O País – A verdade como notícia

A “nudez” de Suzy Bila

Uma lágrima que desce pelo rosto torturado

 dum oprimido, brilha que mil sóis.

Eduardo Paixão

 

11 telas constituem a exposição Nua e crua, de Suzy Bila, patente no Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM), na cidade de Maputo. Mais do que o número de obras, estampadas em telas “gigantes”, a individual da moçambicana residente em Portugal vale por outros factores. Por exemplo, a carga emocional que, por via das cores, está sempre bem preservada.

A pintura de Suzy Bila, nesta colecção com peças produzidas entre 2014 e 2018, é qualquer coisa revestida de efeitos taciturnos, os quais transportam a imaginação a horizontes inquietantes. Quiçá, com interesse de desligar os visitantes da individual dos vários ruídos quotidianos, mesmo quando a pretensão é provocar uma reflexão sobre esses mesmos ruídos, Nua e crua transfigura-se do simplório, afasta-se da previsibilidade real e criativa. Para o efeito, como os gregos na acrópole, a artista coloca-se nua num plano alto, encantado de desencantos estereotipados, expondo-se ao mundo dos homens como quem reza. Nesse vigor está o compromisso da criadora, afinal “discutir” o conhecimento das circunstâncias com a fé de subverter é algo que se incorpora à imagem de um grito espontâneo, proveniente de quem não se cala diante do silêncio voraz, responsável pelas lágrimas femininas e pela opressão nelas sintetizadas. Logo, não admira a mulher ser o centro desta exposição de artes plásticas.

Inserida numa situação recorrentemente metafórica, telas como “Gaiola dourada” (óleo s/ tela, 177 x 214 cm), “Tesouro” (acrílico s/ tela, 140 x 200 cm) e “O caminho é longo” (óleo s/ tela, 140 x 190 cm) fazem da mulher, em Nua e crua, um ser absolutamente consumido pela sua condição maternal, pelo afecto natural proporcionado a quem sai do seu ventre, e, simultaneamente, alvo da dor causada pelos machismos de uma atmosfera ingrata, insensível ou, claro está, obtusa. Diante da orientação temática a que se dedica, torna-se impossível Suzy Bila não expor os seus conflitos interiores, acima de tudo, de quem busca o equilíbrio numa superfície tão oblíqua para as mulheres.

É verdade que Nua e crua é um manifesto ou então transporta algum. Mas, igualmente, é uma combinação de sentidos agradáveis, com analogias simplificadas em telas como “Luz divina” (óleo s/ tela, 177 x 214 cm), “O canhoeiro” (acrílico s/ tela, 200 x 233 cm) e “Do teu ventre renasço eternamente” (óleo s/ tela, 177 x 215 cm). Nestas obras, Suzy cultiva a ousadia de registar o instante, na primeira; a opção de cantar a bênção da protecção perpetuada por gestos, na segunda; e o contraste da essência das coisas, sempre omitindo enunciados, na terceira. Com esta simbiose, telas a dialogarem num todo, a individual aberta ao público até 5 de Maio, apresenta essa particularidade de conduzir o visitante na escolha de um lugar para morar, virtualmente, com o “Poema para a minha mãe” (acrílico s/ tela, 140 x 190 cm), tela com muitos traços pueris.

Portanto, Nua e crua serve para despertar sensibilidades e reorientar caminhos. A virtude da “nudez” de Suzy Bila está mesmo aí, na susceptibilidade de preencher as artes plásticas com alma e humanidade. 

 

Título: Nua e crua

Autora: Suzy Bila

Artes plásticas

Classificação: 14

  

 

 

 

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos