvir a emissão… mas o aparelho teimava em soluçar… O homem parecia ficar nervoso.
Nas paragens havia luta dos infernos! Nenhum santo sobrevivia…
Durante o percurso foram descendo e entrando outros passageiros. Entrou em cena uma senhora – de idade avançada – que tinha tudo para ser uma portuguesa. Trazia uma bolsa grande de pano e a agarrava como se nela estivesse sua própria vida. Parecia inexperiente nessa coisa de chapas… o cobra como alguém ousou chamar o cobrador teimava em entulhar, mais e mais. A idosa com sotaque português dizia, de forma insistida, para quem com ela trocasse olhares. "Mas ele não vê que isto está cheio"? Mas parece que ninguém lhe dava ouvidos… Denotava não ter experiência nessa coisa de chapas, mas parecia conhecer bem a má fama dos cobradores… em nenhum momento ousou afrontá-lo.
Entretanto, naquele aperta aqui, aperta acolá, eis que um braço passa por ela com objectivo de ter apoio num dos encostos… e axila do cidadão ficou praticamente no seu rosto… a idosa parecia sufocar. Naquele aperta e amassa tentava a todo custo escapar… o jovem parecia não se importar…
Estava uma sardinha… Então alguém comentou "a culpa é do Governo"… começou um debate. Saiu-se do transporte, atravessou-se a dívida até a questão da paz. Ouviu-se: "Estamos a caminhar rumo ao progresso. Com o alcance da paz duradoira vamos espreitar o desenvolvimento. A crise vai passar… (parecia-me um copy and past de um discurso que ouvira algures)", disse um jovem engravatado, com cabelo organizado e com uma pasta como se fosse a um/seu escritório. "Sabe meu filho tu não sabes o que falas. Os nossos políticos não sentem as nossas dores, não vivem as nossas aflições. Por acaso tu sabes a que horas eu acordei e quantas horas durmo? Sabes dos sacrifícios que faço para alimentar e pôr os meus filhos a estudar? Sabes quanto está cinco litros de óleo? Um quilo de farilha, um quilo…? Você pensa que eles pensam e mim, pensam nisto que estamos a passar?, questionou um senhor que parecia amargurado, perante um silêncio do jovem que, mesmo assim, parecia seguro do que dizia. Não sei como terminou a conversa… porque de repente ouviu-se em tom típico de homem autoritário. "Alguém bufaste aqui na chapa"… Disse irritado um senhor corpulento que estava inundado de suor. A juventude presente explodiu em gargalhadas… os mais crescidos continham a graça. E o homem permanecia sério e com intenções claras de encontrar o "desgraçado". Parecia um investigador à procura de um larápio… entretanto, tal como em muitos casos mais relevantes deste país… a verdade morreu solteira.