O País – A verdade como notícia

“Mudanças climáticas têm um efeito bastante crítico no desenvolvimento industrial”

O presidente da Associação Industrial de Moçambique (AIMO), Rogério Samo Gudo, diz que os desastres naturais que têm afectado Moçambique constituem um grande peso para o desenvolvimento industrial do país. Os custos de manutenção das infra-estruturas tornam-se elevados e a actividade torna-se onerosa. Outro desafio é o difícil acesso à tecnologia.

 

Moçambique já foi uma referência em termos de produção industrial e, neste momento, o sector industrial contribui com menos de 9% para o Produto Interno Bruto. Enquanto presidente da Associação Industrial de Moçambique (AIMO), que trabalho é que está a desenvolver com vista ao resgate do prestígio nacional neste sector?

O que nós temos estado a fazer, como AIMO, primeiro, nós desenvolvemos um plano estratégico para os próximos cinco anos, e, com base no plano estratégico, desenvolvemos um plano de acções, e uma das actividades que desenvolvemos foi em parceria com a Fundação SOICO, um programa que se chama “Os caminhos da industrialização”, cujo objectivo era resgatar a nossa história, para nós podermos aprender com aqueles que fizeram história industrial neste país e compreender as nuances. Vínhamos de uma economia fechada, centralizada, e hoje estamos com uma economia aberta. Portanto, era importante compreendermos as dinâmicas, os sucessos e insucessos, quem foram as pessoas que desenvolveram as políticas, qual foi o pensamento nessa altura e quem foram as pessoas que a implementaram.

 

Feito esse trabalho, hoje, o que é que se pode dizer sobre caminhos para a revitalização da indústria?

Bom, aprendemos bastante. Agora podemos dizer que compreendemos melhor a nossa história. Aquilo que o país foi, que é a nossa fonte de inspiração para todo o trabalho que nós temos estado a fazer até agora. Focalizamo-nos no desenvolvimento do empresariado nacional industrial nacional – formação e capacitação – para que eles possam competir num novo ambiente de competição. Temos, também, estado a desenvolver ligações empresariais – significa ligar os nossos membros ao mercado local como estrangeiro, permitindo que eles possam ter mais exposição e parcerias, atracção de investimento externo. Igualmente, discutimos de que forma é que nós podemos melhorar os processos de financiamento para a indústria. São financiamentos bastante especializados. Os nossos bancos comerciais não são adequados para o tipo de actividade que nós fazemos. Temos estado a discutir com diferentes parceiros. A infra-estrutura é cara, a própria logística é cara para aquilo que é a competitividade industrial aqui no nosso país.

 

Quando falamos em revitalização da indústria, renasce a esperança de ver o ressurgir de gigantes da nossa indústria no passado – o caso da Mabor, da Vidreira… O que é que se pode dizer hoje em termos de possibilidades de voltarmos a ter estas indústrias activas e, olhando para as novas dinâmicas do mercado, os novos modelos de distribuição dos produtos no mercado nacional, ainda são pertinentes?

Vamos dizer que sim, mas a realidade mostra claramente que não estaríamos em condições de ter aquele nível de indústria, provavelmente para novos segmentos, porque a própria indústria no mundo está a readaptar-se. Os avanços tecnológicos moveram para novos segmentos de produção industrial. O que Moçambique deve é aproveitar para absorver o máximo possível das potencialidades que tem para poder posicionar-se melhor e poder competir com as outras geografias industriais. Nós não podemos esquecer que Moçambique também está a competir a nível global e regional, em termos de produção industrial. Portanto, temos de absorver o máximo possível das possibilidades que este ambiente macroeconómico oferece ao nosso país, absorver a tecnologia, criar um ambiente propício para atrair mais investimento directo estrangeiro, formar – hoje em dia, nós falamos de uma indústria muito mais sofisticada do que era antes, em que a indústria é de capital intensivo, porque a tecnologia também é de capital intensivo. Significa que também temos de ter pessoas preparadas para essa nova realidade. Portanto, a nossa formação desde a técnico-profissional, precisa de ser revitalizada. Está aí uma base, acho que em termos de investimento, que o Estado precisa de fazer. Temos de dar maior atenção às disciplinas das ciências exactas, a Matemática, a Física, a Química…

 

Quais são os maiores desafios que o país enfrenta hoje quando pensa na revitalização da indústria?

