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Crise nas escolas privadas pode afectar o retorno às aulas presenciais

As instituições privadas de ensino foram afectadas a 100 por cento pela crise causada pela pandemia do novo Coronavírus, revelam dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE). Dívidas, salários em atraso, suspensão de actividades e trabalhadores são alguns sinais de alerta retratados pelas “privadas”.

Nas 13.833 escolas que compõem o Sistema Nacional de Ensino em Moçambique, o barulho das salas de aula deu lugar ao silêncio. Um silêncio forçado pela pandemia do novo Coronavírus e que empurrou as instituições privadas de ensino para um quadro de crise financeira.

Na província de Maputo existem 87 escolas privadas que leccionam desde o nível pré-escolar até ao secundário geral. Entre elas está o Colégio Real da Matola, que em seis meses da pandemia viu o número de alunos que pagavam propinas reduzir de 120 para oito. Ou seja, os pais e encarregados de educação de 112 crianças deixaram de honrar com os seus compromissos.

Dionísia Sibundy, gestora daquela instituição de ensino explica que “por reconhecer que houve alteração no contrato entre as partes, a instituição reduziu as mensalidades em 60 por cento, o que fez com que o valor da propina caísse de 8.200 para 3.250 meticais”. A gestora lamenta que “ainda assim os pais recusam-se pagar” a propina.

De um cenário em que tinha de encontrar soluções para manter o pagamento de despesas correntes, a gestora diz que passou para um nível em que teme que a continuidade do seu negócio esteja em causa.

“Sem encaixe de dinheiro, nós tivemos que diminuir o número de trabalhadores. Dos 25 trabalhadores que tínhamos, acabámos dando férias sem salário a 14 e aqueles que continuam em exercício estão a receber apenas 25 por cento do salário”, lamenta Dionísia, acrescentando que a esse “fardo” é acrescida a despesa da renda.

As instalações onde o Colégio Real da Matola funciona são arrendadas a 65 mil meticais por mês. A direcção conseguiu pagar a renda dos últimos quatro meses, desviando o orçamento que devia ser alocado a investimentos, mas chegou a uma fase em que não consegue mais honrar com as suas responsabilidades enquanto inquilina.

QUATRO ESCOLAS FECHADAS EM MAPUTO E MATOLA

Maltratadas pela crise, as escolas privadas da província de Maputo decidiram unir-se e criar uma associação que dê voz às suas preocupações.

Dionísia Sibundy é presidente da comissão instaladora da referida associação – que já foi aprovada pelo Ministério da Justiça e aguarda parecer da Secretaria de Estado da Província de Maputo – e revela a existência de escolas que já encerraram as actividades.

“Não estamos a conseguir e muitas escolas aqui na cidade da Matola já estão a fechar. Tenho conhecimento da existência de três escolas que já fecharam as portas e estavam a negociar com o senhorio para ver se entregam as instalações ou acumulam a (…) dívida para o ano que vem”, explicou a interlocutora.

Já na cidade de Maputo, o Nyoxani – Centro de Desenvolvimento Pessoal e Educação Inclusiva – é uma das instituições que suspenderam as aulas. Sem uma orientação clara sobre se as propinas deviam ou não serem pagas, a instituição que lecciona os níveis pré-escolar e ensino primário, viu 75 por cento dos pais e encarregados de educação deixarem de pagar propinas. As aulas continuam a ser dadas através de plataformas digitais, mantendo-se a necessidade de pagamento de salários e despesas correntes como água e energia. Contundo, os 150 trabalhadores não recebiam salários há quatro meses e a situação ficou insustentável.

“Tivemos de parar com as actividades, algo que durante muito tempo hesitávamos por considerar que os pais não deviam ser sacrificados pelas falhas dos [outros] pais. Quem ainda mantem-se a trabalhar é o pessoal técnico e os serviços administrativo”, afirma Miguel Pristas, coordenador pedagógico da Nyoxani.

Outros meios de encaixe financeiro para a instituição eram o transporte escolar, a alimentação e as actividades extracurriculares, pelas quais era preciso pagar uma taxa adicional para se ter acesso. “Tudo isso também teve de pagar”, lamenta Miguel Prista.

