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Não é obrigatório pagar ao chefe de quarteirão nem à secretaria do bairro para ter declaração

Os secretários de bairro e os chefes de quarteirão são autoridades comunitárias que não existem na estrutura administrativa do Estado. Assim sendo, não há, também, nenhuma base legal para as cobranças que fazem pela emissão de declaração de bairro, que variam entre 250 e 300 Meticais, sem incluir impostos.

O secretário de bairro, o chefe de quarteirão e o de 10 casas são indispensáveis quando se quer tratar alguma declaração que comprove a nossa proveniência.

O secretário do bairro Chamanculo, na Cidade de Maputo, João Panguene, exemplifica que “não havendo esta figura de chefe de quarteirão, há risco de aparecerem pessoas (nas secretarias de bairro) a pedir documentos, enquanto nem vivem no tal bairro”, pelo que argumenta: “o chefe de quarteirão é muito importante, porque é quem conhece as pessoas residentes na sua área de actuação”.

Contudo, o acesso a estas pessoas custa dinheiro. Ao chefe de quarteirão paga-se entre 50 e 100 Meticais e a secretaria de bairro cobra mais 200 Meticais para a emissão de uma declaração.

Este valor não inclui impostos. A ter de equacionar o Imposto Pessoal Autárquico, por exemplo, que é a tributação que abrange a maioria, na Cidade de Maputo, o cidadão deverá levar consigo 810 Meticais. Mas, afinal, quem são as pessoas que fazem estas cobranças na estrutura administrativa do Estado e qual é a sua legitimidade?

“Estas são entidades das próprias comunidades; não fazem parte da organização administrativa do Estado”, explica o professor de Direito Administrativo, Guilherme Mbilana, que afirma que, por estas entidades não fazerem parte, não há como discutir a legalidade das cobranças feitas.

Aliás, por não existirem na estrutura administrativa do Estado, não há base que define quanto valor as autoridades comunitárias devem cobrar ao emitir uma declaração.

“Toda a gente deve pagar pela declaração, entretanto, dependendo do nível social do requerente, o secretário do bairro pode avaliar e isentá-lo do pagamento”, afirma João Panguene, contrariado por Mbilana, que diz que “o que existe é dever moral de pagamento” e, para esse efeito, não é necessário haver avaliação da autoridade comunitária sobre as condições financeiras do cidadão.

Embora as cobranças não sejam obrigatórias, nas secretarias de bairro, não se aceita fornecer declaração enquanto o requerente não tiver dinheiro. Fizemos uma simulação de pedido deste documento numa das secretarias de bairro, na Cidade de Maputo, alegando não ter dinheiro e a resposta que nos foi dada é: “Se tivesse (o valor) da declaração, pelo menos, eu ia fazer, mas se nem esse aí tem…”

Ou seja, a secretaria até podia fornecer a declaração mediante o pagamento do valor, que não é obrigatório – os 200 Meticais –, deixando de lado o imposto.

Como é, afinal, que os secretários de bairro e chefes chegam ao cargo?

“Essas figuras aparecem após uma consulta feita pelas autoridades imediatamente superiores (as que fazem parte da estrutura administrativa do Estado) às autoridades comunitárias antecessoras e pessoas influentes do bairro sobre a idoneidade do candidato a secretário de bairro ou chefe de quarteirão. Havendo concordância, a pessoa ocupa o cargo”, diz o secretário do bairro Chamanculo.

Porém, os procedimentos diferem, dependendo de cada bairro ou município. E há explicação para esta diferenciação. É que as autarquias locais podem assumir as autoridades comunitárias na sua estrutura administrativa. É o que acontece na Cidade de Maputo, onde o Regulamento de Organização e Funcionamento das Estruturas Administrativas dos Bairros Municipais determina, no número 1 do artigo 3 que “bairro é dirigido por um secretário, nomeado pelo presidente do Conselho Municipal, sob proposta do vereador da respectiva unidade territorial, por um mandato de cinco anos e subordina-se ao dirigente da Unidade Administrativa respectiva”.

Já o número seguinte do mesmo artigo prevê que o quarteirão é dirigido por um chefe nomeado pelo presidente do Conselho Municipal, “sob proposta do vereador da respectiva unidade territorial ouvido o secretário do bairro e por um mandato de cinco anos e subordina-se ao secretário de bairro”.

Em Matlemele, na autarquia da Matola, por exemplo, estas figuras são eleitas pela população, conforme explicou o respectivo secretário do bairro, Januário Tembe.

Ainda em Matlemele, além do secretário de bairro, existe um chefe de serviço, que representa a edilidade, justamente pelo facto de o Município da Matola assumir que as lideranças comunitárias são indicadas pela população e não fazem parte da estrutura administrativa do poder local, tampouco dos órgãos locais do Estado. O chefe de serviço trabalha em coordenação com o secretário do bairro, estando as actividades de mobilização da população (como, por exemplo, em campanhas de vacinação) reservadas a este último.

Embora não estejam na estrutura administrativa do Estado, as autoridades comunitárias são reconhecidas pelo próprio Estado, até porque este deve pagar subsídio, conforme diz a alínea e) do articulado quinto do Decreto 15/2000 de 20 de Junho.

“No exercício das suas funções, as autoridades comunitárias gozam dos seguintes direitos ou regalias: receberem um subsídio resultante da sua participação na cobrança de impostos”. O mesmo artigo diz, noutras alíneas, que estas autoridades têm o direito de “ser reconhecidas e respeitadas como representantes das respectivas comunidades locais; usar os símbolos da República; participar nas cerimónias oficiais organizadas localmente pelas autoridades administrativas do Estado; e usarem fardamento ou distintivo próprio”.

Sobre o subsídio, o seu pagamento termina no secretário de bairro, não sendo extensivo ao chefe de quarteirão. É por isso, diz o secretário de Matlemele, que os responsáveis de quarteirões fazem cobranças para dar alguma declaração de proveniência ao residente que queira declaração.

“O chefe de quarteirão cobra 100 Meticais. Esse valor é para o seu trabalho interno no quarteirão, uma vez que não tem subsídio, e a compra do papel, caneta, crédito e outros meios de trabalho custam dinheiro.”

O certo é que, enquanto não existir nenhuma base legal sobre os valores cobrados ao cidadão pelas lideranças comunitárias, a sua definição vai continuar a ser subjectiva e até a impor-se como condição para ter declaração de bairro.

A estrutura administrativa dos órgãos locais do Estado é, a partir do nível mais baixo, a seguinte: chefe de povoação, chefe da localidade, chefe do posto administrativo e, por fim, administrador do distrito. Já nos órgãos de poder local, isto é, descentralizados, estão os Governos provinciais e conselhos municipais, que têm vereações (estes últimos), incluindo os vereadores de distritos municipais.

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