Bom, o primeiro é a capacitação. A nossa capacitação não é competitiva. Ela não se ajusta às necessidades do mercado, sobretudo a nível de produção industrial. Não temos a capacidade de produzir com eficiência e produtividade necessárias para competir com outros mercados. A segunda questão é a nossa infra-estrutura. O custo da infra-estrutura é extremamente alto e, também, não tem a qualidade necessária para o nível de eficiência que se exige das indústrias. Quando falamos das estradas, das nossas pontes, de qualidade e acesso à energia eléctrica, à água, às telecomunicações, esses todos são factores extremamente importantes…

 

…Que conjugados impactam negativamente… qual é o papel a AIMO está a desempenhar no sentido de ajudar a minimizar estes constrangimentos? Que influência é que está a exercer junto do Governo para ver minimizados esses factores impeditivos?

Nós temos estado a sensibilizar, a promover um conjunto de iniciativas, não só do lado do Governo, inclusive do lado de outros parceiros. Em 2021, foi lançado o PRONAI. É um programa que teve uma participação activa da Associação Industrial de Moçambique, em que, na altura, nós queríamos a actualização da nossa estratégia e política industrial, e o Governo sugeriu que deveríamos encontrar um modelo que achamos que é adequado, o PRONAI, porque aborda um conjunto de temas que ajudam a encontrar soluções. Infelizmente, o programa ainda não deu os passos necessários, mas uma das áreas que nós sempre discutimos, além da formação e infra-estrutura, como me referia, é a questão de acesso ao financiamento adequado à indústria.

 

Vamos tocar nesta questão do financiamento. Falou agora do PRONAI (Programa Nacional de Industrialização) que foi aprovado em 2021, dentro de um contexto em que o país já tinha também uma política e estratégia de industrialização. O que é que o PRONAI iria trazer de adicional para este instrumento legal que já existia?

É mais uma focalização e uma actualização de alguns segmentos da indústria. O instrumento, quando foi feito, foi discutido e, em 2014/2015, mais ou menos, foi lançado. Em 2020, entramos para a pandemia da COVID-19, e sentimos a necessidade de o actualizar, para estar mais realístico. Lembre-se que, durante a pandemia, a indústria foi um dos sectores que foi muito questionado sobre a capacidade de trazer soluções. Falávamos, na altura, das máscaras de protecção. Uma simples máscara era um grande desafio para o mercado moçambicano, porque não havia acesso. O álcool em gel… tivemos indústrias que tiveram de alterar as suas linhas para dar resposta a esta questão. Depois deste momento, e tendo em conta que, ao longo do processo, houve uma enormíssima evolução de aceitabilidade das tecnologias de informação e comunicação. Nós achamos que aquele era o momento de nós olharmos a nossa política e estratégia e ajustá-la à nova realidade.

 

Quando olhamos para a política e estratégia industrial que tinha como objectivo, em 10 anos, trazer alguns resultados em termos da revitalização da indústria, colocando de lado alguns constrangimentos como este da COVID-19, como um dos factores que impactaram negativamente para o desempenho do sector da indústria, o que é que se pode dizer agora, na véspera do término do período que se definiu, em termos de resultados que o país já conseguiu lograr dentro deste período?

Foi muito pouco, mas o próprio PRONAI é resultado dessas discussões que nós temos estado a fazer no dia-a-dia. Muitas indústrias novas surgiram, mas tivemos várias também que fecharam, e o ambiente que nós vivemos hoje em dia está mais propício ao investimento industrial do que antes, o que significa que esta sensibilização e cada vez melhor entendimento naquilo que tem sido o debate público-privado tem estado a fazer com que o ambiente de negócio industrial seja cada vez melhor.

