O presidente do Município de Maputo diz que ainda está a analisar em que circunstâncias a licença de construção da central de betão numa residencial foi emitida. Rasaque Manhique lembra que ninguém está acima da lei e promete uma solução justa e imediata. Nesta reportagem, “O País” traz, também, os contornos do licenciamento da central de betão no bairro Costa do Sol.
A atual edilidade de Maputo voltou a pronunciar-se sobre os polémicos documentos emitidos pelos seus antecessores que autorizam a construção de central de betão numa zona residencial na Costa do Sol.
O presidente do Município de Maputo quer, antes de tomar qualquer decisão, compreender em que contexto a empresa responsável pela central de betão adquiriu a licença de construção.
“O que nós devemos fazer é cumprir as normas, cumprir a lei. Ninguém está acima da lei. O que estamos a analisar é em que circunstâncias aquela licença de construção foi atribuída a essa entidade”, disse o Rasaque Manhique, presidente do Município de Maputo.
Não é difícil compreender as circunstâncias da atribuição quer da licença de construção da central de betão quer do título de uso e aproveitamento da parcela em causa parecem ser claras.
Os documentos foram emitidos e assinados em Dezembro de 2023 por Silva Magaia, então vereador do pelouro do Ordenamento Territorial, Ambiente e Construção. Isto aconteceu depois de uma tentativa fracassada dos munícipes de travar o avanço da obra.
Vamos aos factos. A construção da central de betão começou entre os meses de Janeiro e Fevereiro sobre a parcela 660A, sem ainda qualquer tipo de autorização.
Através de encontros, exposições feitas ao Município de Maputo, queixa à Procuradoria da Cidade de Maputo, os residentes do bairro Costa do Sol contestavam a infra-estrutura por estar numa zona residencial e, por isso, teria impactos negativos na saúde e no meio ambiente. Os munícipes denunciavam a ilegalidade da infra-estrutura.
No meio disto tudo chegou a haver suspensão da obra pelo Município de Maputo e o embargo da obra pelo Ministério Público. As duas decisões foram, estranhamente, revogadas.
É no contexto desta confusão que surgiram, em Dezembro de 2023, documentos do município de Maputo para dar luz verde ao projecto de construção da central de betão que, na verdade, vinha decorrendo sem documentação. Sucede, porém, que os documentos aparecem errados e cheios de contradições.
Ora vejamos: no DUAT assinado por Silva Magaia no dia 18 de Dezembro de 2023, o Município de Maputo concede poderes à empresa Africa Great Wall Concrete Manufacturer, representado por Mungone Manguele, para explorar a parcela 660A, composta pelos talhões 5.139 e 5.140, o que equivale a uma área de 10 mil metros ao quadrado, através do uso misto, especificamente, habitação, comércio e serviços.
De forma detalhada, lê-se no DUAT : “Mais se informa que dentro do prazo doze meses, contados a partir da data de recepção da presente comunicação de despacho, deverá apresentar o projecto de infra-estruturas a construir para efeitos de aprovação e licenciamento, conforme os parâmetros urbanísticos previstos no Plano Parcial do Bairro Albasine.
E sobre a mesma parcela 660A, isto já no dia 27 de Dezembro do ano passado, o município de Maputo atribuiu uma licença em nome de Mungone Manuel para a construção da central de betão a ser feita pela China Construction Sausum Mozambique CO. limitada, conforme atesta esta documento a que tivemos acesso.
Apercebendo-se do desalinhamento entre as finalidades para as quais o DUAT emitido sobre a parcela 660A e o ser feito no terreno, a empresa chinesa solicitou ao Município de Maputo a desanexação de alguns talhões e a alteração do tipo de empreendimento a ser construído.
Mais uma vez, Silva Magaia é que esteve à frente da mudança das finalidades do DUAT sobre a parcela em causa, conforme atesta este despacho de 18 de Dezembro a que tivemos acesso.
