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Morte na Índia

Por: Belchior Eduardo

 

Nas ruas ávidas de total paz e silêncio, caminham os habitantes que dela desfrutam. Apenas ouvem-se pássaros e meninos que sobrevoam e saltitam inconsequentemente.

Os escombros de uma presença colonial são visíveis na zona. Importadas de Goa, cobrem-na esculturas ao estilo de abóbadas herdadas da Roma Antiga, edifícios erguidos por pedras e, por um lado, paradoxalmente, por palhas de coqueiro. Localidade atravessada por uma majestosa ponte, avenidas, ruas e picadas pavimentadas, são heranças resultantes do título da primeira capital daquele longínquo país, coberto por águas azuis.

Índia foi o nome que baptizaram a zona devido à presença de uma senhora de ancestralidade da Índia e na qual fornecia diversos alimentos com a sua mercearia para quem ali vivesse e para quem por lá passasse. De altura média, agora na terceira idade, a fala testificava também essa ancestralidade. Amava demais seu único filho, muito protectora na qual dava tudo que quisesse desde a tenra idade.

Habib, seu filho de trinta e tal anos de idade, ainda morando com a sua mãe viúva, a dona Índia (aquela nata comerciante), bebedouro alcoólico, famigerado mulherengo muito conhecido como o mulato delas, com o ensino básico geral não concluído, não há quem não o conhecia. Também conversador, simpático, heeeeee aquele movimentava a zona. Gostava de lograr seus intentos através da sua mãe, no qual apoiava desde para coisas tóxicas até para coisas sérias (apesar de falhadas inúmeras vezes). Dono de tudo da sua mãe (como ele pensava), sem tempo para ficar na mercearia ajudando sua mãe, ahhhh aquele era muito curtidor mesmo. De cor meio branca,  altura para modelo, sempre muito bem vestido, com aquelas roupas de muenwe,  olhos azuis e com penteado sempre no ponto.

Eu, vizinho da dona Índia, reformado da polícia, de estatura média alta, pele negra e cabelos invadidos pela idade. Sentado, gastando meu tempo de reforma na minha cadeira à moda antiga, passando o ar todo santo dia defronte a essa magnífica mercearia via todo movimento dali.

Jossias, um amigo incondicional de Habib, negro farto pelas viadas nocturnas, achado a gostosão, sempre asseado à estilo de funcionário da banca,  a um jovem talvez endilheirado (apesar de não se saber a proveniência do dinheiro), revelou-me nos seus unguentos alcoólicos que Habib gostará de manter o controlo, pois a sua mãe já se encontra velhinha e devia “reformar” das suas actividades, e eu, apoiando-me no dito popular, que boca aberta não entra mosca, apenas calei-me e também não notei relevância daquilo devido ao estado do mesmo.

– Bom dia, dona Índia, como está?

– Bom dhia, senholi vizinho, como está?

– Estou bem, graças a Deus.

– Obligado.

E de longe, uma discussão no interior da mercearia:

– Porque não ficale aqui ajudal sua mãma velha a vender pessoas?

– Eid ajudar, mãe, vou tratar umas boladas com o Jossias.

– Você sempre dizer assim, mas não ajuda mãma, quando vir pedir dinheiro não vou te dari.

– Ahhh, mãe, não me chateia você, eu disse que voltarei e estarei aí a te ajudar. Também você já está velha porque não deixa isso para mim? Pedes ajuda, mas ficas aí a me controlar tipo sou ladrão. É isso que não gosto, se estou ajudar-te tens que ir descansar e não ficar aí a me controlar.

Saiu batendo forte com a porta no seu tabuleiro e foi-se. Um dia, decerto, aquele jovem trará problemas sérios à sua pobre mãe.

Os dias foram correndo como de um redemoinho se tratasse. Vinha a chuva seca e parava assim sucessivamente.

– O que se passa aqui? Perguntei-me, pois via um fluxo de carros e jovens alcoolizados neles com mulheres diversas todas semi-nuas.