 

Se o programa nacional de industrialização é um aprimoramento da política e estratégia de industrialização, pode-se dizer que este instrumento, neste momento, já está a responder aos desafios actuais do sector ou há necessidade de aprimorar ainda mais?

Bom, há um conjunto de factores determinantes, que estão ainda a ser implementados. Alguns não na velocidade que nós esperávamos. Isso também, de certa forma, retarda aquilo que é a perspectiva do próprio programa, mas, fora disso, vai acontecer um conjunto de coisas novas. Quando nós falávamos do PRONAI, ainda se falava do início da guerra, eventualmente, podia haver uma guerra, mas hoje estamos a viver um fenómeno bastante crítico, porque a guerra na Ucrânia, de certa forma, tem um impacto directo na nossa economia, porque nós importamos quase tudo. Temos visto que os custos, não só da logística como dos materiais que nós importamos, têm estado sistematicamente a crescer; o acesso a investimento baixou bastante em Moçambique, e compreendemos as razões. O capital vai para onde, eventualmente, houver mais necessidade. Portanto, cada vez menos o investimento vem para Moçambique.

 

Estes factores externos vêm afectar o optimismo que, pessoalmente, sempre teve em relação ao PRONAI enquanto um ponto de inflexão que iria ditar a viragem nos resultados do sector?

Não, não afectou. Nós continuamos optimistas. O que nós temos agora, como nossa agenda, é mobilizar as mentes, as vontades e atitudes para que, cada vez mais, os diferentes actores [se foquem] em segmentos que achamos que podem trazer um impacto importante para o processo de industrialização. A área de recursos naturais é extremamente importante neste momento. Nós precisamos de uma massa crítica sob ponto de vista não só de projectos mas também de oportunidades. Se juntarmos aquilo que está a acontecer na indústria extractiva e na agricultura, nós podemos viabilizar novas cadeias de valor. Portanto, conteúdo local, a produção nacional é aqui chamada para dinamizar os processos de industrialização.

 

E como é que a Associação Industrial está a assumir um papel relevante para impulsionar estes sectores que julga estratégicos no cômputo da transformação da indústria nacional?

Nós já trazemos boas experiências através do investimento que já foi feito aqui desde 2020 – a Mozal, as ligações empresariais, o Linkich, o Mozlink, por aí fora. São modelos que nós achamos que são extremamente importantes e atractivos, porque criam uma dinâmica à sua volta, que permite que as pequenas e médias empresas também encontrem oportunidades. O que nós estamos a dizer é que as experiências que essas empresas têm podem ser expostas para mais outras áreas de serviços ou de fornecimento de serviços e equipamentos. Se estas indústrias todas, através de uma plataforma única, consolidarem as suas necessidades, as compras, isso vai gerar um mercado extremamente atractivo para novo tipo de investimento em Moçambique. Isso é industrialização,  é geração de emprego,  é geração de diferentes cadeias de valor para a nossa economia.

 

Disse que a indústria demanda um capital intensivo. Olhando para o acesso a financiamento, que aponta como sendo um dos grandes desafios do sector, a AIMO tem alguma possibilidade de intervir no mercado e conseguir alguns fundos mais bonificados para impulsionar o sector?

Nós, como AIMO, não temos, mas temos estado a discutir isso com parceiros e inclusive com o próprio MIC. O PRONAI também prevê um fundo de desenvolvimento industrial, e achamos que é um instrumento extremamente importante para alavancar as indústrias. Do nosso lado, temos estado a falar com diferentes parceiros, como a Bolsa de Valores e várias outras instituições, também ligadas a capitais de risco, não só sob ponto de vista de conhecimento, para que os nossos membros possam aprender essas novas formas de financiamento, como também para mostrar que a indústria vê esses fundos como oportunidade de investimento para dinamização das nossas indústrias e nossas necessidades.

 

Alguns bancos também fazem parte da AIMO, certo?

Sim.

 

Que papel é que desempenham na captação da sensibilidade das necessidades existentes no sector?

