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Um olhar ao livro “Recados da alma” de Bento Baloi

Entre a surpresa de ter em mãos um romance à satisfação de lê-lo num ápice, o resultado foi o contentamento de folhear com agrado a memória do passado colonial de Moçambique, traduzido em obra literária que não deixa margens de dúvidas, sobre o facto de estarmos ou não perante um livro de ficção inserindo todos os artefactos que lhe possam valer como tal. O arrebatamento com que o livro nos toma e transporta para o universo do imaginário, alicerça a sensação com que fiquei, como leitor, ao receber RECADOS DA ALMA. Quanto a mim este livro veio para enriquecer o nosso património literário, e como diria Suleiman Cassamo, está acima da linha da água, surpreendendo sobremaneira, pela sua arquitectura e densidade do enredo.

Lido o livro, e por um sentimento de alma, como o próprio autor nos sugere no título do livro, fica realmente um sentimento de estima e gratidão para quem sabe amar e sonhar sem fronteiras e sem preconceitos. Aliás, uma alma nunca tem limites, ela própria é como o divino, no seu absolutismo. 

À medida que eu ia lendo o livro, iam-se sucedendo em mim múltiplas emoções, remetendo-me sempre à condição humana, ressumada na dor e também na vontade e alegria de viver. O livro espelha com efeito o universo que são as contrariedades da vida, a acessibilidade e inacessibilidade da felicidade.

“Custa a uma mãe branca, por muito progressista que seja, entregar a sua única filha aos ditames da vida do subúrbio de Mbongolwene. Mas ela tem que optar entre atirar a própria filha a um palco em que dias antes se testemunhou a matança indiscriminada de brancos ou então enfrentar mais um tiroteio em casa. Com um coração totalmente despedaçado, encharcada de lágrimas de uma incerteza quanto ao futuro, decide deixar que a filha se vá juntar ao homem que ela escolheu para a vida. Se é esse o destino que Deus traçou assim terá que ser. Quem pode lutar contra o destino?" (P103).  

A história do livro é como a própria vida, que é uma teia de enredos, permeando toda a conjugação do verbo Ser. Mais interessante ainda é a fusão que o autor faz do real e do imaginário quanto a algumas pessoas e lugares, numa mescla de passado, presente e futuro. O livro está muito bem estruturado, e escrito numa linguagem simples, suave e doce, mas ao mesmo tempo numa linguagem revestida de sabedoria e cultura, conhecimento profundo da terra e dos homens que propõe levar-nos a desvendar.

RECADOS DA ALMA não sendo um livro de poesia é certamente um poema que nos convoca à vocação da busca da reivindicação do SER em oposição ao TER. 

“Mais do que estas dificuldades materiais ela enfrenta o estereótipo de como os vizinhos a encaram…

Ela ganhou coragem e jurou determinação em querer provar que acima do ser branco ou preto e acima do ser rico ou pobre há um valor sublime que deve ser respeitado: o valor do ser humano" (P112).

Sublima a necessidade do aperfeiçoamento da pessoa humana independentemente dos seus conflitos interiores e exteriores. Em RECADOS DA ALMA, o autor convida-nos a perseguir a Alma, ou seja, a essência humana contra todo o tipo de alienação; ele exprime a necessidade do cultivo permanente dos valores mais profundos do ser humano, tais como os da honestidade, bondade, solidariedade e sinceridade.

O livro leva-nos ainda a outras paragens, como por exemplo, ao encontro da Afrodite, aquela da mitologia grega, representada na capa do livro em forma de estatueta, e outros pro-personagens que perfilham e fazem deste romance, um conjunto de saberes universais, fazendo um acasalamento entre a mitologia africana e a europeia, numa comunhão de espíritos sem fronteiras.   

Para não cair na tentação, aliás o que seria impossível, de transcorrer aqui todos os lugares e recantos do livro RECADOS DA ALMA, pararia por aqui renovando o convite à leitura deste lindíssimo livro que permite conhecer personagens de características singulares como são os casos dos eternos apaixonados Eugénio e Mafalda. Do multifacetado Zé Mundoni. Da boa e sensata Cristina. Do gingão e engatatão que leva o nome de Original. Do racista e fascista Lopes. Do Simões, o funcionário municipal que as circunstâncias transformaram-no num jornalista, entre outros. 

Depois de lido o livro, como que a digerir o que acabardes de consumir, fica uma pulga na orelha em forma de pergunta que só o leitor, destinatário dos Recados da Alma, saberá talvez responder: afinal quem é o Castro? Será uma sombra dum mensageiro escondido algures ou no próprio autor?  

 

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