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O compêndio do suicídio

É interminável a lista de gente que se suicidou. O suicídio é uma corrente do fim que ganha anilhas nas filas dos hospitais, nas pontes das cidades, nos terraços dos prédios, nos quartos escuros, nos ramos da árvores e em tudo que tem vida. O peso do corpo é a corda do suicídio quando as escadas nos levam ao último piso do prédio. Uns entre a roupa molhada enfiam o pescoço no estendal e fazem a vida secar para sempre. A água do mar, do rio também serve de corda para afogar a vida.

Pequenas dimensões de matéria sinalizam o suicídio em todo lugar. Um pano branco que tapa um chão avermelhado de sangue, rodeado por criaturas que lamentam o desconhecido que desenhou o seu fim, uma camisa que flutua no mar dá o último sinal de uma vida que foi diluída por ondas e espuma, uma corda que segura um corpo que flutua nas ondas no vento, um revólver com sangue, tudo isso espalha-se na cidade. O suicídio testa-se em toda parte como se fosse uma nova ciência da vida. E a dor é maior porque o suicídio tem um perímetro mais vasto que a vida.

O suicídio é a fórmula vital de problemas que não resolve. Os jovens suicidam-se e os mais velhos suicidam-se no tempo suicida. José Manuel Balmaceda, ex-presidente do Chile, deu um tiro na sua cabeça, Vincent Van Gogh atirou contra o seu peito, Adolf Hitler e sua esposa envenenaram-se, Amy Winehouse explodiu por conta duma overdose, Gilles Deleuze atirou-se dum prédio. Ali na Matola, o sofrimento das estátuas mastigam com suas bocas cheias de fome o suicídio de Alberto Chissano.

A 14 de Março de 2018 Stephen Hawking morreu. Esse físico teórico e cosmólogo britânico, um dos sucessores de Isaac Newton na Universidade de Cambridge no cargo de titular da cadeira Lucasiana de Matemática, disse antes da sua morte que apoiava o suicídio assistido. Mas, somente quando a pessoa envolvida faça essa escolha sem nenhuma pressão. Em seu último suspiro defendeu que a partir do Big Bang, o Universo se expandiu de um ponto minúsculo em um processo conhecido como inflação, criando universos infinitos que poderiam ser muito diferentes do nosso.

Voltamos à Grécia antiga e encontramos o tratado "Elogio da Morte" de Alcidamente. Orador celébre. Alcidamente argumentava que o acto supremo da vida era o de aniquilá-la voluntariamente. O suicídio era, para ele, um acto de liberdade e sabedoria. Convidava todos homens a suicidarem-se.

A Filosofia do Suicídio do grego soou, mais alto, na Alemanha. Filipe Batz, publicou com o nome de Filipe Mainlander o livro "Filosofia da Redenção". Mainlander convidava a todos para um suicídio universal. Argumentava que a morte de todos homens seria o fim do Ser, visto que a morte de Deus constituiu o princípio da vida e do Mundo. Mainlander defendeu a sua teoria com a sua própria vida; suicidou-se tempo depois. E a possível filosofia do suicídio ganhou um capítulo importantíssimo.

Entre Hawking, Alcidamente e Mainlander há um caminho que "legitima" o suicídio. O nosso tempo é andarilho e peregrino desse caminho. Suicidamo-nos e deixamos tudo nos suicidar. Temos pressa em morrer e impaciência em esperar a morte. Escrevemos com a grafia do nosso tempo o compêndio do suicídio.

Continuo escrevendo sobre o suicídio, mas há no fundo dessa caneta que, agora, uso duas gotas de suicídio: o suicídio da incerteza e o do medo. A incerteza de continuar a escrever sobre o suicídio e o medo de parar de escrever e parecer que pretendo suicidar o texto antes do fim. Cada linha de um texto pode ser uma corda resistente para o suicídio do sentido. Escrevo a mão e devo depois passar tudo a limpo no computador. O meu computador tem na sua testa uma maça mordida. Uma Apple. E que significa aquela maça mordida? Sei que ela cheira a suicídio. O pai da computação moderna, Alan Turing, em 1954 trincou uma maça envenenada com cianeto e consumou o suicídio. Eis como termino o texto: escrevo sobre o suicídio, com uma caneta que gagueja suicídio e sobre um computador com uma homenagem ao suicido.

 

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