Foi mesmo nessa perspectiva, para que eles pudessem aprender melhor daquilo que são as nuances dentro dos processos de produção de todas as cadeias de valor, aquilo que são as oportunidades e os desafios para poderem adaptar os seus produtos às necessidades da indústria. Temos estado a trabalhar.

 

Já estão a trazer ofertas mais ajustadas às necessidades?

Estamos a trabalhar ainda. O que tem estado a acontecer no mercado – a taxa de inflação que tem estado a aumentar e as necessidades de ajustamento da nossa política monetária – também tem estado, de certa forma, a trazer um impacto naquilo que são as acções que nós temos estado a ter para a criação desses instrumentos que pudessem servir como alternativa para a indústria.

 

E quando olhamos para as respostas que podem advir da governação para os problemas da indústria, vemos a iniciativa da criação das zonas francas industriais como um ecossistema que ajuda na operação das indústrias no nosso país. Que resultado está a trazer?

O papel das zonas francas – parques industriais – é mesmo isolar os problemas, criar um ambiente propício para uma determinada actividade ou indústria e para ela poder desenvolver-se. Têm estado a ajudar bastante, mas, obviamente, esses parques estão dentro de uma economia com um conjunto de problemas que, de certa forma, também influenciam. Mas são modelos muito assertivos para o tipo de economia que nós temos, em que é preciso começar a resolver os problemas de alguma forma, e estimular um determinado segmento permite que, aos bocados, voltemos a tomar o controlo das nossas rédeas.

 

No cômputo geral, como é que está o ambiente de negócios?

Fora das questões a que me referi, ligadas ao mercado, também temos questões internas no nosso mercado. As mudanças climáticas têm um efeito bastante crítico no desenvolvimento industrial. Como sabe, a indústria são infra-estruturas e, sempre que há ciclones e chuvas, são afectadas. Isso significa que o custo de manutenção dessas infra-estruturas é um peso para a própria indústria. Mas fora desta questão, nós somos uma indústria que quer ser cada vez mais moderna, para melhor competir, e a inovação, o acesso à tecnologia, é um factor determinante para a competitividade das indústrias e até para as vantagens comparativas.

 

Existe um plano para a transformação digital?

Nós temos de nos adaptar. O país tem de se conformar com aquilo que são as melhores práticas no mundo. Repare-se que todas as empresas precisam de capacitar, de se certificar e de inovar. Isto significa que têm de investir, senão deixam de existir. O desafio que nós temos é o acesso à tecnologia, que ainda é muito caro para a indústria moçambicana. Aliás, a tecnologia compra-se, mas também pode ser desenvolvida, e muitas das vezes as empresas não têm a capacidade de desenvolver por si próprias, então recorrem às universidades e outras instituições vocacionadas. Nós temos as nossas faculdades e temos estado a incentivá-las para que os estudantes possam, também, servir como uma fonte de desenvolvimento da inovação e temos acordos com a Faculdade de Engenharia da Universidade Eduardo Mondlane para a troca de experiência, estágios e para atrairmos novas inovações para o sector industrial, e, através disso, tornarmos a nossa indústria cada vez mais competitivas. A tecnologia veio para ficar. Quem não inovar, não adoptar a tecnologia, corre o risco de perder o mercado.

 

E quando falamos da inovação tecnológica, modernização da indústria… temos capacidades técnicas para responder às demandas do mercado?

Sim e não. Vou dizer sim, porque algumas empresas, sobretudo as que fornecem aos grandes projectos já estão expostas a essas empresas e têm dinâmicas próprias – formação contínua, certificação. Elas vão-se ajustando porque os clientes também vão exigindo. Elas estão prontas para dar a sua contribuição em outros sectores. Mas, por outro lado, temos sectores em que muito pouco de tecnologia é adicionado aos processos de produção, e aí é importante o papel da formação técnico-profissional, que é um dos grandes vectores para a geração de novas iniciativas e novas formas que vão levar a novas tecnologias.

