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Os rostos por detrás dos números sobre a pobreza

Os relatórios sobre a pobreza estão cheios de números que mostram que a miséria está a aumentar em Moçambique. O que esses documentos não mostram, são os rostos e as vivências pessoais por detrás desses números. Mas esta reportagem traz!

Um documento do Ministério da Economia e Finanças relata que a desigualdade social aumentou de 2015 para 2020. Usando o método Gini, explica-se que se saiu de 0,47 para 0,51. Este método diz que a desigualdade total é registada quando o índice de pobreza mostra 1 e o equilíbro quando é zero. Dito de outra forma, os ricos estão mais ricos e os pobres, mais pobres.

Por falar em pobres, falemos de Rita Amade, uma senhora de 50 anos de idade, residente nos arredores da cidade da Matola. Ela acorda todos dias com a incerteza sobre tudo.

Ainda assim, pela manhã, ela lava a louça sem saber qual vai ser a próxima vez que vai voltar a sujar. Vive uma vida que ela considera “difícil, está tudo difícil.”

Quando diz tudo, é tudo mesmo. Comecemos pela habitação: este é um assunto que a preocupa muito. Ao acordar, Rita tem de olhar para o céu para saber como será o dia e, antes de se deitar, olha de novo para saber se será uma noite de sono ou de esquivar-se da água chuva.

“Quando vejo que há nuvens, o meu coração dói porque, nessas circunstâncias, nesta casa, não se dorme, passamos a noite em pé”, anota a senhora enquanto ajeita a louça no interior da casa.

Mesmo quando não chove, Rita não sossega, nem teria como. A casa é pequena para quatro pessoas. Vivem ela, o marido, a sua filha, de 14 anos, e uma irmã.

“Partilhamos tudo. A minha irmã dorme nesta caminha, enquanto eu, o meu marido e a nossa filha dormimos na mesma cama”, revelou.

A família de Rita faz parte dos 30% da população que o Ministério da Economia e Finanças diz que vive em casas sem revestimento no piso. Já o Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF 2022) diz que Rita faz parte de cerca de 2,4 milhões de moçambicanos cujas casas têm paredes de caniço, bambu ou palmeiras.

O caso da família de Rita acaba por ser um fracasso para o seu chefe,  Pereira Sebastião, de 55 anos de idade. Pereira até perdeu a capacidade de sorrir porque a felicidade é um termo que se substituiu por preocupação no vocabulário do chefe de família.

“Trabalho, mas parece que não trabalho”.

O que parece incomodar mais é que, a partir da sua casa, observa aqueles cuja vida parece estar a andar melhor do que a dele. São

as pessoas que passam pela estrada de carro.

“Gostaria de ser como eles que passam num belo carro ou numa motorizada”, manifesta-se enquanto segura na sua cintura e observa a estrada.

Não, não é um discurso de quem tem inveja dos outros, é de quem sente na pele as desigualdades que o Ministério da Economia reconhece que só aumentaram de 2015 para 2020. “Sinto que a diferença entre mim e eles só aumenta. Quando vejo a minha idade, sinto que sou capaz de acabar assim”.

O IOF 2022 não tem dados que contrarie o nível de desigualdade. Segundo o documento, os 10% mais pobres de Moçambique são responsáveis apenas por 0,9% dos gastos do país, enquanto os 10% mais ricos consomem 43,1% da riqueza nacional.

 

TRABALHAR PARA COMER E APANHAR CHAPA

O IOF 2022 tem dados sobre com que cada um gasta o pouco que tem. Em geral, 38% da renda dos moçambicanos é gasta em alimentação e bebidas não alcoólicas. Se separarmos os números, vemos que os que vivem nas cidades gastam menos (27%) do que os que estão nas zonas rurais (49%).

Paito Sumail sabe bem do que é que estamos a falar. A vida já é, para ele, difícil, mas há o que toma a dianteira. “O mais difícil são as despesas”. É que Paito é a única fonte de renda fixa e que deve sustentar o seu irmão e sua cunhada.

“Eu gasto tudo o que ganho com rancho e quase nunca resta dinheiro de chapa. Às vezes, tenho de sair da zona de Trevo, minha casa, para Alto-Maé a pé por não ter dinheiro de transporte”.

Mesmo assim, não há garantias de uma alimentação constante. Por exemplo, sobre a última refeição, “foi ontem às 10h e não sei a que horas vamos comer hoje”, revela.

É uma incerteza de todos os dias. A única coisa que garante é que sempre há pelo menos uma refeição. Isso quer dizer que faz parte do grupo dos 11,7% dos cidadãos que têm apenas uma refeição por dia, contra 0,9 por cento que não têm nenhuma, 57,5 que têm duas e 30,1% com três ou mais, ou seja, apenas cerca de nove milhões de moçambicanos têm três refeições, isso de acordo com o IOF de 2022.

Ainda assim, a crença na educação acaba por ser um único sinal de luz no fundo do túnel. Silvinho, por exemplo, procura não fazer parte dos actuais 38,3% dos moçambicanos analfabetos e começa a exercitar mesmo que não tenha chegado à sua idade escolar.

Para todos os efeitos, o Ministério da Economia e Finanças não olha para estes problemas com agrado. Por isso, desenhou a proposta de Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2024-2043. São, no total, 13 metas. Mas destacamos quatro, que respondem aos problemas apresentados nesta reportagem: (i) reduzir a taxa de analfabetismo de 38,3% para 19,3%; (ii) reduzir a proporção da população que vive abaixo da linha de pobreza nacional de 68,2% para 27,9%; (iii) reduzir o índice de desigualdade de cinco para três e (iv) melhorar a capacidade de previsão e resposta a eventos extremos (cheias, secas, etc.) de cinco para dois dias.
É possível chegar em 20 anos? As respostas virão sempre do tempo.

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