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Maputo vive o presente “perseguida” pelo passado, mas pensa sempre num futuro melhor

Da baía da boa morte à cidade de Maputo, os 132 anos de uma capital do país com história e arquitetura transformadas pelo trabalho dos que por cá passaram e cá vivem.

Chamavam-lhe a baía da “boa morte”, mas em 1544 quando aqui chegou, Lourenço Márquez viu vida e muito dinheiro, que podia resultar das trocas comerciais com os nativos e com os mercadores que inevitavelmente por aqui passavam.     

Para proteger este pedaço de céu na terra, os Holandeses construíram a 1ª estrutura da feitoria em 1721, reconstruída e rebatizada pelos portugueses em 1782 como Feitoria Lourenço Marques.

A feitoria crescia a olhos vistos e, em 1876, foi elevada à categoria de vila. Daí até a elevação à cidade, foram apenas 11 anos, e a 10 de Novembro, o Rei Luís I de Portugal elevou a vila à categoria de cidade: a cidade de Lourenço Marques.

Reinaldo Ferreira, o poeta português que muito jovem migrou a Lourenço Marques, foi quem cantou e amou Lourenço Márquez, e com ele chegou igualmente o nome de cidade do Feitiço.  

A metrópole enfeitiçava com a beleza dos seus edifícios, marcados com arquitecturas exuberantes, algumas das quais erguidas no século passado, outras, erguidas naquela época mas eram para eternidade.        

Enfeitiçava com o charme dos carros antigos num trânsito frenético na Avenida da República, tal e qual faz a sua herdeira, a Avenida 25 de Setembro, claro, com carros modernos.

Os mais românticos eram enfeitiçados pelas vagonetas, que significa pequeno vagão descoberto, através das quais os citadinos se faziam ao trabalho ou a lugares de lazer, principalmente para o cinema.

Entre as salas mais concorridas e mais icónicas da cidade de feitiço estava o Cinema Scala, um verdadeiro elixir para o feitiço da cidade de Lourenço Márquez.        

Mas nem tudo eram encantos. Tal como os de hoje, os de ontem só conseguiam olhar para as enchentes na agora Av. 25 de Setembro, impotentes

25 Parecia o número da sorte e, neste dia, no ano de 1975 o país ficou independente. Um ano depois a cidade é rebatizada com o nome de Maputo.                      

O nome era inspirado no Rio mas era na baía, também de Maputo, que os citadinos de outros tempos procuravam encontrar a preguiça de um dia diferente. Penduradas numa casa, as antenas denunciavam que depois da praia o domingo daqueles tempos passava por assistir a televisão.

Em dias úteis, entre a cidade cimento e subúrbio, fintava-se o desemprego com os táxis, hoje conhecidos como tchovas. Aqueles táxis carregavam mercadorias e eram empurrados por burros ou o próprio motorista.

Na hora do intervalo, ao meio dia, a malta toda reunia-se para uma partida de Ntchuva.  Para deixar as coisas interessantes, era preciso evitar vexames inúteis. “Hei atenção a esta brecha” alertava eufórico um dos jogadores.

Enquanto os homens trabalhavam, grande parte das mulheres ia ao mercado para comprar produtos para confeccionar a alimentação. Eram alimentos diversos, tal como é hábito nos dias actuais.

Mas no bazar não haviam só vendedeiras. Alguém se lembra de pousar enquanto o fotógrafo mexia aqui, mexia ali na câmera e a foto saia depois de mergulhar o papel na água?

Provavelmente alguns, para quem não pousou esta é a oportunidade para ver como era antes dos smartphones. E para quem queria fugir das fotos, dos prédios e da azáfama da cidade, o Expresso Bilene era uma das alternativas, e Bilene um dos melhores destinos.

E passando pela agora Avenida Eduardo Mondlane, o Expresso Bilene saia de “Xilunguíni”, como era conhecida principalmente entre os transeuntes que para grande cidade em busca de oportunidade de vida melhor.

MAPUTO DE HOJE
A cidade de duas caras começa a ganhar vida logo pela madrugada. No escuro, a luz da ponte Maputo-Katembe serve de farol para um futuro melhor, com novas oportunidades e novos empreendimentos.  

Apesar deste vislumbre, e de Maputo se ter casado com o futuro, a verdade é que a metrópole nunca conseguiu se divorciar do seu passado, talvez por isso, o povo de hoje debate-se com os problemas de ontem.

E destes “eternos” problemas, o destaque vai para o saneamento. “Isto aqui anda muito sujo faz muito tempo” criticava sorridente Flávia José, afinal, era acima de tudo o aniversário de sua amada cidade.

O lixo é um dos principais, mas uns empurrões aqui outros ali, é difícil não notar outros problemas, aliás, Daria Karina, outra munícipe, recorda que é preciso dar mais atenção também a questão do transporte.

Para além do transporte e do lixo, há vários outros problemas, e talvez pela quantidade, Adérito teve dificuldades de descrever um deles. “É preciso ter atenção ao saneamento” explicou.

Mas os problemas têm solução e, para Pedro, passa por melhorar a questão da recolha do lixo na cidade. Celino Banze concorda, mas acrescenta que é mais do que recolher, “é preciso repensar a cidade”.
Marcelino Pangaia é relativamente mais radical e levanta a possibilidade de se construir uma nova cidade para que os problemas enfrentados nesta metrópole sirva de exemplo para as outras metrópoles.

Enquanto a nova cidade não chega, as antigas glórias vão cedendo ao inevitável tempo, esquecidas pelo povo, afogam a solidão albergando os esquecidos pela sociedade.

Tal como em tempos idos, quanto mais afastado da cidade cimento, mais os problemas se agravam.

Assim como estes táxis que resistiram inalteráveis, entre os becos dos bairros periféricos, o casal madeira e zinco resiste às tentações da moda, trazendo a nostalgia de outros tempos, e quando a estrutura cede, a história permanece indelével.

O capim cresce no lado-a-lado dos futuros Messis, que vão tentando aparecer para o mundo. Este cenário hostil a saúde pública repete-se vezes sem conta nos bairros da cidade subúrbio.

“Toda a parte fora da cidade consolidada precisa de muito esforço e investimento” alertou o Professor especialista de cidades e arquiteto, João Tique, acrescentando que os problemas ainda não são graves mas precisam ser resolvidos.      

Aliás, o Professor especialista de cidades e arquiteto, defendeu que é preciso que a periferia da cidade de Maputo possa alcançar o mesmo desenvolvimento que a parte central da metrópole alcançou.

Apesar do estágio actual, João Tique explica que à antiga Lourenço Marques reservam-se vários outros desafios, como o da necessidade de investimento, mais mobilidade assim como a necessidade de se olhar para o comércio de rua.

Os problemas estruturais, a falta de recursos, os problemas de saneamento, assim como as novas construções têm pressionado a cidade de Maputo, uma vez que ela não estava preparada para esta avalanche.

A nova realidade agravou velhos problemas, aos quais serão aplicados principalmente as soluções de outros tempos. O deficiente saneamento contrasta com segurança nas ruas.

A cidade está cada vez mais segura e vários tipos de crimes foram fortemente combatidos garantiu o porta-voz da Polícia da República de Moçambique ao nível da cidade, Leonel Muchina.

Esta é a cidade de Maputo, onde cada rosto é uma vida, cada edifício uma história e cada dia uma nova oportunidade para os mais de um milhão de habitantes distribuídos em 300 quilómetros quadrados.

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