 

E para além da resposta que se pode dar com a formação técnico-profissional em termos de inovação, ela também é útil porque a tecnologia a ser adquirida precisa de ser manejada e requer sempre competência técnica para o efeito. Nós estamos a apostar seriamente como país, na visão da AIMO, neste sector para potenciar ainda mais a indústria nacional?

Nós temos estado a fazer discussões e a apelar e tivemos várias reuniões com o Secretariado de Estado do Ensino Técnico-Profissional, passando as nossas preocupações e o nosso pensamento. Nós achamos que o ensino técnico-profissional é um instrumento para o desenvolvimento industrial em Moçambique, não só por causa da sua capacidade de poder, imediatamente, produzir. O meu curso foi de quatro anos, mas já com três anos de formação já conseguia desenvolver um conjunto de actividades. Portanto, os estudantes já saem prontos para responder às necessidades do mercado. Por outro lado, é um ambiente em que se pode produzir um conjunto de necessidades para o sector industrial – peças, assessórios – porque os estudantes, no processo de treinamento, podem desenvolver um conjunto de coisas que podem ser colocadas no mercado. São essas sinergias que são importantes – a ligação entre as empresas e as escolas técnicas – para permitir que elas sejam auto-sustentáveis, porque não podem depender 100% do Estado, porque há oportunidades. Muitas dessas escolas técnico-profissionais têm um equipamento que o sector privado não tem. Por exemplo, a rectificação. Muito poucas empresas têm essa capacidade de ter equipamento para rectificar peças, e podem recorrer [aos centros de formação técnico-profissional]. Portanto, pode-se criar uma dinâmica à volta dos centros de formação técnico-profissional que vão permitir que as empresas se tornem cada vez mais competitivas. Não só fornecimento de mão-de-obra, mas um conjunto de insumos, um conjunto de peças e até de equipamentos. E muitas das vezes, na experiência, muitas inovações, às vezes, vêm do ensino técnico-profissional.

 

E por falar em inovações que podem advir do ensino técnico-profissional, referiu que no contexto da COVID-19 algumas empresas tiveram de abandonar a sua linha de produção para dar resposta às necessidades da COVID-19, como a produção de máscaras, álcool em gel. Que respostas poderiam também vir de estudantes do ensino técnico-profissional? Houve algum incentivo nessa vertente.

Sim. Há um programa que se chama Field Ready. É uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior e uma empresa britânica, chamada Field Ready. Eles têm uma rede nos países africanos. Seleccionaram um grupo de estudantes no processo de formação deles para desenvolver um conceito de respirador. Tivemos um grupo de moçambicanos que participaram e nós vimos que é possível. Eles encontraram mecanismos, alguns mais mecânicos, outros mais eléctricos, mas desenvolveram. Nós tivemos um protótipo. Não chegamos a ter o produto final, mas desenvolveu-se o protótipo.

 

O que é que se pode dizer em termos de lições da COVID-19 para a indústria farmacêutica no nosso país?

Houve enormíssimas oportunidades. Acho que foi o momento em que o mercado se apercebeu de que não pode importar tudo. Há coisas que precisam de ser feitas localmente.

 

Já estamos a fazer aquilo que identificamos como sendo crítico e possível de ser produzido internamente?

Exactamente. Já estamos a produzir localmente. Muitas das vezes, o problema não é só de produzir. O problema é comprar localmente. Nós produzimos e ninguém compra. As pessoas começaram a aperceber-se de que é importante comprar, porque só dessa forma é que nós vamos criar um mercado e uma capacidade de produção.

 

Mas o não comprar tem a competitividade em relação ao preço ou a outras questões relativas à qualidade?

Não vou dizer que tem a ver com a qualidade, porque se compram hoje e não compravam há um mês… muitos dos produtos da Companhia Nacional de Medicamentos, uma companhia com práticas internacionais; faz parte de uma rede de indústria que também existe no Brasil, o que significa que eles têm uma boa qualidade e disponibilidade de medicamentos.

Como é que a associação industrial aborda as preocupações relacionadas à sustentabilidade ambiental e responsabilidade social das indústrias?

