As mulheres têm, em todas as situações, mais causas de sofrimento do que o homem, e padecem mais do que ele.
Honoré de Balzac
O novo livro de Dany Wambire é uma proposta para o leitor viajar pela realidade moçambicana. À imagem do seu primeiro livro, este A mulher sobressalente é feito de circunstâncias próximas às peripécias dessas Munhavas abundantes no país. Este é um livro constituído por 10 contos, nos quais o universo suburbano é um espaço com muito por ser explorado. Desde “O linchamento dos dólares” a “O filho do camponês”, de “O bêbado corrigível” ao “Conselheiro da enfermeira”, esta colectâna encerra nas suas histórias o empenho do autor fazer da escrita um recurso didático. Talvez, por ser professor, Wambire apresenta, de forma recorrente, narrativas com esse teor paternal, pronto a contar na mesma proporção que veicula valores essenciais para boa conduta.
Em todo o caso, dos 10 contos existentes no quarto livro de Wambire interessam-nos três. O primeiro é a “A mulher sobressalente” (que intitula o livro), provavelmente, o melhor do livro. Nesta narrativa, o escritor dá voz a uma narradora autodiegética, o que pressupõe ser protagonista. Confessamos que não somos apreciadores deste tipo de narradores. No entanto, neste caso, a narração acontece tão bem na primeira pessoa que as dores da personagem tornam-se quase tangíveis. Esta é uma história de uma rapariga do campo que é arrancada da cidade para onde fora morar enquanto a menstruação não descia de modo a assumir a responsabilidade de saldar as dívidas do pai e salvar o casamento da irmã. Por isso, Quinita, A mulher sobressalente, é obrigada a deitar-se com o cunhado – com a anuência da irmã mais velha – para gerar um varão. Depois de nascer, o bebé é arrancado dos braços da mãe, afinal…: “ – Este bebé fica aqui. Pertence agora à tua irmã. Tu fizeste-o para ela. Assim salvaste-lhe o casamento, pois ela só fazia meninas” (p. 45). Diante da indignação de Quinita, o pai responde, autoritário: “ – Isso é tradição e pronto. Vamos para casa”. E a rapariga obedece.
No conto A mulher sobressalente, a tradição é uma prisão, que usa, humilha, subalterniza e desgraça a protagonista da história. E, a própria irmã de Quinita, embora se beneficie da tradição, por ter o lar garantido depois de o marido conseguir o almejado filho, também é vítima desse conjunto de valores machistas sempre a favorecerem os homens na história.
Os valores tradicionais voltam a subalternizar uma personagem no conto “Casal de Brincadeira”. Nesta história, a certa altura, o narrador relata: “Tina tinha 4 anos de idade, mas já tinha aprendido da mãe a cuidar do cabelo, a lavar a loiça, a limpar o chão e a tomar banho para gingar. A ser submissa também. Motivo que fizera com que Dinhito a elegesse como esposa de brincadeira” (p. 73).
À imagem de “A mulher sobressalente”, em “Casal de Brincadeira” há uma educação baseada numa tradição que algema as mulheres, fazendo delas utensílios domésticos, usados enquanto não quebram. Ao investir neste tipo de histórias, Dany Wambire é cruel como se sugere. Vai à origem dos problemas e coloca-nos na pele das personagens para nos apropriarmos das suas dores.
Na terceira história que nos chama atenção, “A bolsa diz tudo”, temos um facto curioso. Ginho, o protagonista, ao ganhar uma bolsa de estudos para Europa, informa ao pai. Antes de autorizar a viagem do filho, pede-lhe que arranje, primeiro, uma nora. Essa é a garantia de que o velho necessita para acreditar no regresso do filho. A felicidade da tal nora, condenada a enfrentar anos sem o marido, nunca é pensada. Mais tarde, cumprido o desejo do pai, Ginho vai cursar Economia na Europa, onde engravida Vânia, uma brasileira lá a doutorar-se em Antropologia. A paixão por Ginho foi intensa. Por isso, a brasileira preferiu viver em Moçambique. Para sua infelicidade, perde o marido e logo de seguida é obrigada a cumprir o ritual de viúva, deitando-se com o cunhado mais novo, mesmo contra a sua vontade.
De facto, “as mulheres têm, em todas as situações, mais causas de sofrimento do que o homem, e padecem mais do que ele”. Honoré de Balzac oferece-nos esta frase em Eugénie Grandet. Dany Wambire, neste A mulher sobressalente, lembra-nos isso, com aquele vigor de quem é contra… Por ter sido educado por uma grande mulher? Isso pouco importa.
Título: A mulher sobressalente
Autor: Dany Wambire
Editora: Fundza
Classificação: 14