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Um ilhéu conquistou medalha na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lúrio

Por Wilson Profírio Nicaquela

 

É manhã de sexta-feira, 22 de Julho de 2022, a 1ª Capital de Moçambique acorda com um movimento jamais visto nos últimos 224 anos de elevação à categoria de cidade. As três principais ruas que derivam da ponta sul da Ilha recebem jovens e adultos, regressando do norte da Ilha para se juntarem ao largo da praça dos heróis moçambicanos.

A coisa fica “estranha” pela similaridade da vestimenta entre homens e mulheres, todos trajados de vestidos azuis-escuros muito longos, acompanhados de chapéus quadrados, que aumentavam essa estranheza, numa comunidade em que no quotidiano usar chapéus redondos (cofió) é normal, mas a veste das mulheres é diferente dos homens.

Ao aproximar das 7h30min o movimento aumenta, os moto-taxistas, entre identificados com formação e ocasionais (sem noção do código de estrada), transportam apressadamente aos graduandos.

Mesmo assim, com o movimento desusado, eram aperitivos, pois do lado continental, ao largo daquela que, até 2015, era a única ponte erguida sobre o oceano Índico, em solo pátrio, suportava um Machibombo transportando um dos melhores grupos culturais das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique (a banda militar).

A cancela foi aberta, os homens das “ordens comandante” começaram a “desembarcar”, o número de curiosos aumenta extraordinariamente, ainda que única flauta ou trombeta não tivesse sido testada.

Lá do norte da Ilha, as autoridades do governo central, provincial e da direcção máxima da Universidade esperam, com relativa apreensão, pelos graduandos que foram colocados a marchar sem necessidade?!

Para que reduzíssemos o nível de apreensão, formulamos um convite aos dirigentes e aos órgãos colegiais da Universidade, para que viessem a pé, (na Ilha é normal) para aquele modesto edifício que sobrou milagrosamente do Ciclone Gombe, o qual alberga parte da FCSH, onde poderiam assistir segura e tranquilamente à marcha alusiva à primeira graduação de uma Instituição de Ensino Superior na história da Ilha de Moçambique.

De repente estava uma multidão em erupção do lado da Paróquia, de fronte do tribunal da Ilha de Moçambique, eram crianças, jovens, adultos, homens e mulheres, que romperam o protocolo pela curiosidade, colocaram-se à frente da banda militar e das viaturas de escolta, mas sem impedir a marcha normal.

Esse movimento de pessoas que se esqueceram, temporariamente, da COVID-19, comoveu ao Professor Doutor Daniel Nivagara, Ministro da Ciência, Tecnologias e Ensino Superior. Não sei e não me lembro em que estado ficou o Dr. Mety Oreste Gondola, Secretário de Estado na Província de Nampula, quando acompanhava os acenos dos marchantes vestidos a rigor académico. Preferi não olhar para o rosto da Professora Doutora Eng. Leda Florinda Hugo, Magnífica Reitora da Universidade Lúrio, e de seus Vice-Reitores, (os Profs. Doutores Marcelino Marta Liphola e Fred Charles Nelson), mas alguém me afiançou que, a Reitora esteve muito mais feliz que nunca, desde a sua nomeação para dirigir a Universidade Lúrio em meados de 2020.

A marcha passou, a comitiva seguiu, a dupla dos mestres-de-cerimónias sem experiências alguma, mas que surpreenderam (O Germito Alexandre e a Fernanda Dinheiro), anunciaram a entrada do presidium. Rompemos a fórmula, a entrada acontece num campo de FUT-SAL, estava um sol abrasador e calor húmido. Não havia sombra suficiente, a vedação recorria a esteiras com desenhos insignificantes aos olhos dos formalistas. Muitos não sabiam que estávamos na Ilha de Moçambique, Património Cultural da Humanidade.

A cerimónia teve o seu início formal, os graduados e a FCSH receberam bênçãos da religião islâmica e dos cristãos, os cépticos perceberam que estávamos num espaço multi-religioso.

Ao ritmo do Maulide, uma dança em extinção, do tufo em transformação e do imponente grupo de canto e teatro da FCSH, o Dr. Lucílio Beca, Director dos Serviços Académicos da UniLúrio, declara oficialmente os primeiros 64 Licenciados da FCSH.

Dentre eles, três são naturais da Ilha de Moçambique. As emoções estavam ao rubro, a chuva era intermitente, as togas e as batinas dos recém-licenciados, e dos PhD da UniLúrio tornaram-se agasalhos de um frio repentino, mas ninguém ousou desistir. Afinal, a Reitora e o Ministro não haviam falado ainda. Os alunos da Escola Secundária da Ilha estavam inconformados, queriam e estavam a assistir pela primeira vez a uma graduação a céu aberto, sem aparato de segurança, que caracteriza a presença altos dirigentes do Estado.

Foi assim como havíamos planeado, para esta 1ª Cerimónia de Graduação da FCSH em que, um dos melhores graduados, o Abdul Tawazir Juma, nasceu, cresceu e estudou na Ilha de Moçambique. Como disse o Presidente da Associação Ilha de Moçambique, o Sheik Hafis Jamú, na mensagem da comunidade (uma inovação nas graduações da UniLúrio), foi possível “sem ter atravessado a ponte, nem o mar, para ter o Ensino Superior” e receber o diploma de mérito.

A cerimónia conheceu o seu fim formal no meio de um chuvisco que de ameaça, ganhou sentido de bênção, no dizer dos participantes. A festa ganhou outro sentido, afinal toda Ilha estava parada, literalmente. As conversas no dia da graduação mudaram de objecto no interior dos bairros da zona de “Macuthi“, Macuti ou Makutti, todo o dia não se falou da pesca, nem se jogou M’pale, o objecto era o ABDUL do Museu, que foi declarado melhor estudante.

Nesta primeira graduação não facilitamos, diziam os ilhéus, que se rendiam com o nível de organização e atrevimento da FCSH em assuntos que, antes só era possível ver pelas televisões. A admiração da comunidade foi tal, ao ponto de alguém, expressando gratidão, naquele mercado fornecedor de “jantar em direto” (Andalane), dizer em emakhuwa: “Anaharamo-ale yahiwanana” (qualquer coisa como: os tipos estavam preparados e bem organizados), essa expressão para quem não percebe os falares dos naharas, pode achar ofensiva.

A graduação transitou de um evento da Faculdade e Ciências Sociais e Humanas, tornou-se numa cerimónia da Ilha e dos ilhéus. Alunos que participaram do evento prometeram ser os próximos vencedores do diploma de mérito (Medalha da FCSH), o que tudo indica, o maior número de inquilinos nesta jovem Faculdade, pode vir a ser da Ilha de Moçambique

Esta cerimónia foi o fim de uma etapa, dos projectos emblemáticos iniciados pela equipa do Professor Francisco Noa, na Universidade Lúrio.

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