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A entrevista que Rogério Zandamela nunca deu sobre gestão da politica monetária

O Governador do Banco de Moçambique deu, esta semana, uma aula inaugural aos doutorandos em estudos de desenvolvimento da Universidade Politécnica. O tema era “os desafios da política monetária num contexto de gestão decrises”, mas Rogério Zandamela acabou por responder às grandes questões que se levantam sobre a sua actuação enquanto gestor da política monetária na economia moçambicana, bem como os seus impactos na vida dos cidadãos. A seguir, colocaremos os tópicos e o que ele disse sobre eles.

Os motivos por detrás da acção antecipada e retristiva do Banco de Moçambique sobre a política monetária no país em caso de iminência de choques internos e externos

Primeiro, importa referir que, independemente do choque que origina a inflação, se é da procura ou da oferta, não importa, o impacto no poder de compra do cidadão é praticamente o mesmo. As camadas mais baixas não querem saber, só sabem que estão a empobrecer. Isso gera barulhos que, em alguns casos, os governos caem por não conseguirem gerirem o barulho.

No nosso caso, a política monetária é gerida de forma proactiva para conter os impactos desses choques sobre a inflação. No caso dos choques da oferta, a nossa actuação visa conter os efeitos de segunda ronda, ou seja, a repassagem dos seus efeitos para preços de outros bens e serviços na economia. O papel da política é justamente de evitar que os impactos da guerra não se expandam.

Quando o choque é da procura, a actuação da política monetária corresponde ao cenário padrão e visa conter o excesso de procura sobre a oferta.
Segundo, importa também referir que, maioria dos casos, a nossa economia está a ser afectada por múltiplos choques.
Perante situações do género, o Banco de Moçambique não deve permanecer indiferente, ou seja, ter uma postura passiva sob o risco de a inflação atingir níveis insustentáveis. Não é fácil. É um debate contínuo mesmo entre nós: “agimos agora ou agimos depois”. Não é uma coisa fácil, quando olhamos para os indicadores.
Entretanto, temos a consciência de uma coisa: a cada atraso da nossa actuação, o custo de correcção fica mais elevado. Por isso, é importante que o banco central seja proactivo, tomando, antecipadamente, as medidas correctivas, ajustando os isntrumentos de política ao seu dispor, de modo a ancorar as expectativas das famílias e dos agentes económicos.

Exemplos de choques que sem a resposta do Banco de Moçambique o país teria sucumbido

O primeiro foi o de 2016, onde se assistiu a uma rápida depreciação do Metical, atingindo 65% em Novembro, em termos acumulados no ano, que, por seu turno, se traduziu numa inflação anual de 26%, em igual período.

A rápida depreciação do Metical deveu-se ao elevado recurso do Estado ao financiamento bancário doméstico, gerando uma espiral de liquidez na economia, para compensar o corte da ajuda externa ao Orçamento, no âmbito das dívidas não declaradas. O choque das dívidas não declaradas foi antecedido de um choque dos preços externos das mercadorias em 2014 e 2015.

A resposta do Banco de Moçambique à aceleração da inflação foi o incremento da taxa de juro directora em 600 pontos-base, tornando a taxa de juro real positiva. O Banco de Moçambique também aumentou o coeficiente de reservas obrigatórias para os passivos em moeda nacional e estrangeira para 15,5% em finais de 2016.
Como resultado, a inflação anual desacelerou para um dígito emmenos de um ano, passando para 5.6% em Dezembro de 2017, contra 17% em igual período.

O segundo exemplo, é mais recente, onde se notou uma aceleração da inflação anual para ummáximo de12.1% em Agosto de 2022, vinda de uma média de 3% entre 2018 e 2020.

Conforme largamente comentado, tal resultou da ocorrência simultância de dois choques externos, com impacto inflacionário a nível mundial.

O défice na oferta de mercadorias, decoreente dos constrangimentos impostos pela COVID-19 e pelo conflito Rússia-Ucrânia, resultou numa escalada dos preços a nível globale também da inflação.

No caso de Moçambique, aos dois choques externos referidos acima, acresceu-se uma exemplo clássico de choque da procura… é mesmo, parece destino. Este foi consubstanciado no súbito aumento dadespesa pública decorrente da implementação daTabela Salarial Única, sem o correspondente aumento na receita pública. Esta despesa adicinal gerou uma pressão suplementar no financiamento interno e um aumento da liquidez bancária.

Perante esta multiplicidade de choques eos riscos que se impunham à dinâmica da inflação, o Banco de Moçambique teve de aumentar,não só a taxa de juro de política monetária, como também o coeficiente dereservas obrigatórias.

Com efeito, a taxa de juro de política monetária foi incrementada em 400 pontos-base cumulativos, entre Janeiro e Setembro de 2022, ou seja, de 13,25% para 17,25%,mantendo a taxa de juro real positiva.
Entretanto, a liquidez excessiva no sistema bancário,não só representava um risco para a eficácia do uso da taxa de juro como instrumento de política monetária, mas também um risco a estabilidade macro-financeira no geral. Era a liquidez que era maioritariamente apçlicada em títulos públicos, gerando liquidez adicional.

