Das 194 pessoas diagnosticadas com o Coronavírus em Moçambique, a Saúde ainda não consegue identificar a origem da contaminação de mais de 30. Destas, a maioria foi descoberta através da vigilância activa nos hospitais. O facto coloca o país à beira de uma situação de transmissão comunitária da pandemia e se não houver medidas arrojadas para evitar o alastramento, mais indivíduos poderão ser contaminadas. O sistema de saúde poderá colapsar
O dia 22 de Março é para riscar do calendário de 2020. Foi nessa data que o Ministério da Saúde (MISAU) anunciou o primeiro caso (“importado”) da COVID-19 em Moçambique.
Com o primeiro paciente diagnosticado com a doença, houve o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto e os números têm estado a acrescer como cogumelos. De sábado para domingo, o país registou 26 novos casos.
A doença espalha-se muito rápido, tal como é característico da pandemia. O acampamento da Total em Afungi, distrito de Palma, província de Cabo Delgado, pode ser considerado a “bomba biológica” por ter sido onde mais caso são relatados pelo MISAU.
Apesar das restrições impostas no âmbito do Emergência de Emergência, ainda há novos focos de transmissão da COVID-19, cuja origem de casos confirmados no âmbito da vigilância activa é desconhecida. As cidades de Pemba, com seis casos; da Beira, com quatro; Inhambane (01) e Maputo (01) são alguns pontos nessa situação.
“Estes casos indicam a existência de novas cadeias de transmissão deste vírus em alguns locais, onde não haviam sido anteriormente reportados”, alertou o ministro da Saúde, Armindo Tiago, no dia 11 de Maio.
Nas províncias de Manica, Tete e Gaza não havia casos com COVID-19 reportados, mas já existem. Não obstante haver mais de 30 pacientes com a doença, cuja origem está a ser difícil identificar, o Instituto Nacional de Saúde (INS) considera prematuro considerar que o país já regista transmissão comunitária do novo Coronavírus.
“Numa situação como actual, de focos de transmissão, ainda se pode fazer um esforço intenso para cortar as cadeias de transmissão porque quando há transmissão comunitária, uma espécie de incêndio intenso a devastar uma floresta, o esforço tem que ser completamente outro que, provavelmente, passe a ser em salvar vidas”, explicou Sérgio Chicumbe, do Instituto Nacional de Saúde.
Para que se atinja o nível de transmissão comunitária do novo Coronavírus, há dois elementos a tomar em consideração, nomeadamente: o aparecimento de novas cadeias de transmissão cuja fonte é desconhecida e registo de muitos casos positivos da COVID-19 por dia.
Porém, o país já tem novas cadeias de transmissão e apenas ainda não registou muitos casos num dia. Por isso, Organização Mundial da Saúde classifica Moçambique como tendo epidemia baseada em focos de transmissão.
“A transição entre focos de transição para uma situação mais alarmante de transmissão comunitária é muito rápida e a qualquer momento podemos ter esta situação que é mais grave de transmissão comunitária instalada”, alertou Sérgio Chicumbe.
A transmissão comunitária da COVID-19 poderá significar alteração na demografia e a faixa etária das pessoas infectadas pelo vírus bem como levar ao colapso do sistema de saúde.
A partir daí, “vamos começar a ver, rapidamente, a mudança de perfil demográfico. Teremos mais crianças, mulheres e idosos infectados. E portanto, toda estrutura demográfica fica afectada e essa é a nossa preocupação. Poderão ocorrer casos de gravidade e temos visto que qualquer serviço de saúde, mesmo em países desenvolvidos com casos de gravidade em grande escala, colapsa e este é o nosso maior receio”, disse o interlocutor.
No continente africano, já são, pelo menos, 25 países que atingiram o nível de transmissão comunitária da infecção. Os casos mais próximos de Moçambique são da Zâmbia, Tanzânia e África do Sul.
Os países acima mencionados, que fazem fronteira com Moçambique, concluíram estar diante da transmissão comunitária da doença após realizarem mais de 1.000 testes da COVID-19 por dia.
O exemplo mais próximo é da África do Sul que, desde 16 de Março de 2020, realiza mais de 2.000 testes diários do novo coronavírus e até 09 de Maio já tinha feito mais 300 mil testes. Ora, desde a eclosão da doença, Moçambique já realizou mais de 7 mil testes, o correspondente a menos 300 testes por dia, sendo que o máximo da testagem foi a 23 de Maio em 400 pessoas suspeitas. Ou seja, em dois meses só testou um número correspondente a apenas quatro dias da terra do rand.
Até ao momento, o INS tem capacidade diária para testar até 600 suspeitos da COVID-19 e, em algumas ocasiões, já se tinha avançado com a possibilidade de testagem em massa, mas a vigilância sanitária continua a ser a aposta.
“Estamos a privilegiar as unidades sanitárias de maior afluxo de utentes, mas reconhecemos que é preciso cobrir as unidades sanitárias de saúde primária (centro de saúde) e outras onde, eventualmente, há cuidados mais diferenciados”, avançou o dirigente da Observação em Saúde no INS, Sérgio Chicumbe. Ele promete “vigilância activa nos centros de saúde até aos hospitais de referência”.
E porque o país está a poucos passos da transmissão comunitária do novo coronavírus, as autoridades recomendam o cumprimento das medidas de distanciamento social que constam do decreto presidencial sobre o Estado de Emergência como forma de evitar um cenário catastrófico.
“Se a gente conseguisse elevar o distanciamento social para 50 ou 70%, conseguiria retardar a instalação de transmissão comunitária, mas a continuarmos com uma interação social intensa, é pouco provável”, exortou o INS.
A interação social em Moçambique aumentou nos primeiros 15 dias do segundo período do Estado de Emergência quando comparado com o anterior, de acordo com a pesquisa do Google sobre mobilidade das pessoas neste período do coronavírus, o que poderá dificultar a contenção da doença.
É que em Abril, o trânsito rodoviário tinha reduzido em cerca de 33% e nos primeiros 15 dias de Maio, a redução foi apenas de 20%. Ou seja, há mais carros na via pública. O número de pessoas que trabalham a partir de casa também conheceu uma queda em 6% quando comparado com o mês passado que tinha disparado em 12%.
A mesma tendência de subida registou na ida aos locais de lazer tais como restaurantes, cafés, supermercados, parques temáticos, museus, bibliotecas e cinemas que tinha caído em 30%, mas que nas primeiras duas semana de Maio a queda foi apenas de 18%, o que equivale dizer que 12% das pessoas que ficavam em casa, já saem para passear no segundo período do Estado de Emergência.
“Vamos começar a ver, rapidamente, a mudança de perfil demográfico. Teremos mais crianças, mulheres e idosos infectados. E portanto, toda estrutura demográfica fica afectada e essa é a nossa preocupação. Poderão ocorrer casos de gravidade e temos visto que qualquer serviço de saúde, mesmo em países desenvolvidos com casos de gravidade em grande escala, colapsa e este é o nosso maior receio”