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Dívida pública continua a pressionar as contas públicas

A dívida pública de Moçambique voltou a aumentar no segundo trimestre deste ano, ao atingir 17,4 mil milhões de dólares, o equivalente a 79,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Os números constam do mais recente Boletim Trimestral sobre a Dívida Pública, divulgado pelo Ministério da Economia e Finanças.

Segundo o mais recente Boletim Trimestral sobre a Dívida Pública, entre Abril e Junho deste ano, o stock total da dívida de nível central, a dívida pública, cresceu 0,1%, impulsionado pelas emissões internas, enquanto a componente externa registou uma ligeira contracção. No total, o volume de endividamento subiu de 1,071 biliões para 1,072 biliões de meticais.

“O crescimento da dívida do Governo central foi influenciado maioritariamente pela dívida interna, justificado pelas novas emissões no âmbito da Facilidade de Crédito do Banco Central”, refere o boletim trimestral.

No fim do segundo trimestre, em Junho, a dívida interna atingiu 444,9 mil milhões de meticais, uma subida de 0,4% face ao trimestre anterior. As Obrigações do Tesouro representaram 38,8% do total, seguidas dos Bilhetes do Tesouro (33,6%). A componente “outros”, que inclui financiamentos do banco central, passou a representar 27,6% da carteira.

O serviço da dívida interna somou 78,7 milhões de meticais, um aumento de 9% face ao primeiro trimestre, explicado pela maior concentração de vencimentos de títulos.

Em sentido contrário, a dívida externa recuou 0,1%, para 9,8 mil milhões de dólares. O boletim aponta como razões o pagamento regular do serviço da dívida e o compromisso do Governo em “privilegiar a contratação de financiamentos em condições altamente concessionais e donativos”.

A maior fatia do endividamento externo continua nas mãos de credores multilaterais (56,1%), com destaque para a Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), que detém 30,3% do total, e o Fundo Monetário Internacional (FMI), com 10,1%. Entre os bilaterais, a China é o principal credor (13,7%), seguida pelo Japão (4,1%) e Portugal (3,9%).

No trimestre em análise, o serviço da dívida externa caiu 53,1%, para 98,6 milhões de dólares, aliviando temporariamente as pressões sobre as contas públicas.

Um dos pontos de maior preocupação vem do sector empresarial do Estado (SEE), cuja dívida directa subiu 7,2% no trimestre para 39,5 mil milhões de meticais (619 milhões de dólares).

A pressão veio sobretudo da dívida externa, que cresceu 14,5%, impulsionada por novos financiamentos contraídos pelos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) no valor de 36 milhões de dólares, destinados à expansão do terminal de combustíveis em Pemba. Também a EDM, os Aeroportos de Moçambique e a Tmcel registaram aumentos no stock de dívida.

Internamente, os CFM destacaram-se novamente, com um acréscimo de 504 milhões de meticais, seguidos pela HCB, que aumentou a sua dívida em 53 milhões.

O relatório alerta que 90% da dívida das empresas estatais está indexada a taxas de juro variáveis, o que aumenta a vulnerabilidade em cenários de instabilidade financeira internacional.

O crescimento da dívida pública não é apenas uma estatística macroeconómica: ele tem reflexos directos no dia-a-dia das famílias e das empresas. Quanto maior é a necessidade do Estado de financiar-se internamente através de Bilhetes e Obrigações do Tesouro, maior é a concorrência com o sector privado pelo crédito disponível, encarecendo as taxas de juro e limitando a capacidade de investimento das pequenas e médias empresas, que são as grandes geradoras de emprego. Para as famílias, o efeito traduz-se na redução do poder de compra, pois o Governo, pressionado pelo serviço da dívida, se vê obrigado a cortar despesas sociais ou a aumentar impostos indirectos, que atingem sobretudo os mais pobres. Além disso, quando grande parte do orçamento do Estado é destinada ao pagamento de juros e amortizações, sobra menos espaço para investir em saúde, educação, transportes e infra-estruturas, serviços de que dependem directamente os cidadãos.

O stock agregado da dívida pública e garantida, que inclui Governo central e sector empresarial, cresceu de 17,35 mil milhões de dólares, no primeiro trimestre, para 17,41 mil milhões, no segundo trimestre, equivalente a 1,112 biliões de meticais.

O boletim lembra que, apesar da inflação controlada – 4,0% em Abril e Maio, e 4,2% em Junho –, e da redução da taxa de juro de política monetária para 11%, persistem riscos internos significativos, como “o agravamento do risco fiscal, as incertezas quanto à reposição da capacidade produtiva e os impactos de choques climáticos”.

Especialistas têm alertado que a trajectória da dívida mantém pressões sérias sobre as finanças públicas, afirmando que Moçambique não tem margem para relaxar. Com 79% do PIB comprometido, a sustentabilidade da dívida só será possível com disciplina fiscal, crescimento económico robusto e diversificação das fontes de receita.

O próprio relatório oficial reconhece que será necessário “um reforço da gestão orçamental, maior transparência e mobilização de recursos internos” para evitar desequilíbrios maiores.

Enquanto o Governo procura espaço para financiar programas sociais e infra-estrutura, a crescente factura da dívida interna e o peso das empresas públicas funcionam como um travão adicional. O risco, segundo analistas, é que o Estado continue a depender de emissões internas, o que pode agravar a pressão sobre o sistema financeiro.

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