Subtítulo: A repressão dos Naparamas em Moçambique levanta questões sérias sobre o papel do Estado na preservação da cultura e na escuta das realidades locais.
Num momento em que se fala tanto de “valores culturais” e “identidade nacional”, é
profundamente contraditório que Moçambique assista, silenciosamente, à repressão
violenta de um dos seus movimentos mais singulares: os Naparamas.
Nos últimos tempos, surgiram notícias inquietantes sobre detenções e até mortes de membros deste grupo tradicional, que no passado desempenhou um papel importante na protecção de comunidades durante o conflito armado.
Importa recordar: os Naparamas não são um movimento novo, nem uma invenção de tempos recentes. Emergiram como um movimento de resistência popular e espiritual que surgiu no Norte de Moçambique durante a guerra civil (1977–1992), especialmente nas províncias da Zambézia, Nampula e Niassa. O nome “Naparama” significa literalmente “aquele que vai à guerra” em algumas línguas locais. Sem acesso a armamento moderno, organizaram-se com o que tinham: a fé, o corpo, o saber dos mais velhos e o desejo de proteger os seus. Foram, para muitos, a única barreira entre a violência armada e a sobrevivência das comunidades rurais.
Hoje, décadas depois, vê-los retratados como “ameaça à ordem pública” ou “forças de desestabilização” revela uma profunda desconexão entre o Estado e a sua própria base sociocultural. A resposta às suas manifestações não deveria ser policial ou militar.
Deveria ser académica, política e comunitária. Onde estão os sociólogos, antropólogos e estudiosos da cultura moçambicana? Onde estão os líderes políticos que tanto falam em “inclusão” e “diálogo”?
Reprimir os Naparamas não é apenas reprimir um grupo é atacar uma expressão viva da resistência cultural, espiritual e social moçambicana. A história ensina-nos que, quando o poder ignora ou reprime a tradição, está a cavar um fosso entre a nação oficial e o povo real.
Este é, pois, um momento crucial. Não se trata apenas de segurança, mas de identidade e soberania cultural. Em vez de soldados, precisamos de mediadores. Em vez de armas, precisamos de diálogo. E, acima de tudo, precisamos de reconhecer que a diversidade de formas de existir, resistir e proteger é parte da riqueza deste país.
Matar os Naparamas é, simbolicamente, matar o que ainda resta de uma memória
colectiva ancestral. É negar a possibilidade de um Moçambique plural, onde os saberes locais têm lugar ao lado do conhecimento formal.
Mais do que nunca, é tempo de escutar antes de reprimir. De compreender antes de
julgar. E de defender o que é nosso — mesmo quando nos desafia.
Maputo 21 de abril 2025