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A condição humana em Chakil Aboobacar

Toda a memória procura retirar ao esquecimento, ao óbvio, momentos, emoções, descobertas, ideias, é uma necessidade do ser humano que se manifesta de diversas formas, no fundo trata-se sempre de lutar contra a morte.

Eugénio Lisboa

Na literatura moçambicana, concretamente na prosa, existem quatro gerações operando no mesmo plano histórico (a memória e a utopia), a mais recente destas se tornou visível na década 2000, com aparição de escritores como Aurélio Furdela, Rogério Manjate, Lucílio Manjate e Clemente Bata. Esta geração mais recente a que pertence o Chakil Aboobakar cujo livro de estreia Uma Vida Qualquer, 2010, foi bem recebido pela crítica e considerado como uma das mais promissoras vozes no esteio da literatura moçambicana.

Em Uma Vida Qualquer, Chakil Aboobacar opera um milagre iminentemente estético de tornar o quotidiano num espaço de eleição dos conflitos sociais, circunscrevendo a acção dos contos entre a tradição e a modernidade, que por essas circunstâncias se perspectiva a reconstrução da fronteira cidade/subúrbio. Como seria de esperar, e com um afecto profundo que, enuncia a angústia da realidade que o rodeia. Tal como em Marcel Proust, em Chakil Aboobacar a linguagem não cria nenhuma angústia entre o que está escrito e o que é conhecido, domina o seu mundo, a sua linguagem esta acima do que é necessário conhecer.

Chakil sempre virtuoso no retrato narrativo dos dias que correm, com efeito, não se trata de um past copy da realidade moçambicana, fluindo nos 15 contos que compõem a obra, mas da magia sempre imprevisível da nossa condição humana ou da captação da alma das personagens oprimidas, de cenários sociais violentamente injustos, partindo da força do amor até tensões inter geracionais.

O universo em que se movem as personagens se parece muito com o das grandes cidade do nosso país, além disso, Uma Vida Qualquer, preenche as necessidades humanas sobre as quais se pode ignorar ou hipotecar. Porém, na página 13, assistimos sempre indiferentes a cada esquina gente da nossa cidade, que precisa do nosso afecto:

E o individuo que ali minguava esforçava-se em vão por pedir ajuda, mas a sua voz desaparecia com o tempo. A gesticulação, já flácida, tornava-se inexistente e o sol amaldiçoava ainda mais aquele momento.

E o puto quase inconsciente, lembrava-se apenas de dizer com a sua pouca voz:

– vou morrer

De conto em conto, assiste-se uma súmula perfeita da interpretação da vida, constata-se a inexistência de valores numa sociedade egoísta, retrata-se a decadência crua de uma nação sub desenvolvida, contaminada por querelas de ordem estomacal, tal como nos assevera o narrador do conto Extracto Duma Vida;

Uns alegavam que foi assalto a mão armada e outros, enfatizando, afirmavam que conheciam o corpo armado que assaltara a instável palhota do velho Moisés, mas ninguém apontou nomes ou características. O caso ficou pelo não dito e morreu na boca do povo. E dispersamo-nos cambaleantemente para os nossos refúgios. pag 50.

Neste sentido, se por um lado, Chakil traz-nos estas peripécias quotidianas, com um linguajar coloquial que só gente de/com Uma Vida Qualquer, podem nos propiciar esta dupla representação, personagens pobres (vozes predominantes nestes contos) e o espaço urbano (que pressupõe adaptações e conflitos), por consequência, incentivadora da efectivação da dignidade humana.

Uma Vida Qualquer é um livro de memórias, de escrita simples e envolvente, é um hino à nossa terra mas é também um formulário para preencher algumas lacunas que assolam o nosso dia-a-dia.

 

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