A insuficiência de aviões é que está por trás de atrasos e cancelamentos de voos das Linhas Aéreas de Moçambique. É que a companhia só está a operar com cinco aeronaves alugadas. O “O País Económico” sabe, também, que o avião de carga introduzido em Março deste ano nunca descolou e que a LAM está a pagar 93 mil dólares de aluguer por mês por um aparelho que não está a usar.
De quase todos os lados, ecoam vozes de passageiros que se queixam dos serviços das Linhas Aéreas de Moçambique, a companhia de bandeira.
Um mar de reclamações inunda as redes sociais quase todos os dias.
E a pergunta que todos se fazem: o que se passa com a empresa Linhas Aéreas de Moçambique?
A mais recente vítima dos contratempos das Linhas Aéreas de Moçambique foi uma jovem de 25 anos de idade que, em anonimato, desabafa.
“O nosso voo estava previsto para as 17h30, do dia 17 de Agosto. Até às 16h, todos os passageiros já estavam no aeroporto, fizemos o ‘check in’ e entregámos a nossa bagagem e, até aí, estava tudo bem”, desabafou a passageira, que tinha como destino a cidade de Chimoio.
E só estava tudo bem até àquele momento, porque, depois disso, vieram informações de que não havia condições para que ela e demais passageiros seguissem viagem para Chimoio.
“Chegou o primeiro avião, levou os passageiros da Beira e já eram por aí 18 horas. Uma hora depois, chegou outro avião, que levou os passageiros de Tete. Trinta minutos depois, embarcaram os passageiros de Nampula e os de Chimoio continuavam em terra e sem informação”, detalhou a nossa fonte.
Segundo conta a passageira, ficaram com a informação de que o voo, que estava previsto para as 17h, chegaria por volta das 20 horas. E, depois de uma longa espera, um balde de água fria.
“Quando eram 21h30, uma funcionária da LAM se aproximou para informar que o avião que nos iria levar estava com problemas técnicos e a ser reparado. Já por volta das 22 horas, tivemos a informação de que o voo foi cancelado e que seríamos conduzidos para um hotel”, contou a passageira de 25 anos de idade.
O jornalista Amós Fernando engrossa a lista de passageiros revoltados com a companhia de bandeira. “Tinha um voo marcado para as 17h40 minutos de Maputo a Tete e este voo, não sei o que se passou e foi alterado para 23 horas”, narrou Amós Fernando, passageiro das Linhas Aéreas de Moçambique.
E o mesmo voo foi, depois, remarcado para meia-noite. “Foi um martírio, porque acabei por fazer cerca de 26 horas de viagem, que, normalmente, tem sido de 16 ou 15 horas. Isto é complicado e muito triste”, lamentou Amós Fernando.
E o dissabor é ainda maior numa situação em que os passageiros, já quase o avião a descolar, são surpreendidos com a informação de que devem desembarcar por conta de uma avaria no avião.
“Recebemos uma informação de que tínhamos de desembarcar e aguardar na sala de embarque, porque o voo se atrasaria para as 14 horas”, disse um passageiro, na condição de anonimato, com tom carregado de frustração.
A viagem prevista para as 12 horas teve um atraso de mais de cerca de seis horas. “Estivemos das 12 até às 18 horas sem passar nenhuma refeição e tivemos de embarcar. Serviram-nos lá as famosas Simbas da LAM”, acrescentou.
As razões por trás dos atrasos e cancelamentos de voos da LAM
A pergunta que não quer calar: porque é sempre assim?
A resposta aos atrasos e cancelamentos de voos das Linhas Aéreas de Moçambique é a insuficiência de aviões para responder à demanda. Para já, a LAM não tem nenhum avião que seja de sua propriedade. Todos os que estão a operar são alugados e em número de cinco. De forma exclusiva, uma fonte da companhia aérea explicou à nossa reportagem como isso impacta nos horários e datas.
O “O País Económico” apurou que são apenas cinco aviões que asseguram as operações domésticas e regionais da companhia de bandeira.
“A voar, a LAM tem um Boeing 737-700 e um Q-400. Estes aparelhos ostentam as cores da companhia de bandeira, mas há outros três alugados da CEM AIR e Solenta Aviation. Neste momento, dois aviões Q-400 avariados. É muito pouco para aquilo que é a demanda pelos serviços da empresa”, revelou a nossa fonte.
Neste cenário, os poucos aviões que estão a operar ficam sobrecarregados.
Assim, por exemplo, as Linhas Aéreas de Moçambique não conseguem nem sequer ter uma aeronave de reserva para garantir o transporte de passageiros em caso de avaria de um dos cinco que estão operacionais ou qualquer outro imprevisto.
Por isso, quando se detecta um problema num dos aviões que estava prestes a partir, os passageiros devem aguardar a chegada de um aparelho mais próximo e a espera é de, em média, duas horas.
Já no aeroporto, o avião passa pelo processo de revisão e repousa por mais duas horas até levantar o próximo voo. Isso acontece caso não seja detectada nenhuma avaria. E isto embaraça tudo.
É isso que explica os recorrentes problemas de atrasos e cancelamentos de voos. Uma fonte da LAM revelou à nossa equipa de reportagem qual pode ser a solução.
“A LAM precisa, num cenário óptimo, de pelo menos 12 aviões para garantir as operações domésticas e regionais sem problemas de atrasos e cancelamentos de voos”, avançou uma fonte ligada à LAM.
