Nampula produziu cerca de 794 mil toneladas de milho na época agrícola 2021–2022, entretanto as moageiras que processam milho estão paralisadas, na sua maioria, por falta de matéria-prima. Há crise de farinha na cidade de Nampula, onde o saco de 25 kg saiu de MZN 850 para MZN 2000, numa província onde a farinha de milho é a base da dieta alimentar da maioria da população, estimada em mais de seis milhões.
Ainda era período da manhã, mas as máquinas estavam desligadas. É uma dimensão média moageira que fica próximo do controlo policial, ao longo da Estrada Nacional n.°13, da cidade de Nampula a Rapale.
O nome não interessa. O que releva é que há um mês que não produz farinha de milho e 12 trabalhadores foram forçados a ficar em casa. Os custos fixos, esses, são inevitáveis. Só de ter um posto de transformação de energia no quintal já tem uma taxa fixa de energia estimada em 60 mil Meticais por mês, mesmo sem qualquer consumo – é assim a regra da empresa pública de distribuição de electricidade em Moçambique.
“Está parado por causa do milho. Não tem milho”, vocifera Muhite Aly, empresário indiano dono da moageira em alusão. O seu português é pouco perceptível, mas, perante a nossa pergunta sobre os motivos da paralisação, a resposta é dada com recurso à matemática: “o preço por quilo é de 34 a 35 Meticais, por isso não conseguimos comprar. Pronto, paramos de produzir! O preço normal tem sido de 16 a 18 Meticais”.
A nossa ronda é pelas moageiras situadas na cintura da cidade. No bairro de Natikire, encontramos mais uma de média a grande dimensão, paralisada há um mês. O problema é o mesmo, o que muda são os personagens e o tom de voz de lamentação.
“Tínhamos [fornecedores] que nos traziam milho e comprávamos com eles. Traziam de Lichinga e de outros pontos do país. Tempo depois alegam levar o milho para o Malawi e para outros pontos, fora do país e aí a situação começou a ficar complicada”, lamenta Messias Zacarias, chefe de manutenção de máquinas na moageira, cujos proprietários são tanzanianos.
Há muito que existe essa suspeita de açambarcamento de produtos agrícolas produzidos no país por parte de comerciantes malawianos, que armazenam e voltam a colocar os mesmos produtos em Moçambique, no tempo de escassez, a um preço mais elevado.
Abdul Cauio é um jovem engenheiro persistente no agronegócio em Nampula. Começou de forma titubeante com outros sócios; montaram uma moageira na zona de expansão da cidade de Nampula que a cada ano vai aumentando de capacidade e até produzem farinha fortificada. Já passam 12 anos, mas, no lugar de ver a vida empresarial florir, continua a debater-se com os problemas de sempre: a crise de milho nos primeiros três meses de cada ano, em que, por causa da chuva, o milho da Zambézia e de Niassa não chega com facilidade às moageiras de Nampula por conta das vias de acesso.
Todavia, o “fenómeno Malawi” é a principal ameaça neste momento. “Se for à zona transfronteiriça, Mandimba, Milange, em Junho e Julho, há-de ver uma azáfama muito grande de malawianos que entram no país e compram milho. Eles compram e fazem stock nos seus armazéns. Sabem que temos milho, mas, a partir de Outubro/Novembro, quando começa a chover, já não há milho e inundam o nosso mercado com esse milho”.
É o mesmo argumento apresentado pelo secretário de Estado da província de Nampula na manhã desta terça-feira, quando decidiu sair do gabinete para perceber a gravidade do problema nalgumas moageiras.
“Só em Nampula, das estatísticas que existem, saíram cerca de 150 mil toneladas. Se a província precisa de 250 mil toneladas para poder sustentar a produção das indústrias moageiras e abastecer farinha de milho ao preço a que estamos habituados, então, esta saída de 150 mil criou este problema. Neste momento, Quénia está a comprar muito milho de Moçambique”, justifica Jaime Neto.
Com uma procura maior que a oferta, a farinha de milho está a registar uma subida jamais vista em Nampula. Um saco de 25 kg que era comercializado ao consumidor final a 850 Meticais; o máximo, agora, chega a 2250 Meticais nos mercados informais na periferia da cidade onde há grande procura.
Nos supermercados da cidade, encontra-se a mesma unidade de 1350 a 1500 Meticais.
Para a população, é um sufoco às contas do orçamento familiar, tal como desabafou à nossa reportagem Júlio Manuel, que o encontrámos no movimento das contas, no meio à lamúria do preço: “a comida mais sofisticada para nós é farinha. Assim, não sei o que hei-de fazer”.
A mesma dúvida tem o secretário de Estado. Neto não tem milagres perante um problema estruturante. A única medida possível passa pelo controlo das fronteiras para não deixar exportar-se o milho antes de satisfazer as necessidades da indústria nacional. O mesmo que se faz com a castanha de caju, no âmbito da política de protecção da indústria nacional.
E no calor da crise, há questões que fazem ressuscitar velhos debates. Os dados da Agricultura a que tivemos acesso indicam que a província de Nampula produziu 793 691 toneladas na época agrícola 2021–2022. Uma vez que o preço do milho está liberalizado, o produtor e o comprador é que fixam o preço, sendo que se os países vizinhos apresentarem preços mais altos, naturalmente que os agricultores tenderão a ir atrás do melhor preço.
Por outro lado, os silos agrícolas em Malema instalados para a conservação de cereais nunca funcionaram para os fins para os quais foram criados.