O juiz do Tribunal Comercial de Inglaterra e Gales, Robin Knowles, fixou a data para a realização do julgamento do processo aberto pela República de Moçambique contra o Banco Credit Suisse, visando livrar o Estado de ter de pagar as chamadas dívidas ocultas.
O acórdão surge após o pedido do Credit Suisse para que o processo fosse anulado pelo facto de Moçambique não ter cumprido integralmente a instrução do tribunal para apresentar documentos relevantes, supostamente na posse da Presidência da República e do Serviço de Informação e Segurança do Estado.
Após analisar os argumentos, o juiz concluiu que “não é justo, proporcional ou necessário anular as alegações ou pedidos da República de Moçambique, ou impedi-la de defender, nesta fase. No entanto, todas as possibilidades permanecem em aberto até ao julgamento que vai decorrer dentro de três meses”, escreveu o juiz no acórdão publicado no dia 2 de Julho corrente, em Londres, no Reino Unido.
Apesar de ter marcado o julgamento para o dia 2 de Outubro, com duração de três meses, ou seja, até Dezembro de 2023, o juiz não deixa de lado a possibilidade de vir a cancelar o processo se o Estado moçambicano não apresentar documentos tidos como relevantes.
O juiz marcou o julgamento por reconhecer que, após ter dito, em Março, que as autoridades nacionais, nomeadamente a Presidência da República e o Serviço de Informação e Segurança do Estado, se recusavam a fornecer documentos que sustentam as alegações de Moçambique, houve alguns esforços nesse sentido e após deixar garantias de que os documentos que contivessem matérias classificadas e de segurança de Estado não seriam divulgados.
“O plano pode incluir qualquer pedido ao tribunal para preservar a confidencialidade de qualquer documento a divulgar, ou para que o tribunal considere isentar um documento de divulgação, incluindo quando não é de relevância central para o processo e seja classificado como segredo de Estado”, esclarece o documento.
No acórdão, o juiz diz que houve também avanços após a reunião entre a Procuradoria-Geral da República, representada pelo Procurador-Geral-Adjunto, Vasco Matusse, e o escritório de advogados que defende o país em Londres, a Peters & Peters, com o Presidente da República, Filipe Nyusi. Tal permitiu uma pesquisa mais aprofundada nos arquivos físicos e electrónicos da Presidência da República, apesar da limitação pelo facto de os computadores não estarem ligados a servidores para o armazenamento de informações. Mesmo assim, foram encontrados alguns documentos, mas não todos que foram solicitados pelo juiz.
A busca de documentos foi efectuada no Gabinete do Presidente da República, nos Gabinetes dos Conselheiros do Presidente da República, da Chefe de Gabinete e na Secretaria-geral da Presidência. Ao nível electrónico, apenas quatro computadores foram alvo das pesquisas na Presidência, uma vez que os documentos estavam armazenados em cada computador.
A mesma pesquisa aprofundada foi feita no SISE, no entanto sem grandes sucessos, em parte porque, normalmente, os dirigentes superiores da instituição não podem usar ostensivamente aparelhos electrónicos e mesmo o arquivo de certos documentos é limitado, bem como o seu acesso.
Mas, para o caso específico das dívidas ocultas, há que considerar o seguinte: “Os representantes do SISE consideraram que as pessoas com cargos no SISE e que estiveram envolvidas ou alegadamente envolvidas nas transacções relevantes em causa (Sr. Gregório Leão, Sr. Cipriano Mutota e Sr. António Carlos do Rosário) actuaram sempre a título pessoal. Foi expresso o ponto de vista de que estas pessoas não teriam permitido que qualquer material relacionado com actividades desonestas entrasse ou permanecesse no SISE, e poderiam ter escrito cartas em papel timbrado do SISE fora da instituição, pedindo às suas secretárias ou a outras pessoas que fornecessem números de referência, sem que qualquer cópia ou vestígio de tais cartas fosse conservado nos arquivos da instituição. O facto de uma carta ter um número de referência (ou mesmo um carimbo) não significa, na sua opinião, que tenha sido recebida pela instituição, ou correctamente arquivada como enviada pela instituição. Além disso, devido ao carácter hierárquico da instituição e à antiguidade dos senhores Leão, Mutota e Do Rosário, os seus pedidos não teriam sido questionados”, lê-se na sentença.
Na pesquisa ao SISE, não foi encontrada nenhuma documentação electrónica ligada aos três antigos dirigentes da secreta, alegadamente porque não usavam e-mails institucionais e Gregório Leão, como director-geral do SISE, não usava computador, pelo que foram pesquisados computadores do secretário do director do SISE e da Secretaria-geral, sem, no entanto, ter sido possível localizar documentos relevantes.
As buscas pelos documentos que sustentem a acusação feita pela República de Moçambique contra a Crédit Suisse obedecem a um critério que foi apresentado pela defesa do Estado junto ao tribunal e conta com uma lista de documentos solicitados pela parte acusada. Para facilitar a procura pelos documentos, foram constituídas mais de 400 palavras-chave que orientam as buscas, quer eléctricas quer físicas.
E em relação à dificuldade de encontrar os documentos, o juiz solicitou ao Crédit Suisse que ajudasse a apresentar os documentos que julga importantes, por entender que se os solicita junto do Governo moçambicano significa que os conhece e pode ter acesso a eles.
Outra das grandes dificuldades enfrentadas pelas equipas de pesquisas, lideradas por peritos da Procuradoria-Geral da República, junto de técnicos de informática e de arquivo físico da Presidência da República, assim como do SISE, é o facto de quase todos os então dirigentes superiores do Estado terem usado, à data dos factos, e-mails pessoais para tratar assuntos relacionados ao trabalho no lugar de corporativos.
No entanto, o juiz acredita que a disponibilização de certos documentos relevantes poderá acontecer até ao julgamento, e a demora pode ser apenas uma estratégia por parte dos defensores do Estado moçambicano no processo.