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A monodia em “Fogo preso”

Não quero da luz o artifício de uma glória passageira.
Antes a escuridão, com o artifício de uma vida sincera.
JR

Monodia é um termo originário do grego, quer dizer canto isolado. No caso da poesia lírica grega da Antiguidade, bem explica Massaud Moisés, o termo era usado para considerar o poema cantado por um só indivíduo, em especial a elegia, por ocasião de cerimónias fúnebres. Estas são as palavras que sintetizam a escrita de Andes Chivangue, em Fogo preso, uma colectânea de poesia cuja essência habita na manifestação de uma alma turva, conturbada, feita de segregação e muita frieza, como se os versos fossem fruto de uma árvore podre, regada com a urina ingénua das avenidas de Maputo.

Numa escrita compacta, carregada de várias atmosferas densas que no caso fazem o poeta, Fogo preso leva-nos consigo na caravana de trás de uma locomotiva atrelada ao abismo. Ali, estando só e longe de todos, o desafio do sujeito poético é cantar para si, entre o silêncio e o monólogo interior que se ouve. Com esta atitude, os versos tornam-se algo distante da convivência, da alegria e mais distante ainda da felicidade porque isso é algo, de facto, inalcançável. Diríamos que temos nesta obra um conjunto de entidades trancadas no seu universo da palavra por terem percebido que o mundo é uma treta, feito de gente imbecil a esgotar-se na gargalhada do que não foi. E isto incomoda, porque, por exemplo, “A minha geração morre nas encostas do tempo,/ nas páginas de cada livro que fica por ler (p. 24).  

Sendo esta obra literária um bom exemplo da monodia Antiga, faz-se elegíaca, com entidades a queixarem-se do que a vida não é. Simultaneamente, essa vertente poética feita de lamento parece prenunciar uma morte inacabada, qualquer coisa de intangível traduzido por muita aversão à uma realidade, pelo menos, reinventada, a mesma que prende o fogo. Trata-se de uma realidade dura, que o poeta a rejeita com refúgio ao verso. É aí onde ele sobrevive, longe dos artifícios de uma glória passageira, porque para os que habitam nos poemas antes a escuridão, a solidão, se isso conter a sinceridade como recompensa.  
À semelhança do que a escrita de Luís Carlos Patraquim nos habituou, em Fogo preso Andes Chivangue não veicula o impulso que gera sentimentos dos sujeitos poéticos de forma gratuita. Aliás, sendo aquelas entidades parte de si, o poeta vai protegendo a mensagem da sua escrita num gesto, provavelmente, de autodefesa/ precaução. Ainda assim, este livro começa sugerindo que a vida é um tédio e a escrita algo masoquista. Ao longo das páginas, à medida que acaba, a linguagem altera ou alterna, dando espaço à imagem erótica, parca, porém suficiente para romper com a Sibéria presente na maioria dos versos.

Este não é um livro com poemas para serem declamados ou sussurrados ao ouvido. Nem tão pouco. Nesta monodia ao estilo grego Antigo, Andes Chivangue é demasiado pungente para ser doce e meigo.

Título: Fogo preso
Autor: Andes Chivangue
Editora: Cavalo do Mar
Classificação: 13

 

 

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