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Uma vida jogada no lixo

O dia nasceu com o céu limpo e uma temperatura amena na capital do país. Alzira despertou com o cantar dos galos lá fora, anunciando o amanhecer do dia. Levantou-se da cama e esticou-se para ganhar uma boa disposição. Caminhou lentamente até à janela do seu quarto, abriu a cortina e apreciou o ambiente de fora, como era de costume sempre que acordasse. Estava tudo normal como nos outros dias.

Alzira tinha 30 anos de idade e ainda não tinha filhos. Era uma mulher bonita, elegante e solteira, mas que arrasava os corações de toda a rapaziada da sua região e não só. Muitos desconheciam os motivos de ela estar solteira, mesmo tendo três décadas de vida. O relógio marcava pontualmente 5 horas, e, antes mesmo que o sol despontasse e a perturbasse nos seus afazeres domésticos, Alzira mergulhou-se na sua rotina de limpeza da casa. Pegou na sua vassoura, varreu o quintal em poucos minutos, tirou o lixo e colocou-o nos sacos. Carregou os seus sacos, feita uma louca, e dirigiu-se até ao único contentor de lixo existente no bairro, para depositar o lixo.

Passado alguns minutos, Alzira estava a escassos metros do contentor de lixo. Ela foi recebida por uns choros de um bebé vindos do interior do contentor. Aquilo chamou-lhe atenção. Parou por uns segundos e depois uma chuva de reflexões invadiu-lhe a mente. O que está a acontecer? Será mesmo um bebé ou estou a delirar? Não será uma brincadeira de mau gosto desses meninos malcriados da zona? Tudo aquilo estava totalmente estranho e confuso para a Alzira.

Imbuída pelo espírito de curiosidade, Alzira aproximou-se do contentor para desvendar tudo aquilo que aparentava ser apenas um mistério. Era um bebé recém-nascido que, pela sua aparência, devia ter entre uma ou duas semanas de vida. O bebé foi jogado naquele lugar, sem roupa e muito menos um cobertor, como se de uma galinha morta se tratasse. Todo o frio matinal brincou com corpo do menino recém-nascido. A criança inalou todo o cheiro nauseabundo libertado pelo contentor de lixo que estava numa imundice total.

Alzira entrou em choque e a preocupação tomou conta de si. Um conjunto de reflexões invadiu-lhe, novamente, a mente. Como é que uma mulher carrega um filho durante nove meses no seu ventre para depois de dar parto jogar fora? Será que essa mulher sabe que existem mulheres que choram dia e noite querendo ter um filho, mas não conseguem? Aliás, eu sou uma dessas pessoas infelizes da vida. Há anos tento engravidar, mas não consigo. Já dormi com vários homens na tentativa de engravidar, porém, todas as minhas tentativas redundaram em fracasso. Não me restam mais dúvidas, é o que o maldito destino me reservou. Desabafa Alzira, com a sua cara inundada de lágrimas.

Mergulhou nas suas memórias do passado e recordou-se de vários episódios tristonhos que vivera. Um rio de lágrimas assaltou-lhe as vistas. Movida pelo desejo e vontade de ter um filho e uma família saudável, Alzira já procurou a solução para seu problema em diversos lugares. Tentou pela medicina convencional, tendo gasto avultadas somas de dinheiro em tratamentos que não resultaram. Tentou pela medicina tradicional que também não sortiu nenhum efeito. Ela tomou raízes e raízes, mas não conseguiu conceber. Alzira via o seu sonho de ser mãe, frustrado. A mulher não via mais motivos para continuar viva nesta terra, sabendo que não era capaz de dar um filho a um homem.

Lembrou-se dos muitos lares que passara durante anos e não deram certo por não conseguir engravidar. Quase em todos os lares que passou, apenas viveu momentos de terrores conjugados com a violência. Recebeu nomes pejorativos por parte dos seus sogros porque não gerava filhos. A pressão por parte dos sogros chegou a atingir níveis insuportáveis. Alzira foi rejeitada, em muitos lares, pelos seus sogros alegando estar a acabar o arroz da família, não conseguindo lhes dar o tão esperado neto. O mundo de solidão tomou conta de si. A depressão passou a ser a sua melhor amiga.

Alzira regressou do passado triste que visitou através das suas memórias. Fixou o seu olhar nos olhos lindo do bebé que não parava de chorar. A mulher decidiu não tocar no bebé antes da intervenção da polícia, temendo que as suas impressões digitais pudessem prejudicar as investigações. Alzira regressou à casa com passos apressados e descoordenados, sustentados pelos choros de tristeza.

Quando a Alzira chegou no seu bairro, espalhou a notícia para toda vizinhança. A informação sobrevoou pelo bairro de boca em boca. O bairro todo acordou com a triste notícia do bebé jogado no lixo. Não tardaram as especulações da possível mão que o jogara no contentor de lixo. Todas mulheres que andavam grávidas nos últimos dias foram apontadas como vítimas, mas eram apenas especulações. Ninguém conhecia a mãe do bebé.

De seguida, Alzira dirigiu-se à esquadra que estava a escassos metros da sua casa para informar a polícia acerca do que vira no contentor de lixo. A polícia de protecção analisou o caso e achou melhor contactar a polícia de investigação criminal para que fizesse a devida remoção bebé que tremia devido ao frio que apanhou na madrugada daquele dia. Enquanto isso, muitas pessoas dirigiam-se àquele local, logo que recebiam a notícia, para averiguar a veracidade da informação que estava a ser propalada pelo bairro.