Dados do Inquérito sobre o Impacto da COVID-19 nas empresas, realizado pelo INE indica que existem 946 escolas privadas, desde o pré-escolar até ao ensino superior, que foram afectadas a 100 por cento pela pandemia.

Segundo o INE, a educação é uma das poucas áreas que foi drasticamente afectada pela crise da COVID-19. Destas 946 instituições, 3,1 por cento encerrou as actividades, o que afectou a 125 trabalhadores; 1,7 por cento suspendeu contractos de trabalho, afectando a 183 pessoas. Felizmente, não houve rescisões de contratos.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FALA DE LIMITAÇÕES LEGAIS PARA DECIDIR SOBRE PROPINAS

Em Abril, as escolas privadas da cidade e província de Maputo criaram o Fórum das Escolas Privadas, uma agremiação cujo objectivo de fundo passava por dar voz às suas preocupações e estabelecer uma plataforma de diálogo com o Ministério da Educação.

Miguel Pristas, coordenador da Nyoxani, é um dos membros-fundadores e explica o que para ele é problema de fundo do sector.

“Não há políticas de sustentabilidade ou mesmo de regulamentação mais específica das escolas do sector privado no âmbito comercial, ao mesmo tempo que somos instituições ligadas ao Ministério da Educação, devido ao nosso papel social”, reclama.

Já Cármen Zucula diz mesmo que as escolas privadas sentiram-se desprotegidas pela instituição de tutela. “Sentimo-nos abandonados. Só para ter uma ideia, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano não tem um departamento dedicado ao ensino privado. Nós estamos dentro de uma área denominada de assuntos transversais, o que mostra que ainda não estamos a merecer a atenção devida”.

“O País” contactou o pelouro da Educação, que através da sua porta-voz, Gina Guibunda, nega que as escolas privadas tenham sido abandonadas e justifica que existem limitações legais para o sector tomar uma decisão sobre a polémica do pagamento das propinas.

“Não temos legislação que nos autoriza a dizer, por exemplo, que a partir de hoje a escola X, Y ou Z passa a cobrar A, B ou C, em termos de propinas, assim como não temos legislação que diga aos pais ou encarregados de educação que a partir de um certo momento passam a pagar determinado valor”, esclareceu Gina Guibunda.

Lídia Rita, representante do Colégio Nhamunda e membro-fundadora do Fórum das Escolas Privadas, diz que as “privadas” não esperavam um posicionamento sobre as mensalidades, mas sim um pronunciamento que valorizasse o trabalho que as escolas estão a fazer.

“O que as escolas queriam ouvir do ministério era só questão de que aquilo que as escolas privadas estão a fazer não é ilegal de modo a parar pelo menos com as alegação de que é enriquecimento ilícito que as escolas privadas estão a fazer e para parar com os processos nos tribunais”, explica Lídia Rita.

Sem adiantar muitos detalhes, Gina Guibunda conforta afirmando: “juntamente com os outros ministérios, nós já estamos a trabalhar sobre a legislação para colmatar esta situação e prevenir futuros casos”.

CRITÉRIOS DE FINANCIAMENTO DO BNI ACIMA DAS CONDIÇÕES DAS ESCOLAS

Em Julho passado, o Estado, através do Banco Nacional de Investimentos (BNI), criou duas linhas de financiamento orçadas em 1.6 bilhões de meticais para ajudar as micro, pequenas e médias empresas nacionais a aliviarem o impacto negativos da pandemia da COVID-19.

“O País” sabe que o Instituto Nília, situado na cidade de Maputo, viu aprovados dois terços do valor que pediu. Entretanto, outras escolas privadas queixam-se do facto de os critérios de acesso ao financiamento estalecidos pelo banco serem muito exigentes para a realidade das “privadas”.

“Ninguém está a conseguir [o valor] porque um dos critérios é que o requerente não pode” ultrapassar um “nível de indevidamente na banca (…). Ora, quase todos nós trabalhamos com a banca. Depois querem garantias e muitos de nós funcionamos em instalações que não são próprias. São arrendadas”, detalha Lídia Rita, do Colégio Nyamunda.

O BNI prometeu pronunciar-se sobre a matéria esta semana.

 

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