Digressão pelos recessos de identidade sonegada é o que encontro na poesia de Noémia de Sousa.
A busca obsessiva de “uma porta de saída” nos textos da poeta é a nota que marca o compasso dos esforços pelo flanqueamento dos caminhos para a liberdade. O sentimento de angústia pelo cerceamento de direitos, seus e de seus concidadãos, deixa extravasar um contínuo caudal de protestos que se reverberam nos poemas. O eco das palavras trepida na alma de quem os lê e torna cúmplice de revoltas que fluem na sua obra.
A sua peregrinação pelo mundo, desde as margens da baía de Lourenço Marques, na Catembe, seu berço natal, a sua passagem pelo Brasil, França e finalmente Portugal, onde morreu, encontra um paralelo no universo da sua poesia. Na sua essência, esses poemas- monólogos – diria efabulações – encontramos combinados elementos de exaltação dos valores tradicionais, culturais e sociais da eterna Mãe-África, subscritos em poemas vários, os brados de convocação para o engajamento com as culturas locais, de incitamento pela ruptura com a ordem premiada pelo colonialismo. Fazem, (fez) de Noémia de Sousa uma nacionalista carismática e singular nas Letras moçambicanas. Pela sua coragem de questionamento, pela frontalidade e denúncia dos machos socias de então, conquistou por mérito próprio um lugar cimeiro no pedestal dos poetas-combatentes, dos heróis-poetas e inscreveu o seu nome no historial dos mais consagrados Escritores e Poetas desta nossa à beira do Índico.
Com a sua obra, Noémia de Sousa, mãe-poeta, poeta-mãe, conquistou uma dimensão universal e deixou profundas marcas nas percepções sobre a escravatura, sobre os malefícios do colonialismo e da opressão.
“Sangue Negro” constituiu-se como um alicerce duma Poesia que foi (e ainda é) o baluarte como moçambicanos, africanos e duma luta pelo reconhecimento da nossa identidade entidades pertencentes a um mundo global pela justiça colectiva e pela emancipação nacional.
Minha homenagem sincera e incondicional.
*Nota do editor
No próximo dia 20 deste mês, se estivesse viva, Noémia de Sousa completaria 95 anos de idade. A “mãe dos poetas moçambicanos” faleceu em 2002, mas a sua obra continua actual e importante para o país e para o mundo. Como forma de a homenagear, convidamos o escritor Aldino Muianga, que vive e trabalha em Pretória, na África do Sul, para partilhar o que a célebre obra Sangue negro (editada no dia 20 de Setembro de 2001, portanto, há 20 anos) e a sua autora representam para toda uma literatura. Na verdade, a homenagem começou há alguns meses neste jornal e vai continuar nos próximos dias.