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Altos custos dos combustíveis asfixiam produtores agrícolas

A subida dos preços dos combustíveis já está a ter impacto na produção agrícola. Os produtores tiveram um acréscimo de mais 25% do valor inicial para poderem cobrir os custos de produção, mas o preço da venda continua o mesmo. Os agricultores pedem intervenção do Governo para tirar o sector da agricultura do sufoco.

Os preços dos combustíveis estão insuportáveis para quase todos os sectores de actividade. Todos já se queixaram. O que se pensava é que o sector da agricultura estava longe das queixas, mas não é bem assim. Os produtores agrícolas engrossam as estatísticas das vítimas da subida dos preços dos combustíveis.

Parece difícil de acreditar, mas é verdade. Nós vamos mostrar, nesta reportagem, como é que um problema “que é das cidades” afecta os campos agrícolas. Fomos até Boane e encontrámos produtores que explicam como os combustíveis estão a impactar na sua actividade.

“Para trazer água do rio até ao campo agrícola, tenho de usar duas motobombas. Uso a máquina para tirar a água do rio até ao tanque. Do tanque, meto outro motor para abastecer o sistema de irrigação gota-a-gota”, explicou Ana Maria Damião, produtora do distrito de Boane, Província de Maputo.

São operações que exigem gasolina que, de Janeiro a Julho, sofreu um agravamento de 17,93 Meticais, saindo de 69,04 para os actuais 86,97 Meticais – uma subida que tem impacto nos custos de produção agrícola.

“Por dia, eu gastava 3500 Meticais, porque tenho motobombas, tenho máquinas pulverizadoras e uso combustível. Agora, tenho que gastar acima de cinco mil por dia, sem contar com as manutenções que faço com alguma regularidade”, expôs Ana Damião.

Não é apenas o agravamento dos preços dos combustíveis que asfixia os produtores. Os fertilizantes são uma outra dor de cabeça. “Não conseguimos comprar adubo na Omnia, onde comprávamos, mas não tem e a explicação que nos dão é a guerra russo-ucraniana, que, segundo dizem, fez com que as fábricas não mais produzissem. Grande parte dos fertilizantes são provenientes desses países”, queixou-se Avelina Sumbana, também produtora no distrito de Boane, Província de Maputo.

Os fertilizantes já são escassos no mercado, e os poucos que existem custam caro. “Antes, o adubo composto estava mil Meticais, mas, agora, compramos a 4500 Meticais e, por vezes, seis mil”, revelou a produtora.

Tudo subiu, menos o preço pelo qual vendem os seus produtos para os revendedores. O mercado é que dita a tendência dos preços. “Estamos, neste momento, a vender a 700 Meticais a caixa de tomate da primeira [qualidade] e não está a ser possível vender menos que isso. Mesmo a este preço, não é rentável. Se fosse a mil Meticais, ajudaria”, sugeriu Avelina Sumbana.

As duas produtoras mantêm a actividade, explorando metade da extensão de terra, ou seja, 12 do total de 24 hectares de que dispõem para produzir tomate, repolho, pimento, entre várias outras culturas.

“Não seríamos nós a termos de pedir apoio. As coisas subiram e o Governo tinha que saber que precisamos de ajuda. Nós, da agricultura, é que somos a mãe da Nação”, desabafou Ana Maria Damião, sustentada pela sua companheira que sugere que se instale corrente eléctrica, pois “permitiria que usássemos as electrobombas no lugar das motobombas que gastam muito combustível”.

Mesmo sob todos os condicionalismos, este campo agrícola abastece, duas vezes por semana, o Mercado Grossista do Zimpeto com 800 caixas de tomate. A nível local, despacha, diariamente, 400 quilos de repolho para o distrito de Boane, nas cidades de Maputo e Matola, além de 40 caixas de tomate e pepino.

Os custos de produção agrícola vão muito além dos preços de insumos, combustíveis e fertilizantes. Cultivar campos agrícolas com recurso a tractor ficou mais caro. Os que usam tractores cobram 1500 Meticais por hora contra os anteriores 1200 Meticais.

Neste caso, o ditado que diz que “o tempo é dinheiro” ganha mais significado, e o tempo para lavrar campos agrícolas ficou mais caro devido à subida do preço dos combustíveis.

“Uma vez que, para lavrar a minha área, foram necessárias três horas, pagarei 3600 Meticais. Esse dinheiro não é pouco, porque esta não é a primeira operação. Faltam mais duas operações, que são a gradagem e a sulcagem. Depois disso, devo colocar pessoas a organizarem os sulcos. Antes da subida do preço dos combustíveis, altura em que cobravam 700 Meticais por hora, pelas três horas, pagava 2100 Meticais”, referiu Daniel Silva, produtor do distrito de Boane.

No campo agrícola de cerca de nove hectares, Daniel Silva e Julieta cultivam, essencialmente, o feijão-verde e o manteiga, mas, quando chega a vez de levar os produtos para o mercado, não há meios para escoamento, e as vias de acesso dificultam mais. Por isso, depois da colheita, “combinamos com alguém para entregar os produtos, e isso implica alugar uma viatura, o que torna a produção mais cara, porque levo os produtos até ao comprador”.

Uma vez que faltam meios para o escoamento dos produtos, os campos agrícolas que se encontram mais para o interior são os últimos a vender, o que faz com que acumulem prejuízos.