Nele lê-se que foi autorizada e passamos a citar:
“A desanexação dos talhões 5.136, 5.137 e 5.138 da parcela 660A e consequente emissão de DUAT´s e Plantas Topográficas referentes aos talhões 5.136, 5.137 e 5.138 da parcela 660A e dos talhões 5.139 e 1.140 da parcela 660A”;
“A mudança de actividades nos talhões 5.136, 5.137 e 5.138 da parcela 660A numa área de cerca de 15 mil metros quadrados, de uso misto (habitação, comércio e serviços) para uso industrial (construção de uma central de produção de betão), devendo a vossa excia, após a recepção do DUAT, apresentar a licença ambiental actualizado”.
Por essas alterações nos documentos, a empresa responsável pela central de betão pagou ao município 787.500,00 MT, referentes à taxa de autorização do DUAT para fins industriais e 30.000,00 MT da emissão das Plantas Topográficas.
É um pouco de tudo isto que Rasaque Manhique quer compreender para tomar a sua decisão sobre a Central de Betão.
“Vamos fazer com que, de forma justa, encontremos a solução imediata. O importante é não prejudicar a vida e a saúde dos nossos munícipes. Portanto, vamos compreender bem os contornos dessas licenças para tomarmos a decisão”, referiu Rasaque Manhique.
Aguardemos!
O outro, ainda sobre a legalidade do empreendimento, tem a ver com o estudo de impacto ambiental para a construção da central de betão e a licença de impacto ambiental, que aliás, também, apareceram com a obra em curso. Aqui, entra em acção o Ministério da Terra e Ambiente, que atribuiu documentação com inconsistências com base em estudos que sequer existem.
A licença foi atribuída pelo Ministério da Terra e Ambiente sobre a parcela 660D, referente à construção da central de betão que está a ser construída na parcela 660A.
O documento assinado pela ministra da Terra e Ambiente, Ivete Maibaze, no dia 4 de Agosto de 2023, tem erros na designação da parcela.
Para contornar a situação, a Africa Great Wall Concrete Manufacturer Limitada, através do seu consultor, a ECO-Terra, pede à Direcção Nacional do Ambiente a segunda via da licença ambiental, já corrigida, referente à construção da central de betão.
“A solicitação da emissão da segunda via da Licença Ambiental tem em vista a correcção da parcela que consta da referida licença (660D), uma vez que a mesma é referente ao projecto de Construção e Operação do Complexo Comercial de Turismo Internacional YUXIAO e foi erradamente escrita no processo de Avaliação de Impacto Ambiental do Projecto de Construção e Operação da Central de Betão, cuja parcela é 660A”, lê-se no documento.
O despacho acima citado é de 12 de Fevereiro de 2024 e para a correção da Licença Ambiental a empresa pagou 60 mil meticais.
“O País” sabe de uma fonte do Ministério da Terra e Ambiente que a licença ambiental já corrigida ainda não existe porque ainda não se confirmou o devido pagamento junto da Recebedoria de Fazenda do Primeiro Bairro Fiscal Maputo.
Sobre o Estudo de Impacto Ambiental, a “O País” apurou que apenas foi feito para o projecto de construção e operação do complexo comercial de turismo, internacional YUXIAO e não para a central de betão.
Posteriormente, a Africa Great Wall Concrete Manufacturer Limitada manifesta o interesse de construir uma central de betão e, a esta infra-estrutura, não se exigiu um novo estudo de impacto ambiental.
É, neste contexto, que surge a adenda que, essencialmente, implicava acrescentar à licença de impacto ambiental sobre o complexo comercial, os impactos ambientais e de saúde que poderiam advir da instalação da central de betão.
A adenda ao Estudo de Impacto Ambiental custou à empresa dona da central de betão 1.749.500,00 MT.
Uma fonte do Ministério da Terra e Ambiente disse ao “O País” que a instalação da central de betão, tal como muitas outras infra-estruturas, têm impactos ambientais, mas há um plano para minimizá-los.
Sobre o argumento de que este tipo de fábrica deve estar a seis quilómetros das residências, a nossa fonte explica que não é o caso desta central de betão porque a sua finalidade não é comercial e a sua existência no bairro Costa do Sol encontra amparo legal no número dois, artigo 27, do Decreto 54/2015.