A luz do Sol, vinda de um céu azul límpido, reluzia. O frio, afoito, exercia o seu domínio sobre a cidade. Era manhã de um domingo de Janeiro. No penúltimo degrau que dava acesso à varanda da igreja, sentado, um homem de cabelo branco fazia anotações num maço de papéis. De vez em quando parava para pedir uma moedinha a quem ali passasse.
No interior da igreja, estão todos de pé. Um senhor rechonchudo, envergando um fato cinzento, de costas para o altar, esbraceja enquanto a boca se abre e fecha ciclicamente. Encara as pessoas que estão sentadas nos bancos perfilados na nave e os convida a fazer aquele abrir e fechar de boca. O maestro canta, ao ritmo do piano, uma melodia alegre. De repente quatro homens de túnica branca aparecem no presbitério. Um, o mais velho deles, beija o altar e, em seguida, ajusta o micro. Faz o sinal da cruz enquanto fala.
– A graça de nosso senhor Jesus Cristo, o amor do pai e a comunhão do espírito santo esteja convosco – continua a sua fala, sem perder a eloquência.
O maestro reassume o protagonismo e canta com todo o seu corpo «Senhor, tende piedade de nós…». Todos continuam de pé. O homem, que há instantes pedinchava no exterior da igreja, entra e senta-se numa das entradas, fechada, que se encontra próxima ao presbitério. Traz óculos escuros a tamparem-lhe os olhos e uma mochila castanha a lhe pesar as costas. Os crentes olham-lhe por alguns instantes, sem deixar de cantar, e depois de alguns segundos se esquecem da sua presença.
A cantoria acaba, o velho de túnica branca faz uma oração. Depois de dizerem em coro um «amém» todos se sentam. Um jovem dirige-se ao ambão e faz, com solenidade, uma leitura a qual todos respondem com um «graças a Deus» no fim.
O maestro substituiu o jovem no ambão. Empurrou o micro para o lado, confiando na potência da sua voz. A cantoria começou de novo: «Que o Senhor abençoe, com a paz, o seu povo! Filhos de Deus, tributai ao Senhor, tributai-lhe a glória e o poder…». A cantoria não agrada ao pedinte. Lembra-se que tem mais que fazer e levanta-se imediatamente. Vira as costas ao altar e sai da igreja.
A missa vai já quase ao meio e nada do pedinte. «Bendito o que vem, em nome do Senhor. Hossana…», canta bem afinado o nosso maestro. O velho de túnica branca abre os braços e faz alguma oração. Todos ficam de joelhos. A igreja fica mergulhada numa paz momentânea. Já sem os óculos, o pedinte entra e senta-se no mesmo lugar onde tinha-se sentado na primeira vez.
Depois de muitas orações, todos fazem uma fila e o velho de túnica branca distribui a comunhão. O pedinte faz-se à fila. Tem um ar entristecido. «Corpo de cristo», anuncia o velho de túnica branca. O pedinte olha a partícula branca suspensa nas mãos do anunciante como se quisesse confirmar. Responde «amém». Recebe-a nas mãos. Mete-a na boca enquanto se retira da fila. O velho da túnica branca olha-o e meneia a cabeça.
Estão todos de pé de novo, com excepção do pedinte. O velho de túnica branca anuncia o fim da missa e dá a bênção final:
-Ide em paz que o Senhor vos acompanhe.
– Graças a Deus– respondem todos em uníssono.
Minutos depois não se vê vivalma na igreja. As imagens dos apóstolos, as esculturas de Nossa Senhora e Jesus Cristo velam a igreja submersa no abandono.
–O padre disse-me que viesse ter com o senhor para que me dê a esmola– anuncia o pedinte a um dos acólitos que está na porta da sacristia.
-É sempre o mesmo. – responde o acólito com um ar sério – A missa rezada às metades, nem? Se continuar assim a esmola será também às metades.
– Nem brinca, meu senhor! Neste mês as pessoas não dão quase nada, nem parece que receberam a dobrar em Dezembro – confessa o pedinte com um ar triste
No fundo da sacristia outro acólito prepara os utensílios para a próxima missa. Enche as galhetas de vinho e água. Enquanto abre o saquinho de hóstias, ouve o pedinte a dizer, com risadas:
– Dá-me duas dessas – referindo-se às hóstias.
– Então? Isto é a padaria? Espera-me lá fora que já te dou a esmola – diz o acólito responsável pela esmola com tom ríspido e semblante enrubescido.