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Vítimas das inundações queixam-se de falta de alimentação nos centros de acolhimento

Cerca de 172 famílias vítimas das inundações urbanas queixam-se de falta de assistência alimentar nos centros de acolhimento. O INDG local reconhece o problema e garante que ainda este mês poderão ser alocados alguns produtos alimentares.

Um bairro inteiro inundado. Magoanine “A”, Cidade de Maputo. O primeiro personagem desta reportagem é uma senhora de 52 anos de idade, em cujo rosto se lê dupla tristeza.

Foi desalojada da sua casa pelas inundações em Abril do ano passado e, já no centro de acolhimento, perdeu o seu marido para a morte. 

“Nós saímos das águas de mãos a abanar. Tínhamos apenas esteira e manta. Todos os meus bens ficaram na água, até agora que estou a falar, e vim para o centro. O meu marido tinha ficado lá. No centro, pedi socorro ao INGD e foi resgatá-lo, estando doente. Acabou por falecer no centro”, contou a vítima das inundações urbanas, no bairro de Magoanine “A”, na Cidade de Maputo. 

O seu marido faleceu, deixando-a no centro de acolhimento aberto na Escola Graça Machel, onde, por estes dias, falta um pouco de tudo.

“Não nos alimentamos. Não há comida, não há lenha, não há nada. Estamos a sofrer. Na nossa casa, apanhávamos garrafas pet, juntamente com o meu marido, e vendíamos. Assim, conseguíamos comprar arroz. É assim como vivíamos, porque ele também não trabalhava. Agora, já não sei onde podemos apanhar, porque está tudo cheio de água”, explicou. 

A alimentação neste centro de acolhimento passou a ser da inteira responsabilidade das vítimas das inundações. Claro, as que puderam ir atrás e conseguir alguma coisa. 

“Estamos a pedir ajuda com alimentação. A comida é necessária. Veja, estamos sentados e não trabalhamos. Eu procuro garrafas para poder vender e também cultivar. Quando cultivo na “machamba” de alguém, recebo alguma coisa e, juntando com o dinheiro das garrafas, dá para comprar alguma coisa”, lançou o pedido de ajuda, Felismina Nuvunga, também vítima das inundações. 

No centro de acolhimento “Graça Machel”, estão cerca de 100 famílias vítimas das inundações. 

Todas elas dormem num pavilhão, com algumas chapas de cobertura furadas. A divisão dos compartimentos é em idade e género.

Isto é desconfortável para estas famílias que, neste momento, só querem voltar às suas casas localizadas defronte do centro de acolhimento.

“Estamos cansados de estar aqui, na escola. Pedimos as nossas casas. Queremos as nossas casas. Pedimos as nossas casas, que estão a desaparecer com a água”, disse Mariana Cossa, num tom de resignação.

E Victória Nuvunga acrescenta: “Pedimos que nos façam uma bacia (de retenção de água) para podermos voltar. Eu não consigo construir de novo. Portanto, pedimos que sintam compaixão de nós”.

Ainda no bairro de Magoanine “A”, há cerca de 71 famílias no centro juvenil de Kamubukwana. 

No centro juvenil, a alimentação é, também, um problema para as vítimas das inundações. 

“No início, a assistência foi boa e, de Outubro para cá, não temos recebido comida. Só recebemos arroz no dia 26, em número de quatro sacos e óleo. Até hoje, ainda não recebemos nada. Cada um é por si e Deus por todos. Carril é pior. Não temos açúcar nem óleo”, detalhou Iveth de Jesus.  

Mesmo no meio destas dificuldades, elas sorriem ao apresentar possíveis saídas. “Às vezes, aparece uma família a querer ajudar-nos. Porque alguns de nós não trabalham”, referiu Ana Flora, vítima das inundações, no centro juvenil. 

Mas antes de estarem no centro de acolhimento, como é que parte dessas famílias sobreviviam?

Florêncio Chiluvane, de 71 anos de idade, contava com a ajuda dos filhos. 

“Antes de vir ao centro, eu tinha os meus filhos. Eles ajudavam. Um está na África do Sul e o outro está no centro de acolhimento. Fiquei sozinho. Ninguém está a ajudar-me”, referiu Florêncio Chiluvane, vítima das inundações.

É um Polícia reformado, mas não recebe o dinheiro da reforma por, segundo ele, ter falsificado um documento. “Não recebo reforma porque falsifiquei a guia de marcha. Fui preso, mas depois saí”, justificou.  

De acordo com as próprias vítimas das inundações urbanas, nunca houve uma orientação para que ficassem de braços cruzados e mão estendida à espera só do apoio do INDG.

“Disseram que aquele que trabalha, que continue a trabalhar, fazendo aquilo que estava a fazer. Não era para parar, mas o INGD disse que, ao conseguir alguma coisa nos daria”, revelou Helena Daniel.

Neste centro, além de todos dormirem separados, as casas de banho são praticamente inexistentes.

O comité do Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastre em Magoanine “A” reconhece haver falta de alguns alimentos e explica porquê.

“Nós sabemos que a época das chuvas é de Outubro a Março. Então, nesse tempo, o centro é abastecido com carril e as demais coisas. A partir de Março, os centros são desactivados, mas uma vez que Magoanine tem água há mais de três anos, as pessoas ainda não foram tiradas daqui. É por isso que existe dificuldade de carril”, justificou Sérgio Telé, membro do Comitê local do INGD. 

Por isso, o INGD deve continuar a garantir a assistência a estas pessoas, mas, segundo Sérgio Teló, não devia ser assim.

“Dentro do centro, as pessoas trabalham, só que, muitas vezes, se torna aquela coisa de, já que o Governo está a dar, vamos esperar tudo, o que não é bom. Quem trabalha devia, pelo menos, saber comprar a sua comida. O INGD na Cidade de Maputo não nega. Dá-nos sempre arroz, sal e óleo”, afirmou Sérgio Teló. 

Entretanto, o INDG na Cidade de Maputo prometeu retomar a assistência alimentar, nos moldes que vinha fazendo.

“Ficou acordado que, a partir de agora, nós devemos ter alimentação como vínhamos tendo. Carril, óleo, feijão e demais coisas. Isso devia ser a partir de 1 de  Janeiro, mas, já que houve aquele problema de destruição do armazém, ficámos desfalcados. Tivemos, também, o problema do ciclone Chido, que forçou o desvio de uma parte da comida para lá. Mas, por estes dias, recebi garantias de que teremos um camião de comida”, assegurou Sérgio Teló.   

No bairro de Magoanine, há mais de três mil famílias afectadas por inundações urbanas.

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