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As asas da imaginação d“O Caçador de Pássaros” – Um olhar sobre a obra de João Baptista Caetano Gomes

Diz um célebre provérbio que “Bendito será aquele que consegue dar aos seus filhos asas e raízes”. Asas, porque elas permitem expandir o horizonte imaginário das crianças e inspirá-las a perseguir os seus mais diversos sonhos; raízes, porque elas oferecem sempre uma referência identitária sobre o lugar onde as crianças nasceram e para onde terão sempre de voltar para recarregar as baterias das suas vidas.

Este provérbio veio-me imediatamente à mente, assim que abri as primeiras páginas deste livro de contos infanto-juvenis. Embora a obra se debruce sobre as peripécias idiossincráticas do passarinheiro Benjamim, é também uma espécie de reflexão sobre a própria vida dos pássaros, essa fantástica espécie de aves que, além dos morcegos, são o único grupo de vertebrados capazes de voar livremente!

A obra tem dois personagens principais: para além do Benjamim, há o Pinguim, o pássaro que é o seu melhor amigo. Juntos, partilham a rotina das auroras preguiçosas onde o Pinguim serve de despertador para que o Benjamim chegue a horas à escola. Este facto faz-me lembrar de uma outra curiosidade: a maior parte das aves é activa durante o dia, geralmente nas primeiras horas da manhã. Não me admira o primeiro diálogo no texto, onde o pássaro Pinguim se insurge logo de manhã ao Benjamim:

– Oh menino, não vais à escola?

– Ah, Pinguim! Deixa-me dormir só mais um pouco.

– Não te vou deixar faltar à escola. É preciso estudar. Preguiçoso!

Para o Benjamim os pássaros são criaturas fascinantes que cultivam nele admiração e curiosidade. Bom, para ele não necessariamente por causa dos seus cantos à janela do seu quarto, logo de manhã! E mesmo quando parece ser convicção generalizada que o canto dos pássaros é uma das mais belas formas de expressão musical na natureza.

Ao folhear, inicialmente, as páginas do livro do João Baptista Caetano Gomes, apreciando calmamente as magníficas ilustrações de Walter Zand, veio-me à memória a minha própria infância. Também já fui fascinado por pássaros e, na lista de algumas curiosidades sobre eles, gostaria de fazer menção a um pássaro em especial: o cuco. As fêmeas desta espécie depositam os ovos de seus filhotes em ninhos alheios! Nunca criam o seu próprio ninho e, muito mais fascinante ainda, elas conseguem adaptar a aparência do seu ovo à das espécies que elas parasitam. Não sei se o passarinheiro Benjamim conseguiu também descobrir isso, nas suas peripécias com os pássaros que ia caçando.

Segundo o texto, os pássaros impressionam ao Benjamim, sobretudo, pela sua incrível habilidade de voar. Então, ele decide passar a vida a caçá-los e a estudá-los minuciosamente. Para isso, decide sair de casa e passa a viver na rua. Não fica explícito, na história, se o Benjamim consegue chegar à constatação cientificamente provada de haver cerca de 10.000 espécies diferentes de pássaros em todo o mundo! Nem que os pássaros desempenham uma variedade imensa de papéis ecológicos importantes, como a polinização das plantas ou a gestão das pragas de insectos. Fica-se sem se saber se o Benjamim, nessa sua jornada exploratória dos pássaros pelas ruas, chega a perceber que a sua beleza e graça são fonte de inspiração para as artes, letras e ciências da humanidade, sendo usadas recorrentemente como símbolos de liberdade, de aventura e de navegação marítima ou espacial.

Do que se pode reter, no desenrolar da história do passarinheiro Benjamim, destaco um episódio de solidariedade onde os pássaros, vendo o seu amiguinho faminto, sedento e enfraquecido pelos martírios da vida na rua, decidem ajudá-lo e voam pela floresta adentro à procura de alimento para o reanimarem. Pode-se fazer aqui uma analogia com o efeito disruptivo que a destruição do habitat natural destes pássaros – tanto pela acção humana ou pelas mudanças climáticas – tem sobre o declínio ou a extinção de muitas das suas espécies em todo o mundo. Quantos de nós têm sido também solidários para com os pássaros, vendo-lhes famintos, sedentos e enfraquecidos dentro dos nossos próprios habitats? Afinal, quando se fala de ecossistemas, proteger e garantir a sobrevivência dos pássaros, através da conservação de áreas naturais que constituem o seu habitat especial, significa proteger e garantir a nossa própria sobrevivência como humanos.

Não vou esgotar, neste espaço, a história d“O Caçador de Pássaros” – e as outras demais histórias paralelas que se podem tecer à volta. Queria concluir com o episódio do retorno do Benjamim à casa dos pais. Se um dia as asas da sua imaginação fizeram-no sair de casa, tal como as asas dos pássaros que admirava faziam dos respectivos ninhos para os céus, num outro dia os mesmos pássaros fizeram-no lembrar das suas raízes. Tal como os pássaros são capazes tanto de voar longas distâncias em busca de um clima mais confortável, como de voltar depois para o seu habitat natural, Benjamim regressou ao aconchego do seu lar. Desta vez, mais rejuvenescido e experiente.

Como se pode depreender, as nossas vidas também se podem rever nesta metáfora dos pássaros, feitas sempre de asas e de raízes. Este é um livro infanto-juvenil que, como disse no início, faz jus ao provérbio que diz “Bendito será aquele que consegue dar aos seus filhos asas e raízes”. Ofereçam sempre aos vossos filhos e netos, as nossas flores que nunca murcham, asas e raízes. Asas para ganharem o mundo, como os pássaros, e raízes para voltarem sempre ao seu mundo, como “O Caçador de Pássaros”.

 

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