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Manuel Chang: um ano de prisão e batalha judicial entre dois Estados

Fez as malas há 12 meses. O plano era passar a transição do ano algures na “cidade do futuro”, mas o futuro reservara-lhe (até agora) um ano na prisão. Fez apenas 600 dos cerca de 11 200 quilómetros que separam Moçambique de Dubai. A transição 2019-2010 será passada em uma cela.

Foi numa data como hoje, 29 de Dezembro, que Manuel Chang foi detido no Aeroporto Internacional Oliver Thambo, em Joanesburgo, África do Sul, quando pretendia viajar para Dubai. A detenção aconteceu no âmbito de um mandato de captura emitido pela justiça dos Estados Unidos da América (EUA), que acusa o ex-ministro das Finanças de envolvimento em casos de crimes financeiros, relacionados às dívidas ocultas de 2.2. biliões de dólares.

A notícia surpreendeu a todos, afinal era a primeira vez que um governante moçambicano era preso no estrangeiro. Dia seguinte, 30 de Dezembro agendou-se a primeira audição do caso. Os nervos estavam a flor da pele, incluindo por parte dos advogados sul-africanos que defendem o ex-ministro.

Tribunal de Kempton Park deixou de ser um nome estranho para os moçambicanos. Aconteceu naquele local, em primeira instância, a análise do processo de extradição. Primeiro com um único pedido americano e a partir de meados do mês de JANEIRO com um pedido concorrente de Moçambique. Ainda em Janeiro, a defesa de Manuel Chang pedia a libertação condicional de Manuel Chang mediante pagamento de caução, enquanto em Moçambique o Tribunal Supremo pedia a Assembleia da República o levantamento da imunidade do ex-governante.

Em Fevereiro foi rejeitado o pedido de liberdade provisória, tendo a justiça sul-africana justificado a existência de um grande risco de fuga. De Fevereiro em diante seguiram-se sucessivos adiamentos ao anúncio da decisão em resultado de recorrentes novos pedidos por parte dos advogados que defendem Chang.

Em Março, Manuel Chang manifesta o desejo que fosse o Ministro da Justiça, Michael Mashuta a decidir sobre o seu futuro, alegando que o juiz Wiliam Schutte não tinha competência para o efeito. Na mesma altura na capital moçambicana, Maputo, eram acusados 20 arguidos acusados de envolvimento no mesmo esquema das dívidas ocultas. Para Manuel Chang e mais três arguidos foi aberto um processo autónomo.

Finalmente em Abril, o Tribunal de Kempton Park decide e anuncia que há condições para a extradição do ex-ministro das Finanças e deputado da Assembleia da República para Moçambique e para os Estados Unidos da América e que a decisão final estaria nas mãos do Ministro da Justiça e Serviços Correcionais.

E o Ministro Michael Mashuta toma a sua decisão depois de mais de um mês e no último dia do seu mandato. A 21 de Maio, decreta que Chang seria extraditado para Moçambique, tendo pesado para decisão o facto de o ex-ministro ser cidadão moçambicano, os crimes terem sido cometidos em Moçambique e a dívida afectar o país.

A burocracia da extradição até chegou a iniciar mas o processo sofre uma reviravolta dois meses depois, em Julho, quando a sociedade civil moçambicana contestou a decisão e o novo ministro da Justiça, Ronald Lamola manda rever a decisão do seu sucessor, afirmando ter violado a lei a ignorar a imunidade de Manuel Chang como deputado.

A batalha judicial sofre um interregno de três meses e regressa em Outubro, um dia depois das eleições em Moçambique. Desde essa altura as partes esgrimem argumentos no Tribunal Superior da África do Sul, divisão de Gauteng, em Joanesburgo. Nesta fase, além dos advogados de Manuel Chang e o Ministério Público Sul-Africana, haviam mais três partes no processo, nomeadamente os advogados do Ministro Lamola, a fundação Helez Suzman e os advogados da Mabunda Incorporated, contratados pelo Estado moçambicano para defender o ex-ministro.

Em Novembro, o Tribunal Superior repete a decisão tomada pelo Tribunal de Kempton Park e redetermina que Chang é extraditável para Moçambique e Estados Unidos. Aliás, nos Estados Unidos, sobre o mesmo processo decorria o julgamento do caso, tendo o libanês Jean Boustani como réu no processo em que Manuel Chang também é acusado.

Das revelações feitas pelo Departamento de Justiça americano em sede do Tribunal de Brooklyn nos Estados Unidos ficou-se a saber que Manuel Chang terá reunido com Boustani antes de 2013, recusando o modelo de financiamento que o libanês propunha e apresentado uma contraproposta segundo o qual o pagamento das dívidas devia ser feito em 20 anos, com cinco anos de período de graça. Mas após a suposta aprovação do projecto pelo então Presidente da República, Armando Guebuza, Manuel Chang terá assinado as garantias de endividamento.

As provas rastreadas pelo FBI indicam que o chamado Chopstick terá recebido cinco dos sete milhões que lhe haviam sido prometidos. Queria abrir um banco e financiar a sua campanha para deputado da Assembleia da República.

De volta a África do Sul, mais recentemente o Tribunal Superior negou autorizar Moçambique a recorrer a decisão que anulou a extradição para Maputo. Janeiro de 2020 deverá ser mês de mais um capítulo desta novela pois os advogados do Estado moçambicano pretendem agora recorrer ao Tribunal de Apelação de Bloemfontein para impedir que seja o ministro Lamola a decidir o caso. Em caso de insucesso há ainda espaço para recurso no Tribunal Constitucional.

 

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