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O dilema de quem escolhe entre chuva e casa alagada

Foto: O País

Algumas famílias de Chibuto, Gaza, viram as suas casas alagadas e fugiram para zonas mais altas, mas lá ficaram ao relento. A vida ficou mais pesada quando veio a chuva. A alternativa é escolher entre a água estagnada em casa e a que molhava quem estivesse ao relento.

A 80 quilómetros da cidade de Xai-xai está o distrito de Chibuto, do qual faz parte o Posto administrativo de Chaimite. É naquele local onde vive Lídia, de 58 anos, mãe de um filho adulto e viúva há mais de vinte anos.

Encontrámo-la sentada na varanda de uma casa completamente alagada. Pareceu estranho, mas ela não se importou de nos explicar o que estava por detrás da decisão de ficar numa casa alagada.

É que, na quarta-feira, entrou água na sua casa e ela decidiu refugiar-se numa zona mais alta no mesmo posto administrativo. Até aí estava tudo bem, até porque ela estava lá como acampamento com os seus vizinhos e o seu filho.

O ponto onde foram acampar não tinha cobertura. Mas, como são dias de calor, isso até interessava pouco. O problema surge quando, na sexta-feira, a chuva chega. Lídia, seu filho e vizinhos tinham de tomar uma decisão: ou a água que caía do céu ou a que já estava alojada nas suas casas. A escolha foi por aquela que estava nas suas casas.

Como se isso não fosse estranho o suficiente, houve mais. A casa de Lídia estava em piores condições, por isso ela foi albergar-se numa casa melhor. Mas aí veio um grande problema: “Quando entrámos, cruzámo-nos com uma cobra; ela também estava a fugir da água e saiu do seu habitat”, conta Lídia, que diz que foi necessário matá-la.

A única parte que não fica constantemente na água é da cintura para cima, os pés, esses estão sempre na água. É o mesmo líquido que usam para banho e aquecem-na para confeccionar alimentos. O pátio ficou inseguro até para os cães, que procuram pendurar-se em alguns ramos de pequenas árvores.

Tudo isto é porque o rio Limpopo, que nasce na África do Sul, e flui para Moçambique, está com muita água e está a transbordar e isso afecta as regiões por onde passa e a província de gaza alberga grande parte do fluxo do rio, que desagua no Oceano Índico.

Mas, se em Chibuto a água já invadiu pátios e tende a atingir outros, há aonde ainda não chegou, mas o trabalho de preparação já começou. É o caso de Guijá, que faz fronteira, a norte, com o distrito de Chigubo, a leste, com Chibuto, a sul e sudoeste, com o distrito de Chókwè e, a oeste, com o distrito de Mabalane.

A este ponto, a água ainda não chegou, mas o nível do Limpopo continua a preocupar. Por isso, as famílias foram retiradas das suas casas para um centro de acolhimento. Antes de sair, os residentes de Guijá decidiram colocar vários dos seus bens nos telhados; o plano é que, se o nível de água não atingir o tecto, esses bens serão salvos.

De uma só vez, o centro de Guijá recebeu 216 pessoas, mas tem uma capacidade de 300 nas salas de aula, e mais 700 vítimas nas tendas. Total: 1000.

Para ver as condições do centro de acolhimento, o vice-ministro dos Transportes e Comunicações, Amilton Alissone, esteve no local com uma equipa multissectorial. A garantia que ele deu é que, com o mesmo número de pessoas, o centro “pode sustentar essas pessoas por mais três ou quatro dias”, disse Alissone.

Embora Freddy tenha enfraquecido, o risco de cheias em Gaza continua grande, até porque o nível das águas do Limpopo não pára de subir.

 

A FUGA DE QUEM NÃO SABE QUANDO CHEGA A ÁGUA

Encontrámos Domongos Mantinda, sua esposa e alguns dos seus animais quando passavam das vinte horas. Entretanto, a marcha tinha começado mais cedo. “Saímos de Guijá às 17 horas”, disse Domingos, quando passavam das 20 horas, a fazer a caminhada na estrada que liga Chókwè a Macia, em Gaza.

Domingos e esposa podiam até estar cansados e tropeçar, mas parar não estava dentro das opções, nem podiam. Era preciso salvar-se a si e os que não o podiam fazer por si, no caso os animais. Aliás, no colo traziam também patos e galinhas cafreais.

Ter de caminhar àquela hora não foi necessariamente a vontade das famílias. Acontece que, apesar de os ter sido avisado, dizem que não havia precisão de quando é que as águas começariam a invadir as casas e preferiram não sair, ainda mais sem destino certo; para estas pessoas, não há centro de acolhimento.

Já agora, e deixando as cheias de lado, esta estrada devia ter sido terminada no ano passado, mas não o foi!

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