Sobre todos esses problemas, o ministro dos Transportes e Comunicações assumiu que a companhia está doente.
“Nunca, em nenhum momento, tivemos a ilusão de que a nossa companhia está doente, mas ou abandonamos o doente ou tratamos o doente e nós escolhemos sempre o optimismo”, assumiu o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala.
Para resolver parte dos problemas das LAM, Magala disse que o ideal seria a renovação da frota de aviões, mas não há dinheiro.
Os contornos da operação Maputo-Lisboa
Antes mesmo de resolver os problemas domésticos e regionais, as Linhas Aéreas de Moçambique aventuraram-se em lançar o voo Maputo-Lisboa e vice-versa, a 12 de Dezembro de 2023. Na altura, a Fly Modern Ark, assessora da LAM, tinha garantido que o negócio era sustentável e que a companhia teria lucros.
Só que, antes mesmo de fechar um ano após a sua inauguração, o voo Maputo-Lisboa teve mais problemas do que lucros.
E estes problemas, segundo apurámos, são resultado de um contrato mal celebrado com a Euroatlantic. “As Linhas Aéreas de Moçambique gastam, mensalmente, quatro milhões de dólares com o voo Maputo-Lisboa, e a operação só rende um milhão de dólares por mês, valor que nem é a metade do que é investido”, apurou a nossa equipa de reportagem.
O “O País Económico” sabe que o Governo é que cobre os restantes três milhões de dólares para garantir a continuidade da operação, e o contrato com a Euroatlantic é de três anos.
Entretanto, não tinha sido essa a ideia que a Fly Modern Ark nos vendeu quando se procedeu ao lançamento do voo. “A LAM vai ficar com os custos operacionais e aquilo que advier das receitas será partilhado. Há um valor base, que é o mínimo exigido pela operadora, que são 4200 dólares por hora”, assegurou Sérgio Matos, director de projectos de reestruturação da Fly Modern Ark, no dia 30 de Outubro de 2023.
Isto equivale a 42 mil dólares por viagem de Maputo a Lisboa, já que dura 10 horas.
Na altura, a Fly Modern Ark tinha assegurado que a operação Maputo-Lisboa teria uma receita de 600 mil dólares e, deduzidos os 42 mil dólares de custos operacionais, a LAM ficaria com o lucro de 320 mil dólares. Nestes termos, não havia dúvidas de que “o negócio é sustentável, sim. Nós temos certeza que é”.
Uma certeza que nunca chegou a concretizar-se, pelo menos não até agora.
O avião de carga ainda “sem asas para voar”
Além do voo Maputo-Lisboa, que não está a ser rentável, as Linhas Aéreas de Moçambique introduziram, em Março deste ano, pela primeira vez na história da companhia, o transporte de carga. Sucede que, desde que este serviço foi lançado, o avião nunca transportou carga. Aliás, nem sequer chegou a sair daquele local de inauguração, e, por ser um aparelho alugado, a LAM está a pagar, mensalmente, por um meio que não está a usar.
Chama-se LAM Cargo e o serviço foi lançado no dia 13 de Março de 2024.
O avião cargueiro, do tipo Boeing 737-300F, tem capacidade para transportar 17 toneladas de carga, e a previsão era que fizesse duas viagens por semana para cada capital provincial, com excepção de Tete, que seria uma.
Concebido para voar 3500 quilómetros sem pousar, o vice-ministro dos Transportes e Comunicações disse, na altura, que o sucesso do serviço dependerá do sector privado.
“Nesta perspectiva, exortamos a LAM para a prossecução do trabalho em curso de modo a proceder a divulgação deste valioso serviço atento aos ajustamentos que o mercado for exigir”, disse Amilton Alissone, vice-ministro dos Transporte e Comunicações, no dia 13 de Março de 2024.
Entretanto, desde o dia do lançamento do serviço, conforme apurámos, o avião de carga nunca descolou.
“O avião ainda não descolou por falta de documentação que deve ser entregue ao Instituto Aviação Civil de Moçambique para efeitos de aprovação da aeronave. Os documentos têm a ver com a certificação e a modificação da aeronave”, apurou a nossa equipa de reportagem.
O jornal O País Económico sabe que o avião era de transporte de passageiros, mas foi modificado para ser de carga por uma entidade alheia à Boeing, que fabricou o aparelho. O fabricante remete à entidade que fez as modificações para fornecer os documentos solicitados pelo IACM.
Ademais, a nossa equipa de reportagem sabe que este avião terá servido para o transporte de carga por cinco ou seis anos, na Indonésia.
A falta de documentação impede as operações do avião, mas não o pagamento mensal pelo aluguer do aparelho.
As Linhas Aéreas de Moçambique estão a pagar cerca de 93 mil dólares por mês para um avião que não está a ser usado, que corresponde a 5 952 000 Meticais, ao câmbio actual.
Considerando que o serviço foi lançado em Março deste ano, somam-se já cinco meses que a companhia de bandeira já gastou, até aqui, 465 mil dólares, o equivalente a quase 29 760 000 Meticais, por um serviço que nunca funcionou.
Sobre tudo isto que foi arrolado nesta reportagem, entrámos em contacto com a LAM, através do Gabinete de Comunicação e Imagem, mas a instituição prometeu pronunciar-se nos próximos dias.