É um dos nossos vectores. É nossa preocupação para que as nossas indústrias sejam sustentáveis e também responsáveis. Estamos a viver um momento em que temos de nos conformar, não só nos adaptarmos e fazer com que essas indústrias sejam cada vez mais prontas para as mudanças climáticas, mas também contribuir para que de uma forma responsável…. Nós temos parcerias com outras associações, por exemplo, para o uso das energias renováveis para uma produção cada vez mais verde. Nós também estimulam os as nossas indústrias para que possam reciclar. Temos algumas iniciativas nesse sentido.

 

Engenheiro Samo Gudo, ao terminar o seu mandato na AIMO, como é que gostaria de deixar o seu trabalho, sob ponto de vista de raízes e bases para a transformação necessária?

A nossa maior ambição é podermos trazer um diálogo que seja sustentável e que seja contínuo para compreendermos que os problemas de hoje podem ser outros amanhã, e conseguimos ver isso. Vemos fenómenos novos como a pandemia da COVID-19 e hoje estamos a viver uma guerra que não esperávamos, e esses factores todos têm uma enormíssima influência naquilo que é a prestação da nossa economia e da nossa industrialização. Portanto, a nossa mensagem é que gostaríamos que o país aproveitasse o melhor possível daquilo que ele próprio, naturalmente, oferece – os seus recursos -, tanto a nível de homens. Nós temos aqui jovens bastante competentes e competitivos. Precisamos de os ajustar às necessidades de desenvolvimento deste país. Nós vimos vários exemplos. Temos de moçambicanos nas minas. São os melhores. É a melhor mão-de-obra que existe, e por que é que não vai ser no seu próprio país? Nós temos recursos naturais, temos água e temos terra arável. Hoje falamos do gás. Temos todos de dinamizar o máximo possível desses recursos para a dinamização da nossa economia. E a melhor forma de o fazer é através da industrialização, porque tem um conjunto de processos que permite uma melhor organização da nossa economia. Falamos da formação, que é muito específica, a certificação das empresas, o acesso à tecnologia, a necessidade de as empresas se conformarem com a tecnologia, a infra-estrutura… uma infra-estrutura adequada ajuda a organizar um conjunto de processos. Por outro lado, a indústria é um dos poucos sectores que trás uma enorme contribuição no PIB dos outros sectores. Nós agora falamos de 8,8%, com uma ambição para chegarmos aos 9,5%, nem estamos a falar de 10%. Mas a indústria de construção, por exemplo, tem uma grande produção. O cimento é produzido na indústria manufatureira.

 

Está firme nos resultados que a AIMO vai alcançar?

Penso que sim! Conseguimos perceber que o mercado está cada vez mais sensível aos processos industriais. Em 2020, quando nós começamos a conversar, praticamente, pouco se falava sobre a industrialização, e hoje nós vamos a uma CASP em que o tema principal é a indústria. Este é um ganho para nós, como industriais, e é aí onde nós achamos que existe uma oportunidade de o país poder compreender melhor aquilo que é a nossa agenda. E juntos podemos industrializar o país.

 

Rogério Samo Gudo é formado em engenharia electrotécnica pela Universidade Eduardo Mondlane e assume a responsabilidade de gestão em várias empresas ou em vários projectos. E agora vamos falar da Mcnet, uma das empresas voltadas a questões tecnológicas e é uma parceria público-privada para a facilitação do comércio internacional, através da janela única electrónica em Moçambique. Quão eficiente, eficaz, insustentável é esta plataforma?

Ela veio para retirar um conjunto de constrangimentos. Em 2009, o Estado moçambicano, depois de uma avaliação, viu que o sector alfandegário era o mais crítico em termos de reforma. Lançou um concurso público e aí se criou a janela única electrónica. Ela tem duas dimensões. Tem aquilo que chamamos de sistema aduaneiro e tem o sistema Tridnet, onde todos os outros parceiros de todo o ecossistema que está dentro da cadeia de valor de importação e exportação de mercadoria estão lá interligados. Essas duas dimensões são extremamente importantes para compreender, porque são elas que criam condições para que haja eficiência em todos os processos e a responsabilidade que cada um tem nesta cadeia toda. Nós, obviamente, como promotores ou como gestores, o nosso papel é garantir a funcionalidade do sistema, garantir a disponibilidade do sistema 24h/24h em todo o país. Para isso, nós fizemos um conjunto de investimentos. Para garantir a disponibilidade, primeiro temos de garantir as comunicações, a energia e usamos muito a energia alternativa dos painéis solares, dos geradores, para permitir que todos aqueles que jogam dentro da cadeia tenham sistema disponível para poderem fazer as suas transações.

