Dados sugerem que África é o terceiro continente mais extenso do mundo, depois da Ásia e da América. Com cerca de 30 milhões de quilómetros quadrados, cobrindo 20,3 % da área total da terra firme do planeta alberga o segundo maior universo populacional da Terra, fora os recursos de vária ordem de que é pejado.
Apesar desse potencial, a maioria dos países africanos situa-se na linha dos mais pobres do mundo, com problemas de subnutrição, analfabetismo, salubridade e baixas condições de saúde. Hoje, não pode haver dúvidas de que o corona vírus chega para destapar os telhados de vidro das elites africanas.
Depois do tempo que Moçambique se manteve invicto da grassa do Covid-19 pelas fronteiras do mundo, ontem a ficha caiu, um caso importado do Reino Unido. Com o vírus na Europa, pela primeiríssima vez, na memória de África e do mundo, as elites políticas e/ou económicas do pós-independência batem-se por ficar em casa, ou regressar ao continente para o alcance de melhor ambiente de saúde.
Embora existam países africanos com qualidade de vida e saúde razoáveis, Moçambique, com 154 distritos, assemelha-se a tantos outros que comportam desigualdades no acesso à saúde moderna. Esses países, seguros da possibilidade de gozo nas Europas e outros mundos adiante, têm o sistema de saúde que têm. Entre esses distritos que perfazem Moçambique, a maioria ainda depende da medicina tradicional, fora uma vasta gama de crenças que distraem a mazelas psicológicas das populações, a mercê de problemas de outra índole, mormente social e económico. Calculemos, alguns infectados pelo Covid-19 à mão de curandeiros e maziones…
Porque o continente africano, quase sempre, representou uma espécie de cemitério, onde depois da vida além-fronteiras, com direito a compra de casas e tratamento médico, as elites económicas (quase sempre o mesmo que políticas), às sempre desajudadas populações, a viver na precariedade de condições de saúde, face ao vírus que ora grassa a Europa, devem, de facto, assumir a nova fatalidade, partilhar a desgraça de uma doença trazida pelas elites, no regresso a casa em busca de um túmulo ou de um ambiente menos afectado pelo Covid-19.
E porque esse regresso, pelo menos desta vez, não será de simples afago de saudades e degustação da lembrança do madhledhlele, ou então cair numa espécie de última ceia, esperemos que o Covid-19 traga o melhor de si para África: a ideia da falibilidade da boa vida na Europa. Desse modo, a pandemia conseguirá mobilizar os líderes africanos, mudar-lhes a consciência para a visão de que é preciso melhorar o Sistema de Saúde dos seus países, para níveis da que buscam nas Europas, como torná-la acessível para todos, visto que as clínicas privadas sempre constituíram uma outra barreira entre os dois mundos que vivem em África, em Moçambique alegoricamente representados na Av. Julius Nyerere, de um extremo ao outro.
Portanto, de que vale ter nascido em um dos mais extensos continentes, o segundo mais populoso da Terra, com imensidão de recursos, mas sem nenhuma vontade política de investir na educação, na melhoria de condições de vida e de saúde? Caso para buscar Drummond de Andrade e situá-lo nesta fase de marcha da vida das elites africanas na Europa:
E AGORA, JOSÉ?
A festa acabou,
a luz [ou Europa] apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,(…)
e agora, José?
A terminar, dizer que este não é momento de deixar os moçambicanos a entreterem-se com práticas mágico-religiosas. As rádios, as televisões, os próprios líderes políticos, incluindo os da oposição que parecem ter eclipsado, as autoridades governamentais, o corpo de saúde nacional, etc., deverão redobrar esforços na difusão de mensagens úteis à prevenção e de esperança, bem diferente de alguns fatalismos pululantes nas redes sociais. Pois, de facto, o Nosso Maior Valor é a Vida, e por que não, a integridade física!