Os danos causados pela corrupção duplicaram em 2022. Segundo a Procuradora-geral da República, em 2021, o Estado foi lesado em 300 milhões de Meticais e, no ano passado, a corrupção desviou, do erário, 617 milhões de Meticais. É uma das informações saídas, hoje, do Informe Anual da Procuradora-geral da República no Parlamento.
Um pouco antes das 08h30min de hoje, Beatriz Buchili chegou à 24 de Julho para, uma vez mais, informar os moçambicanos como esteve a justiça em Moçambique no ano passado. À sua espera e já posicionados estavam os deputados das três bancadas.
Beatriz Buchili tinha motivos para celebrar e lamentar. Lamenta que a Procuradoria-geral da República tenha tido um desempenho, no ano passado, de 88,8%, contra 89,9% conseguidos no ano anterior. E pode celebrar porque, em termos absolutos, os números indicam que houve maior número de entradas e de processos despachados pela magistratura.
E foi para falar do Estado da Justiça que Beatriz Buchili esteve, esta quarta-feira, na Assembleia da República. Os dados trazidos pela magistrada mostram que a corrupção não pára de travar a eficiência do Estado.
De acordo com a magistrada, “em resultado de práticas corruptivas, em 2022, o Estado foi, indiciariamente, lesado em cerca de 617,1 milhões de Meticais contra 303,4 de igual período anterior”, avançou Buchili, mas não termina aí.
Não deixou de referir que “uma das formas de prevenção e combate à corrupção se traduz na responsabilização financeira dos gestores públicos, pelos tribunais administrativos, e na aplicação de sanções disciplinares aos funcionários e agentes do Estado que violem deveres legais, propiciando a prática de corrupção”.
A lesão ao Estado mais do que duplicou em 2022. Mas os activos recuperados pelo respectivo gabinete não cresceram tanto. Assim como em 2021, foram apreendidos bens e dinheiro, mas não chega a ser o dobro dos 734,5 recuperados em 2021, isto é, “o total dos bens apreendidos avaliados, incluindo o valor monetário, é de 1,1 mil milhões de Meticais”.
Essa corrupção, diz a magistrada, manifesta-se por desvios que prejudicam a população. “A título de exemplo, o Relatório do Ministério da Economia e Finanças, sobre o Uso de Fundos no âmbito da COVID-19, espelha situações de desvio de fundos, destinados à assistência humanitária. Nestes termos, foram instaurados, em todo o país, cinco processos por indícios criminais, na contratação para o fornecimento de bens e prestação de serviços, estando todos em instrução preparatória”.
Também ligado a actos de corrupção, Beatriz Buchili falou do terrorismo que conta com o envolvimento de funcionários públicos. “Preocupa-nos a concessão ilegal de documentos de identificação e de viagem nacionais, tais como certidão narrativa completa de registo de nascimento, bilhetes de identidade, documento de identificação e residência para estrangeiros (DIRE) e passaportes a cidadãos estrangeiros”, manifestou-se.
Ademais, “são situações que revelam o envolvimento de funcionários públicos que, em troca de valores monetários ou outros benefícios, facilitam a entrada ilegal de pessoas, incluindo terroristas, dificultando todo o esforço empreendido pelo nosso Estado no combate a esta criminalidade que põe em causa a vida das pessoas e a soberania do próprio Estado”.
Sobre o terrorismo, Buchili revelou os esquemas usados para o financiamento ao terrorismo. “Quanto ao financiamento e recrutamento para o terrorismo, constatámos o fluxo de transacções suspeitas de valores, feitas por instituições e indivíduos particulares, através de transferências bancárias e carteiras móveis, nomeadamente, M-Kesh, e-Mola e M-Pesa, para alguns cidadãos, localizados em zonas de conflito, na altura ocupadas por terroristas, concretamente nos distritos de Mocímboa da Praia, Palma, Nangade, Muidumbe, Macomia e Quissanga”, disse Beatriz Buchili.
Para acabar com esse financiamento, a magistrada pediu que o legislador aprove instrumentos legais que possam controlar. “A nossa expectativa é ver aprovados, por esta Magna Casa, instrumentos legais complementares que possam contribuir na componente da prevenção e combate ao financiamento ao terrorismo, nomeadamente, atinentes ao financiamento aos partidos políticos, às organizações sem fins lucrativos e às confissões religiosas. É nossa expectativa, ainda, a criação do Conselho Nacional de Combate ao Terrorismo, órgão de coordenação e partilha de informação relevante para a prevenção e combate ao terrorismo”, expressou isso como uma forma possível de intensificar a prevenção do terrorismo.
Além do terrorismo, outra questão que preocupa o Ministério Público são os raptos. Beatriz Buchili reconheceu que os raptores estão tecnologicamente sempre um passo à frente dos investigadores, por isso é sempre difícil que sejam identificados. “No intuito de dificultar o seguimento e sua localização, os agentes do crime optam, preferencialmente, pelo uso de contactos telefónicos registados em nome de terceiros, com recurso a documentos de identificação obtidos de forma fraudulenta, bem assim de contactos telefónicos estrangeiros, através da plataforma WhatsApp”, revelou.
Desengane-se que essas plataformas são usadas por quem esteja em liberdade; alguns prisioneiros também, “a título de exemplo, numa das operações de fiscalização, foram encontrados 12 telemóveis na posse de arguidos envolvidos nos crimes de rapto, em algumas celas das unidades penitenciárias, cuja conduta mereceu devido tratamento em sede de processo próprio”.
Sobre os problemas relacionados às deficiências tecnológicas, a PGR já está a trabalhar com congéneres estrangeiras. Por falar em fora de Moçambique, foi recentemente criado o Gabinete Central de Combate à Criminalidade Organizada e Transnacional. Embora os seus agentes estejam a ser formados, há, ainda, um problema, “há poucos agentes no Gabinete”.
De fora do país também chega a droga; é o capítulo de tráfico de estupefacientes e, sobre isso, há constatações: “Constatámos a existência, no país, de fábricas de droga camufladas, localizadas nas zonas urbanas e em certas quintas nas zonas rurais, cujos proprietários adquirem equipamentos e precursores trazidos de fora do país para a produção da droga. A título de exemplo, no período em análise, foram detectadas e apreendidas três fábricas de produção de droga, na Província e Cidade de Maputo, concretamente no bairro de Infulene, distrito de Matutuine e Distrito Municipal KaTembe, respectivamente”.
A Procuradora diz ter seguido o trajecto das substâncias desde a entrada até à saída. Cabo Delgado deixou de ser o ponto de entrada preferencial e, em substituição, usam Zambézia e Nampula.