 

Com toda esta facilitação, que melhoria teve o processo de desembaraço aduaneiro com esta plataforma em termos de tempo, custo e qualidade de monitorização?

Com a disponibilidade do sistema, imediatamente nós reduzimos o tempo de espera do processamento das mercadorias. Muitas vezes, as pessoas ficavam duas a três semanas à espera das mercadorias. Esse processo começou a ser imediato. Ora, em alguns casos, ainda fazem em 24h ou 48h. Obviamente, isso trouxe impacto na confiança, na transparência, na previsibilidade e, naturalmente, na redução de custo da transação na importação e exportação de mercadorias.

 

De que forma apostam na inovação tecnológica para que o sistema se ajuste ou se adapte a outros sistemas internacionais de facilitação do comércio?

Primeiro, internamente a janela única que nós lançamos em 2010/11 não é a mesma de hoje, porque ela vem sofrendo um conjunto de actualizações e ajustamento às necessidades do nosso próprio mercado e também do mercado externo. Por outro lado, ao longo desses anos, houve uma enorme evolução em relação à tecnologia. Hoje em dia, já temos também a inteligência artificial, que é uma das dimensões que ajudam bastante na tramitação da documentação. E também nós temos estado a investir sistematicamente para estarmos na vanguarda, para que os nossos parceiros à volta, sobretudo os actores comerciais, sintam que a janela única pode ser ajustada e adaptada às necessidades. Temos estado com os portos, com os agentes transitórios, agências de navegação e temos todos os bancos comerciais, o que significa que qualquer operador de comércio não precisa de ir a um determinado banco e pode fazer a transação a partir do seu banco. Também temos estado a cooperar com diferentes instituições como a Estatística, Banco Central no controlo cambial e também com outras diferentes entidades, por exemplo ministérios que estão dentro da cadeia e que emitem licenças na exportação de alguns produtos. É uma janela única que hoje em dia já está mais actuante e melhor organizada. Ainda há muito por se fazer.

 

E por falar em muito por se fazer, que desafios é que enfrentam?

São desafios próprios. Há cada vez necessidade de poder adaptar novas exigências. Temos ministérios que ainda não estão dentro da janela única. Estando, poderiam contribuir ainda melhor para a experiência de quem procura a janela única, no caso de os nossos utilizadores terem mais benefícios.

 

Existe uma proposta de eliminação da figura de despachante aduaneiro no processo para se estar em consonância com a perspectiva da Organização Mundial de Alfândegas. Quais são os prós e contras da eliminação da figura de despachante aduaneiro?

Isso faz parte daquilo que a OMC tem estado a desenvolver ao longo dos anos, que é desarmar todas as barreiras não tarifárias. Eles vão eliminando para permitir que a facilitação do comércio seja cada vez mais uma realidade. Essa é uma das áreas que a OMC e a AIMO concordaram que deve ser desarmada aqui em Moçambique e em outros países. As empresas que procuram os agentes de despacho aduaneiro poderão continuar a usá-los, mas já não é obrigatório.

 

Qual é a visão da Mcnet? É fundamental ou não a figura do despachante aduaneiro no processo?

O que nós temos que concordar é que a tecnologia tem estado a evoluir. As plataformas electrónicas e as pessoas têm estado a adoptar. Algumas pessoas poderão fazer sozinhas no computador.

 

O uso do sistema não demanda competências técnicas específicas?

Não tanto assim, porque acabamos de ter um ambiente em que qualquer importador poderá seguir um conjunto de etapas e o sistema está lá para o assessorar sobre todas etapas a seguir.