Minutos depois, Alzira retornou ao local onde o bebé foi jogado no lixo, mas desta vez com os polícias de investigação criminal. Quando lá chegaram, deram-se de cara com a multidão que repudiava aquele acto desumano. A polícia removeu o bebé daquele lugar imundo e, de seguida delegou-se uma parte da polícia para que levasse a criança ao hospital para recebesse cuidados médicos. A outra parte ficou e continuou com a investigação do caso. Afinal de contas, a responsável pelo acto merecia cadeia. Pelo caminho, a criança não resistiu ao frio que apanhara na madrugada do dia e perdeu a vida ainda a caminho do hospital.

Um grupo de cinco mulheres, que repudiavam aquele acto desumano, acompanhadas de uns dois polícias de investigação criminal, circulou pelo bairro, invadindo todas residências onde habitavam mulheres que estavam grávidas nos últimos dias, com vista a neutralizar a mãe do bebé que esteve jogado naquele contentor de lixo imundo.

Rosalina, uma jovem de apenas 18 anos, ouviu a notícia que circulava pelo bairro e ficou preocupada. Teve medo de ser presa, pois o filho de que tanto se falava em todo bairro era dela. Saiu do seu ventre. O medo de ser descoberta tomou conta de si. Veio-lhe o arrependimento pelo acto que cometera, porém, não havia como regressar ao passado para consertar tudo. Rosalina arrumou todas as suas malas para sumir daquele local antes que caísse nas malhas da polícia.

Minutos depois, a Rosalina já estava pronta para deixar tudo para trás e recomeçar uma nova vida num outro lugar que ainda não conhecia. Olhou para a vizinhança, mas ninguém a via. A mulher deu os primeiros passos, para um novo começo da vida, num lugar bem distante daquele bairro. De repente, com pouca nitidez, Rosalina vê umas pessoas caminhando em sua direcção. Continuo a sua caminhada a vontade, pois desconhecia aquelas pessoas. Quanto mais caminhava, mais nítidas ficavam aquelas pessoas. Apercebeu-se de que era a polícia acompanhada por algumas mulheres do seu bairro.

Rosalina ensaiou uma forma de esquivar os homens que vinham em sua direcção. Quando ainda tentava colocar em prática o seu plano, os homens já estavam a sua frente. Passou-lhe pela cabeça que aqueles homens estavam a sua procura por causa do bebé encontrado no lixo. Alzira viu-a e, de facto era a Rosalina. Olhou atentamente para ela e descobriu que já não ostentava mais a gravidez. Não restara-lhe mais dúvidas de que o bebé encontrado é da Rosalina. Alzira não se conteve e lançou uns gritos “É verdade! Ela é a mãe do bebé. Ela estava grávida até semana passada e nós ainda não a vimos com alguma criança até agora aqui no bairro. Para onde ela poderá estar a ir? Talvez esteja a fugir pelo crime que cometeu (…)”.

Rosalina entrou em pânico e viu todos os seus planos frustrados. Tentou empreender uma fuga sem sucesso. Ela não estava em condições de pular as espinhosas que serviam de muro. Os polícias aperceberam-se das manobras que a Rosalina tentava criar para escapar deles. Um dos agentes da polícia disparou para cima. O outro apontou para a Rosalina com a arma que trazia na mão. “Parada ai”, dizia o polícia com a sua arma na mão. A Rosalina viu-se num beco sem saída. Transpirou até ao ponto de molhar a roupa que vestira.

Rosalina perdeu todas as forças. A mulher caiu e ficou estatelada no chão. O local foi assaltado pelos gritos da Rosalina “Saiam da minha casa. O que vocês querem na minha casa? Não sou nenhum ladrão e muito menos cometi nenhum crime. Por favor, saiam da minha casa.”. A Rosalina estava totalmente descontrolada. Estava fora de si. Um rio de lágrimas inundou a sua cara.

Os polícias a colocaram as algemas nas mãos e depois seguiu-se um pequeno interrogatório improvisado. Naquele pequeno interrogatório, ficaram a saber que a Rosalina é, de facto, a mãe do bebé jogado no lixo. A polícia procurou saber dos reais motivos que a levaram a jogar o seu bebé, recém-nascido, num contentor de lixo imundo. Rosalina confessou ter perpetrado aquele acto desumano porque o seu namorado não assumiu a gravidez e ela não estava em condições de criar o bebé. Indignados com a atitude daquela mãe, a polícia levou-a para a esquadra. A jovem não parava de chorar pelo caminho.

O caso chegou na barra do tribunal. A Rosalina foi julgada e condenada a 6 anos de prisão pelo crime que cometera. Os dias seguintes, após a sua condenação, foram tenebrosos. A jovem tornou-se numa reclusa solitária. Não recebia nenhuma visita na cadeia. Ela apenas via as outras reclusas no memento das refeições.

Rosalina passou a ver o sol aos quadradinhos. Os dias pareciam caminhar feitos camaleões. Estava a pagar o preço do crime cometido. A consciência pesou-lhe a cabeça, mas ela estava num beco sem saída, a não ser cumprir a pena por detrás das grades.

Etdaniel21@gmail.com

 

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