Centenas de sobreviventes dos ataques terroristas em Cabo Delgado vivem em condições consideradas desumanas em Matemo, uma pequena ilha do distrito do Ibo, que continua a receber centenas de deslocados, que vêm dos distritos de Palma e Macomia, em consequência dos ataques terroristas.
O drama humanitário foi confirmado por algumas famílias que desembarcaram, recentemente, na cidade de Pemba, a capital da província, em busca de alternativas de sobrevivência e fuga das zonas de conflito armado.
“Muitas pessoas dormem ao relento e outras construíram pequenas tendas cobertas de capim e dormem no chão, na areia mesmo,” contou Binaue Juabo, uma mulher de trinta e cinco anos de idade que, devido à insegurança, não conseguiu realizar o funeral do seu filho decapitado pelos supostos terroristas e só conseguiu fugir com um sobrinho de cerca de 10 anos de idade, deixando para trás a sua mãe e esposo.
Além de acomodação, de acordo com a fonte, a ilha está a enfrentar situações de fome, devido à insuficiência da ajuda humanitária, que supostamente beneficia apenas as famílias registadas e reconhecidas pelo Governo.
“Eu comia graças à minha prima, que, às vezes, recebia apoio em comida de algumas organizações que continuam a apoiar os deslocados”, revelou Binaue Jaubo.
A situação humanitária na ilha de Matemo é considerada dramática e os deslocados correm risco de vida, devido à eclosão de doenças, uma das causas que força algumas famílias a fugirem para a cidade de Pemba, em busca de melhores condições de vida e de segurança.
“Eu não aguentei ficar em Matemo. Há muitas pessoas doentes, principalmente diarreia. E agora quase toda gente tem ‘matequenha’ (pulgas nos pés) lá, aquilo está mal”, descreveu Mussa Alfane, pouco depois de desembarcar em Pemba numa embarcação artesanal com cerca de 80 deslocados.
Devido à gravidade da situação humanitária, os marinheiros das poucas embarcações que continuam a realizar viagens para as zonas de conflito prevêem a chegada de mais deslocados nos próximos dias.
“Há muitas pessoas que querem vir a Pemba, mas há poucos barcos que arriscam a fazer estas viagens, porque são perigosas devido aos riscos de naufrágio, por causa da superlotação de passageiros, mas também por causa dos ataques, uma vez que algumas embarcações já foram interpeladas pelos alshababes no mar”, descreveu Mussa Alfane.
Entretanto, além do medo, de acordo com os transportadores, muitas pessoas continuam em Matemo, apenas por falta de dinheiro para pagar a passagem.
“Quase todos querem vir a Pemba, mas não têm como pagar a passagem que custa entre seiscentos meticais e mil meticais por pessoa adulta e os poucos que conseguem são aqueles que recebem dinheiro dos familiares, além de alguns que nós ajudamos”, explicou Andinane Abudo, um marinheiro que faz constantes viagens para a ilha do Ibo.
Outra preocupação dos deslocados que chegam a Pemba é a falta de comunicação com os seus familiares de quem se separaram há bastante tempo e desconhecem, até hoje, o seu paradeiro.
“Fugi de Palma quando entraram pela primeira vez (24 de Março) e, um mês depois, voltei a Palma, quando começaram a mobilizar as pessoas para regressar, porque a situação estava controlada, mas antes de chegar cá, houve mais um ataque e voltei a fugir e, até hoje, não sei onde estão a minha esposa e os meus dois filhos. Como ninguém está em Palma, não há notícias sobre o que terá acontecido”, contou Abdul Assane, um jovem deslocado de Palma, durante o desembarque na Praia de Paquitequete, que se tornou num dos principais pontos de chegada dos deslocados na cidade de Pemba
A cidade de Pemba recebe, em média, duas embarcações com sobreviventes dos ataques terroristas em Cabo Delgado e todos vêm de Matemo, na Ilha do Ibo, que, desde o ataque à vila de Palma, a 24 de Março, se tornou num dos maiores campos de concentração de deslocados, mais próximos da zona de conflito armado.