 

E quais seriam os constrangimentos da eliminação desta figura?

Obviamente, os nossos parceiros da câmara dos despachantes não vêem isso com bons olhos. Mas é um processo em que penso que eles não deixam de ter função. Eles vão continuar a ter, mas deixa de ser obrigatório.

 

A Mcnet tornou-se num digital com várias ofertas tecnológicas e, recentemente, ganhou um concurso no Município de Maputo e da Matola para a concepção, desenvolvimento e operacionalização de um sistema integrado de gestão municipal. Em que consiste efectivamente esse serviço?

Toda a experiência dos últimos 12/13 anos da Mcnet na reforma de serviços públicos e também usando as tecnologias de informação levou a que ela própria olhasse como uma oportunidade para apostar em novas áreas e a experiência de gestão da parceria público-privada. Os concursos públicos são uma parceria público-privada que significa que a Mcnet vai investir, nos próximos 10 anos, para a reforma. Exactamente o mesmo papel que está a desempenhar com as alfândegas vai fazer com os município de Maputo e Matola, que não é só disponibilizar no sistema, mas também ajudar na gestão do sistema para permitir que os munícipes tenham cada vez mais uma melhor experiência e que possam ter processos mais céleres, de modo a reduzir a burocracia. Muitos dos nossos munícipes, quando procuram o município, ficam todo o dia lá e, às vezes, é só para pagar imposto. Já o podem fazer via online, e a nossa plataforma vai poder mais além disso.

 

Este serviço reduz a mão-de-obra?

Cria oportunidades. Hoje em dia, o grande desafio que nós todos temos para desenvolver qualquer actividade é a planificação. Não significa que não tenhamos os desafios. A questão é de que forma podemos resolver os problemas. Precisamos de informação, precisamos de saber onde é que essas pessoas estão e quantas são. A informação precisa de ser extraída para ser sistematizada e planificada para um serviço específico. Aí o sector público e o privado deverão ter a oportunidade de poder intervir de uma forma mais estrutural.

Os 518 milhões de Meticais são para a concepção, desenvolvimento e operacionalização do projecto ou é apenas para esta fase inicial, mas há outras fases que podem demandar outros recursos?

518 milhões é aquilo que nós devemos investir no Município da Matola.

 

A adjudicação não pressupõe que é o que o município vai pagar pelos serviços?

É o que o município vai receber de serviços de tecnologias para permitir que ele seja cada vez mais eficiente, que possa colectar melhor receita, prover melhores serviços aos seus munícipes, mas que também possa planificar da melhor forma as suas actividades para que a edilidade se desenvolva.

 

E como é que o provedor deste serviço sairá a ganhar?

Vai através de uma percentagem que nós estamos a negociar com o município do valor da colecta da receita. Nos é que assumimos o risco neste caso.

 

Qual é o peso da solução tecnológica para a facilitação do comércio internacional na estrutura de negócio na Mcnet?

É de 100%. Nós, sem tecnologia e sem as ferramentas tecnológicas, não conseguimos fazer nada, porque é através delas que nós acedemos a essas actividades.

 

Refiro-me a um serviço específico elencado na janela única electrónica?

Neste momento, a janela única electrónica ela ainda tem um peso significativo, porque ainda estamos no processo. Mas as outras áreas estão ainda em desenvolvimento e o nosso objectivo é reduzir esta diferença.

 

E qual é a visão de longo prazo da Mcnet?

Sermos um smart house ou digital house que sirva a todos os cidadãos do país, a nível municipal, provincial e regional. Também queremos ser parceiros a nível de colaboração, inovação, implementação e a nível de gestão de qualquer solução que tenha a ver com os processos de digitalização. O grande desafio do mundo, hoje em dia, é a eficiência dos processos. Nós compreendemos que se não nos adaptarmos aos fenómenos… Quando nós falamos das mudanças climáticas, é preciso adaptar o país a esta nova realidade, tanto em termos de materiais como em soluções tecnológicas.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos