A empresa responsável pela central de betão ainda não tem a licença ambiental da parcela onde a infra-estrutura está a ser erguida, nem sequer sabe se já foi emitida pelo Ministério da Terra e Ambiente. Por isso, os moradores entendem que a obra é ilegal e não deve prosseguir. E dizem mais: a instalação da fábrica no meio de casas poderá ter impactos negativos para a saúde e o ambiente.
A providência cautelar para o embargo das obras de construção da central de betão numa zona residencial, no bairro Costa do Sol, esteve, esta quinta-feira, em debate na nona secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.
O advogado dos moradores foi o primeiro a apresentar os seus argumentos para sustentar o seu pedido de embargo da obra, começando por questionar a legalidade da central de betão.
“Meritíssima, é estranho o facto de o Conselho Municipal de Maputo, depois de ouvir a reclamação dos moradores, mandar suspender as obras e depois autorizar. O mesmo aconteceu com o Ministério Público, que embargou as obras e depois levantou o embargo. O que se recomendou à empresa foi que fizesse, apenas, a alteração dos documentos e, no meio disso, há documentação que, simplesmente, aparece e não se sabe de onde.
Suspeitamos que haja fortes indícios de corrupção”, disse Gildo Espada.
Tudo isso, continua a defesa dos moradores, não implicou a interrupção dos trabalhos de construção da central de betão.
“Meritíssima, primeiro, as obras iniciaram-se sem o devido licenciamento. A licença ambiental, por exemplo, apareceu no mês de Agosto, o DUAT e a licença de construção apareceram em Dezembro do ano passado. As obras, Meritíssima, arrancaram nos meses de Janeiro e Fevereiro. E mais: os documentos que aqui são referenciados nem são da parcela sobre a qual a central de betão está a ser construída. Os documentos em causa são da parcela 660D e a fábrica está a ser construída na 660A”, argumentou o advogado.
Para o caso da licença ambiental, contra-argumenta o mandatário da empresa, o erro já está a ser corrigido pelo Ministério da Terra e Ambiente. A correção custou 60 mil Meticais, pagos no dia 12 deste mês.
“Ainda não temos a licença corrigida. Neste momento, não sei se ela já foi emitida pelo Ministério da Terra e Ambiente, mas já foram feitos os devidos pagamentos. Se o Tribunal achar que é um elemento imprescindível para melhor decisão, podemos, em 48 horas ou menos, fazer chegar o documento. Primeiro, teria de confirmar se já existe ou não”, disse Julião Massingue, advogado da central de betão.
Este facto sobe, ainda mais, a tónica de haver indícios de corrupção neste processo.
“A empresa não tem a licença ambiental, que precede quaisquer outras licenças. Há sinais de que algo não está bem aqui. Não há, nos autos, um estudo de impacto ambiental que diz que não haverá problemas de saúde. Um estudo isento e no lugar certo. Há sinais de corrupção ao mais alto nível”, disse Gildo Espada.
A inexistência de uma licença ambiental corrigida não significa, segundo a empresa, que a construção da central de betão seja ilegal.
“Independentemente das falhas, a licença existe. Não se pediu nova licença, mas sim a correcção da que já existe. Pelo que entendemos que há autorização por parte das instituições competentes para a construção da central de betão. Por isso, o tribunal deve chumbar o pedido dos queixosos”, disse Julião Massingue.
Se a questão de fundo apresentada pelos moradores for o embargo da obra, o mandatário da empresa da central de betão entende que ela deve ser discutida a nível do Tribunal Administrativo e não Judicial da Cidade de Maputo.
“Os queixosos deviam tratar deste processo no Tribunal Administrativo e não no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, porque ela não tem competência para discutir o assunto. Há, também, contradição entre o pedido e as razões. Exigem a suspensão das obras, mas não são claros sobre o que justificaria a suspensão. Argumentam que viola a lei do ambiente, mas não explicam como isso acontece. Se o problema é a poluição, como é que justificam com ilegalidade dos documentos?”, questionou Julião Massingue.