“Não somos iguais aos produtores que estão próximos das estradas, porque, quando chega a época da colheita, são os primeiros a vender. Nós, muitas vezes, somos os últimos, e os compradores só vêm para cá quando não conseguem adquirir os produtos lá. Os compradores, quando chegam aqui, devem responsabilizar-se pelo transporte, pelo que contactam alguém que carrega os produtos até à vila”, esclareceu Daniel Silva.

Para o caso dos custos que têm a ver com a subida dos preços dos combustíveis, os produtores sentem que a corrente eléctrica faria toda a diferença.

“Nós fazemos escala. Alteramos na compra do combustível. Para poder fazer parte do grupo, a pessoa deve tirar cinco litros, que custam, agora, cerca de 400 Meticais. Eu rego a minha machamba três a quatro vezes por mês e, fazendo as contas, esse dinheiro é muito, mas os que possuem electrobombas tiram, por mês, apenas 250 Meticais”, apontou Julieta Cavel, citando o exemplo dos que gastam menos porque usam a electrobomba.

A produção do feijão dura, em média, 90 dias, e o campo agrícola está na fase de colheita. O destino do produto é o Mercado Grossista do Zimpeto, que, três vezes por semana, recebe 150 quilos de feijão seco e fresco, custando 45 e 200 Meticais por quilo, respectivamente.

Colocando a mão na máquina, as duas primeiras produtoras que cultivam uma área de 12 hectares gastam, diariamente, 60 litros de gasóleo para pôr a funcionar oito motobombas, o que requer 5278 Meticais, sendo que, antes da subida do preço dos combustíveis, gastavam 4738 Meticais.

Já as sete máquinas de pulverizar de que estas produtoras dispõem despendem, por dia, 10 litros de gasolina, o que corresponde a 870 Meticais, um aumento de cerca de 40 Meticais, comparativamente ao período anterior ao agravamento dos preços.

E é a mesma subida dos combustíveis que encareceu o uso do tractor nos campos agrícolas. Por exemplo, a lavoura que antes custava 1200 passou para 1500 Meticais por hora.

Três horas são o tempo necessário para lavrar um hectare e, para os 12 hectares, o processo dura 36 horas que, multiplicando com 1500 Meticais, tudo perfaz 54 mil, mas, ao preço anterior, o processo custaria 43,200 Meticais.

Depois da lavoura, segue-se a dragagem que custa o mesmo preço, mas dura menos tempo. São duas horas por hectare e, considerando os 12 hectares, as produtoras devem ter 36 mil Meticais.

Por fim, faz-se a sulcagem, um processo que dura o mesmo tempo que a lavoura, e, para os 12 hectares, são gastos 54 mil Meticais.

Os três procedimentos – lavoura, dragagem e sulcagem – são feitos depois de cada colheita. No último, e não menos importante, os gastos devem-se ao transporte que, no caso das duas produtoras, gastam 20 litros de gasóleo, por dia, o que significa um gasto de, pelo menos, 1760 Meticais.

Tudo isto se reflecte na baixa quantidade e qualidade da produção agrícola nacional. Fomos ao Mercado Grossista do Zimpeto e quase não há tomate nacional. Há uma explicação para isso: “Há vários factores, como os combustíveis, os insumos, as sementes, a mão-de-obra e o clima. É tudo isto que faz com que os agricultores tenham dificuldades em tirar uma produção exaustiva para poder abastecer o mercado”, justificou Hermenegildo Rui, presidente da Associação dos Importadores de Produtos Frescos.

E todos esses factores são multiplicados por zero, quando chega a vez de marcar o preço. Até porque “o que dita o preço é o mercado. Quando há pouco produto, o preço sobe e, quando há muito produto, o preço baixa”.

Neste momento, é a África do Sul que abastece o mercado e que dita as regras do jogo, ou melhor, do preço.

“De reconhecer que o nosso produto tem qualidade em relação ao importado. Falta apenas produzir em grandes quantidades e obedecer-se a uma cadeia de valor. Quem produz, que se concentre só na produção. Quem transporte que se foque na sua actividade e o mesmo deve acontecer com quem vende”, propôs o presidente da Associação dos Importadores de Produtos Frescos.

Mas os importadores têm outra justificação para optarem pelo tomate sul-africano e não pelo nacional: “Os agricultores nacionais nunca nos deram tomate. Não aceitam. Preferem produzir e serem eles próprios a vender”, afirmou uma das importadoras do Mercado Grossista do Zimpeto, na condição de anonimato.

Em meio a “lufa-lufa” do Grossista, encontrámos Afimo Ismail, que é um exemplo de quem produz e prefere ir vender no Mercado Grossista do Zimpeto a revender para os retalhistas. Manter o negócio não tem sido fácil, porque os custos de produção são elevadíssimos.

“Nós apostamos na agricultura nacional. Eu não me importo. Tudo está caro e, agora, é salve-se quem puder. Nós desenrascamos”, lamentou Afimo Ismail, produtor e revendedor.

Por dia, leva ao Grossista do Zimpeto cerca de 320 caixas e, apesar de acabar todas, não se pode falar de lucros. É melhor não falar mesmo porque “ainda vou ter um ataque cardíaco, pois não sai nada. Só lutamos para manter”.

No que diz respeito à escassez de fertilizantes e consequente subida dos preços, a culpa é do conflito russo-ucraniano.

Aliás, quando eclodiu a guerra, o Governo alertou para a escassez de trigo e fertilizantes. Por conseguinte, isto poderia conduzir a preços mais elevados para estes produtos e para os seus derivados.

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