Um autor: Luís Carlos Patraquim. Dois livros: “O Senhor Freud nunca veio a África” (crónica) e “Música extensa” (poesia). Havia melhor presente para os seus 40 anos de produção literária? O jornalista, cronista, guionista, poeta e dramaturgo moçambicano regressa para brindar com os seus confrades as quatro décadas que carimbam uma estrada que, enfim, marcou gerações e forjou histórias.
O lançamento dos dois livros foi testemunhado, maioritariamente, por amigos e familiares, mesmo a denunciar os longos anos que o artista vive em Portugal, desde 1986 para ser preciso, ainda que sempre colaborasse com a imprensa e arte moçambicanas. O seu último (belo) exercício foi o guião do filme “Comboio de Sal e Açúcar”. O realizador Licínio Azevedo ali estava, e outros bons amigos desde a Gazeta de Artes e Letras da revista Tempo. Caso é de Calane da Silva, quem assumiu a posição de apresentador das obras. Melhor pessoa existiria?
O Instituto Camões devia apresentar-se como quem espera um galáctico, mas a obra de Patraquim já o-é. Logo se dispensa tal figuração, os amigos são de pompa considerável. Eles entendem a narrativa que pulula nas duas obras. Aos outros, o tempo se encarrega de ensinar, ou Lucílio Manjate, Mbate Pedro e mais algum punhado de (bons) jovens a eles vão os informar. Os outros (outros mesmo), lá pelas traseiras vazias da sala do Camões, não lhes parecia interessar qualquer coisa como literatura.
Só para se ter a ideia da magnitude do autor, Ungulani Ba Ka Khossa – um dos melhores 100 escritores africanos do séc. XX – ainda estava na iniciação poética quando conheceu Patraquim e fê-lo através de “Monção”, seu livro de estréia. Talvez devia, o secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), tomar outro discurso, mas preferiu lembrar que aquela obra teve na altura cerca de cinco mil exemplares, num universo de leitores quase inexistentes. Hoje, que o nível de analfabetismo reduziu, os livros de poesia não passam 500 exemplares. Triste não é?
O humor do grupo Nomo chegou na hora certa, fazendo a ponte entre o curto discurso de Ba Ka Khossa e Calane da Silva. O eterno amigo de Patraquim, para ele apenas Patraca, apresentou as duas obras, mas, ao mesmo tempo, apresentou a vida e o seu repertório. No seu discurso, foi comum ouvir nomes como “A Inadiável Viagem” (1985); “Vinte e tal novas formulações e uma elegia carnívora” (1992); “Mariscando Luas” (1992); “Lidemburgo Blues” (1997) e “O Osso Côncavo” (2005).
Mesmo reconhecendo a poesia como a primeira arma que Patraquim usou para se afirmar, Calane preferiu começar pela prosa, neste caso, o livro de crónicas.
São crónicas em que Patraquim sempre faz incursão a Moçambique, como que a recordar a pátria que lhe viu nascer. Nestes textos, segundo Calane, o autor traz grandes nomes da cultura moçambicana e da diáspora, personalidades que conheceu fisicamente, por isso a sua escrita foi mais precisa. O olhar de Calane da Silva conclui que se trata de uma crónica literária num estilo latino que oscila entre a poesia e o conto. “Enquanto poesia, a crónica explora a temática do ‘eu’, sendo o assunto e o narrador ao mesmo tempo, tal como todo o acto poético”, explica o apresentador. “O estilo discursivo das crónicas de Patraquim nesta obra oscila entre uma linguagem lírica, de prosa poética e algumas crónicas quase que nos transportam para um universo de conto realista”, secundou.
Para Calane da Silva, o título deste livro encontra-se no sentido irónico e humorístico, mas cheio de ilações do ponto de vista cultural e até psicanalítico. O título do livro é emprestado de um texto que o autor dedica ao Freud pelos seus 150 anos de nascimento.
“Ao dar este título, Luís Carlos Patraquim quer, igualmente, chamar-lhes atenção para o lado psíquico das suas crónicas das memórias guardadas, algumas no nosso subconsciente”, sentenciou.
De seguida, sem qualquer pausa, Calane visitou Patraquim poeta em “Música extensa”. Chama a sua obra de oficina extensa, de labor e música extensa, em que também exalta memórias, marcando amizades e exibindo a sua retórica fascinante.
Ao escritor, que se assumiu como Luís Carlos “Gago”, fez o que os outros escritores naquela cadeira fazem: agradecer. E logo (não logo exactamente) foram os autógrafos, mas não antes de ler um texto seu e de receber os merecidos aplausos.