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Mia Couto deseja que Feira do Livro de Maputo beneficie jovens artistas

O escritor foi homenageado este sábado à tarde, na Feira do Livro de Maputo. Na sua intervenção, Mia Couto manifestou o desejo de que o evento organizado pelo Conselho Municipal beneficie jovens artistas, que muitas vezes não têm qualquer apoio para criar.

 

A literatura é um lugar de encontros. Segundo entende Mia Couto, é na arte da palavra que se estabelece essa linha de costura de tempos e de diferenças entre pessoas. Logo, um escritor nunca se apresenta sozinho. Pelo contrário, “O escritor é feito a partir de outros, é feito a partir dessa costura, desse ponto de encontro que o faz ser, ao mesmo tempo, ele próprio e tanta outra gente, tantas outras histórias, tantas outras vozes e tantos outros silêncios”.

Numa intervenção a oscilar entre o poético e o filosófico, bem a condizer com as características das suas obras, Mia afirmou que não vê a homenagem do Conselho Municipal de Maputo como um gesto que se destina a si, “mas a todos os que me fizeram ser quem sou. Alguns deles estão aqui. Portanto, eu tenho de partilhar esse mérito com a família, em primeiro lugar, com os amigos, com os colegas escritores e colegas biólogos, que me ajudam a ser quem eu sou”. E ainda reforçou: “Nós só somos quem somos se estivermos disponíveis para escutar os outros”.

Na sua intervenção, o escritor não se esqueceu do seu berço. “Eu não sou desta cidade, sou da Cidade da Beira. Como sabem, esse é o meu território fundador. A Cidade de Maputo recebeu-me quando eu tinha 17 anos e é como se esta cidade me tivesse adoptado”.

Adoptado ou não, Mia Couto vive na capital do país há 51 anos, o que lhe permite analisar as tendências redutoras dos munícipes locais. “Pensamos que a cidade termina ali, onde começa a periferia, mas esta cidade tem duas cidades, quase como todas as cidades do mundo, e há um grande risco de a outra cidade, que começa do outro lado, nessa outra fronteira, se tornar invisível. Mas nós temos de saber que há milhares de pessoas que cruzam essa fronteira, da periferia para o centro da cidade, como se fossem emigrantes, porque não encontram nesse outro lugar onde vivem uma maneira de sobreviver com emprego ou um lugar para se fazerem existir”. Disse, Mia, sem deixar de se incluir entre os munícipes que pensam dessa maneira: “Eu próprio avaliou o trabalho do senhor Presidente do Conselho Municipal por este território pequeno, e esqueço-me que Maputo é bem maior, que este Conselho Municipal tem de tratar também desse outro território que, para muitos maputenses, é um lugar não visível”.

Na opinião do escritor, Maputo tem vivacidade cultural que poucas cidades possuem. Também por essa razão, “Uma festa como esta, uma feira do livro como esta, deve ajudar que se tornem visíveis esses que vivem na sombra, que fazem cultura, que fazem arte. São centenas de jovens e que não têm apoio de ninguém, mas que não desistem de lutar, de fazer. Porque não podem cruzar os braços. As pessoas da cultura, infelizmente, não podem entrar em greves, porque isso seria como desistir da nossa própria existência”.

Sem deixar de se referir ao precursor da poesia moçambicana, Mia Couto sublinhou que “A obra de Rui de Noronha nos diz que a literatura é produtora de eternidade. É por isso que o Rui, por causa das palavras que ele fez, está aqui e venceu a barreira do tempo”.

Na sessão de homenagem, o escritor foi acompanhado pela esposa Patrícia, pelo irmão Fernando, pelos filhos Madyo, Luciana e Rita, e pelos netos. Tendo-lhes agradecido por contribuírem para pessoa que é, advertiu: “Estes meus familiares que estão aqui são poucos. Disseram-me que tinha de trazer alguns. Mas os Coutos são muitos. Estou a dizer isto quase como um alerta, porque o meu amigo Ungulani ba ka Khosa disse-me que tinha criado este nome literário porque, Ungulani ba ka Khosa quer dizer diminuam os Khosas. Eu acho que é preciso tomar atenção e, talvez, adoptar a expressão Ungulani ba ka Couto, porque os Coutos já são muitos demais”.

 

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