– Habib, estás a criar barulho à vizinhança. Disse eu.

– Relaxa, cota, a vida é única. Tens que curtir. Falou Habib dando mais um gole daquela cerveja nacional e batendo na bunda de uma das mulheres ao seu lado.

De repente, saía sua mãe com vestes de dormir a reclamar o mesmo que eu.

– Descele daí você Habib, está fazele balulho a todas essas pessoas, Habib você um dia vai me matale. Se seu pai não mollia ia te indileitale bem.

– Mãe, vai dormir. Estou a curtir a vida. O que se passa mesmo? eu sou maior de idade e sei o que faço, disse Habib.

– Relaxa querida, minha mãe é assim. Estás a ver, tudo isso é meu, estás a ver só? Cochichou, Habib, para uma das moças que estava com eles assistindo sua mãe a entrar.

– Meu amigo, já são três da madrugada. Eu vou com duas e você fica com duas, o que achas? Perguntou Jossias.

– Ya, pode ser! Por hoje chega, mas ando muito fudido com essa cota. Ela olha-me como se eu fosse uma criança e isto farta-me, respondeu Habib.

– Então até amanhã, às 11, naquela esquina, mas trata dessa cota de uma vez por todas, você não é puto. Despediu-se Jossias em viva voz.

Eu e outros moradores entramos em nossos aposentos para nos recolhermos.

No dia seguinte, uma voz de ébano nos despertou.

– Mayeee, mayeee patarao aka owokhotiwa, murwasse, murwassen (ai, ai minha patroa foi assassinada, venham, venham).

De quem são esses gritos logo pela manhã? Perguntei a mim mesmo.

Saí as correrias quase que descamisado em direcção a voz e os murmúrios de vozes assombradas de algum sucedido.

– O que se passa? O que aconteceu?

– A dona Índia faleceu. Respondeu alguém.

– Faleceu como!? De madrugada estávamos cá com o seu filho e seus amigos como é possível? Perguntei admirado.

– Foi assassinada, estrangulada o pescoço e deixada no chão da sua mercearia. Uma voz respondeu na multidão.

– Onde está o Habib, perguntei.

– Está a dormir ainda. Respondeu o seu empregado no qual descobriu o corpo a dentro.

Eu e dois jovens fomos em direcção ao quarto do Habib e encontramo-lo inconsciente devido à ingestão de bebidas alcoólicas, porém sem as duas moças que todos presenciamos a entrada delas no quarto na última madrugada junto.

– Habib, Habib acorda, não estás a ouvir o barulho? Acordei-o

– O que se passa? Perguntou ele

– Sua mãe faleceu, assassinada. Retorqui.

– Onde ela está? Perguntou Habib.

– Na mercearia. Disse-lhe.

Vendo o corpo estrangulado, e, de repente, ouvindo gritos de choros, lágrimas por todo lado apoiado num travesseiro que ela usava em sua cadeira antiga para afagar as suas dores de coluna vertebral, lamentava-se Habib pela morte da sua mãe.

– Desculpa, mãe, desculpa por não ser o filho que desejavas que eu fosse. Desculpa, mãe. Dizia ele, lamentando-se diante do corpo, colocado em suas pernas.

– Vamos chamar a polícia, vou ligar à polícia. Disse eu.

E assim, fizemos.

Quem poderá ter assassinado a dona India? Habib, para definitivamente herdar a mercearia, a casa e outras propriedades da sua malograda mãe? Jossias, que via a mãe do seu amigo como um entrave nas suas andanças? As duas supostas companheiras de Habib, na última noite talvez para um assalto ou algo do género? Um cliente insatisfeito (apesar de não existência de um sinal de arrombamento da porta)? Quem poderia cometer tamanha barbaridade a uma velha viúva simpática e que ajudava todos? Foram perguntas que todos ao redor se faziam.

 

Continua …

 

 

 

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