A defesa dos moradores rebate o argumento do advogado da empresa:
“O caso iria ao Tribunal Administrativo se a empresa que está a construir a central de betão fosse uma concessionária. Pelo que pode e deve ser julgado por este Tribunal Judicial. O que os moradores reclamam não é uma questão de ilegalidade, Meritíssima. É a poluição, são as poeiras que esta fábrica provoca, barulho das máquinas até altas horas, circulação de camiões de grande tonelagem que degrada a via. Isto provoca graves problemas de saúde a curto, médio e longo prazo. E o contrato da central é de 10 anos. É muito tempo Meritíssima. Com ou sem a licença, os problemas ambientais e de saúde existem. Ter a licença não lhe dá o direito de pôr em causa a vida das pessoas”.
Ainda que este seja o problema, a defesa da empresa entende que a solução não passa por encerrar a fábrica.
“Será que encerrar a central de betão é a única saída para este problema de poluição? Pensamos que não. A solução não é encerrar, mas intimar a empresa a abster-se de tais actos que poluem o ambiente. A empresa está disposta a reunir-se com os lesados para encontrar uma solução. Se o problema for a instalação da fábrica, será difícil ultrapassá-lo”, Julião Massingue.
Só que, para os moradores, não há margem para negociação.
“As pessoas estão traumatizadas com a presença da central de betão ali. Se esta poluição está a decorrer antes de a fábrica entrar em funcionamento, depois disso, será pior. O problema, Meritíssima, é a central de betão. Ela tem de sair. A lei é clara. Este empreendimento tem de estar a seis quilómetros das casas”, disse Gildo Espada.
Na audiência de produção de provas para a providência cautelar da central de betão, foram arroladas testemunhas quer por parte da empresa, quer dos queixosos. De cada lado, foram ouvidas três testemunhas.
As testemunhas trazidas pela empresa vivem a menos de 900 metros da central de betão e não vêem problemas com a instalação da fábrica.
“Não há nenhuma poeira que chegue às casas. A poeira que existe é já de há muito tempo, por conta da nossa estrada, que é terra batida. Quando não chove, a terra fica muito seca e, quando passam carros, levantam poeira. Nos dias de chuva, a estrada fica pior. Isso não é causado pela fábrica de betão. Pelo contrário. Eles têm ajudado a estancar a poeira através de um carro que passa para irrigar a estrada e colocam pedrinhas para tapar buracos”, disse uma testemunha.
As testemunhas a favor da empresa desconhecem, também, algum barulho anormal provocado pela fábrica de betão.
“O barulho que se ouve é o normal de um local onde há trabalho, e isto acontece no período normal. Isto é, das 07h às 18 horas, no máximo. Fora estes horários, nunca ouvimos barulho. Os camiões que por aqui circulam não são só da central de betão, mas há outros. Entretanto, sobre a instalação da fábrica, nunca fomos ouvidos. Mas nós estamos a favor da central de betão, porque é fonte de emprego para os jovens do bairro”, defendeu uma testemunha.
Já as testemunhas do lado dos que contestam a obra descreveram ao Tribunal os constrangimentos pelos quais têm passado desde o início da construção da central de betão.
“Passam por aqui muitos camiões que degradam a via. Naquela fábrica, fazem trabalhos até altas horas, isto é, 22 horas. É normal a partir das 04 horas começarem os trabalhos. A empresa faz muito barulho com as suas operações. É um barulho com o qual ninguém consegue dormir. Há poeiras, águas fecais, resíduos sanitários, restos de betão e águas da limpeza de camiões de betão, e está a entupir as nossas valas de drenagem. As actividades da central de betão estão a afectar a produção agrícola, porque as poeiras vão parar nas hortícolas e a água para a irrigação está contaminada”, queixou uma testemunha.
Aquando da instalação da fábrica no local, os queixosos dizem que não foram consultados.
“Quando a empresa começou com os trabalhos, ninguém sabia dizer o que se passava. Não tinha sequer uma placa que dava a indicação do tipo de empreendimento que estava a ser construído. Mais tarde, apareceu uma placa com a licença e foi quando ficámos a saber que se tratava de uma fábrica de betão industrial. Não fomos consultados. Dizem que betão não é para venda, mas para a construção de outros prédios. Entretanto, já tivemos muitos prédios construídos aqui, na cidade, e não precisaram de uma central de betão daquela dimensão”.
São, todos esses, argumentos apresentados ao Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, que poderá decidir a favor ou contra o embargo da obra de construção da central de betão, no bairro Costa do Sol.