Foi assim que, para resolver o problema de excesso de liquidez, o Banco de Moçambique aumentou, igualmente, o coeficiente de reservas obrigatórias, que se situa actualemnte em 39,0% para os passivos emmoeda nacional e 39,5% para os passivos em modea estrangeira.

A inflação, por seu turno, desacelerou para 5.7% em Julho de 2023, de um pico de 12.1% em Agoosto de 2022.

Tabela Salarial Única é um choque?

Esse é um choque de procura, é um choque interno, que se está a associara choque externos de oferta. Tudo isso traz-se à mesa das dicussões sobre a nossa actuação. (Aconteceu num contexto em que) não havia o corresponde aumento dareceita pública em alguns casos,até com uma redução da receita. Essa é que éa realidade dos números, ninguém pode esconder e já se falou mito sobre isso?

A Tabela Salarial Única é implementada no contexto de outras reformasque se estãoa fazer na economia nacional que são a exigência do Fundo Monetário Internacional para que este voltasse ao apoio directo ao Orçamento. Entre estas reformas, inclui-se, por exemplo, a reformulação da dívida pública. O que dizer destas reformas?

A capacidade de implementar reformas de forma sustentável depende de ter recursos abundantes para sustentar esse crescimento. Neste momento, o país não estáa receber esses recursos. Estamos a receber recursos que são extremamente baixos. Não são, de modo nenhum, nem perto do que seria necessário para podermos alavancar o investimento que nos tire dessa armadilha.

Não temos controlesobre isso, mas temos de contar sobre sobre nós, rezando e esperando que aqueles que têm essa poupança, que estao cada vez mais relutantes a dipo-la para os outros, estejam connosco nesta parceria.

Porque isso liga-se facilmente a cansaço de reforma. “Estamos cansados de ser ajustados. Quando é que chegam os benefícios que vocês falam?”. Quando há esse financiamento, começa-se a ver esses benefícios. Então é essa mensagem que tentamos transmitir.
Eu disse, em Washington, nos Estados Unidos da América, aos colegas (do FMI) que o país está a implementar reformas com pouco financiamento, dançamos, investimos muito tempo esem isso é muito difícil implementarmos reformas, há uma responsabilidade colectiva nesse elemento.

Como é que pensa que o país deveria proceder para lidar com futuras crises?

Precisamos de poupar. Isso depende de nós. Uma coisa é que precisemos de ser ajudados,como falei agora, pedindo ajuda fora e é bom. Entretanto, temos de mostrar que, ao pedir ajuda, também estamos a poupar, isso é um sinalizador importante.

Num contexto em que, desde a indpendência, o país tem o défice, que o próprio governador referiu nesta palestra, um défice gémeo, consistente nas situação de o Estado não ter dinheiro para financiar o orçameento, o que causa défice também na conta corrente. Os dois “défices” andam juntos. De onde, então, virá o dinheiro para essa poupança?

As receitas esperadas da exploração do gás natural da Bacia do Rovuma e de outros minérios constituem uma oportunidade soberana que o país tem de acumular poupanças para fazer frente à ocorrência de choques na economia e contribuir para estabilizar o Orçamento do Estado. Isto pode ser feito coma criação de um Fundo Soberano com regras bem definidas e uma estrutura de governação transparente e funcional.
Temos fazer a nossa parte! Não basta andarmos aí nas capitais e pedir apoio. Eles vão querer ver de nós que estamos a fazer um esforço para sair desta armadilha e que precisamos de apoio com a poupança de outros países.

Falou aqui de quatro licções aprendidas ao longo deste tempo todo, nomeadamente, que i) a política monetária é eficaz, que ii) o ónus da política monetária é elevado quando outras políticas não actuam ou não são criadas as condições para se tornarem complementares, falou da iii) complementaridade e da iv) poupaunça. O Banco de Moçambique sente-se acompanhado por outros actores que intervêm na estabilidade macro-económica?

Apesar da tendência de se atribuir maior ónus à política monetária para resolver os problemas do crescimento económico, ela não pode ser vista como uma panaceia para todos os desafios.
Por exemplo, numa economia em que a dinâmica do sector privado está ancorada à actividade do sector público, como é o caso danossa, quando o sector público enfrenta em honrar seus compromissos com as famílias e empresas, todas a família ressente-se. O papel da política monetária em estimular a economia é limitado.
Um outro exemplo relaciona-se com os nossos padrões de consumo e investimento. A criação de capacidade de produtiva ao longo do tempo está associada a um maior investimento. Nosso caso, metade dos empréstimos concedidos pela banca são para o consumo.
Não é o Banco de Moçambique que vai resolver esses desafios. Porque muito tem a ver com equilíbrios políticos, decisões de natureza política e isso está claramento fora do âmbito de actuação do Banco de Moçambique. Outras instituições estão melhor equipadas (em termos legislativos) para lidar com estas situações. Elas têm de ser chamadas para assumir a sua responsabilidade perante esse grande desafio do país.

Especificamente, o que devia ser feito?
Resumindo, um crescimento duradoiro e abrangente depende da implementação de reformas estruturais profundas que possam complementar e fortalecer a actuação da política monetária, com destaque para: i) combate à corrupção, ii) fortalecimento das instituições, incluindo melhoria do regime de prestação de conta, iii) boa governação, iv) melhoria do ambiente de negócios e v) diversificação da base de crescimento da nossa economia.

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