Moradores prevêem uma transição indiferente, sem motivos para celebração. O projecto de vida é sempre o mesmo: encontrar o que comer nos contentores de lixo.
Não prepararam nada. Não formaram filas longas para levantar algum dinheiro na ATM, para comprar o que quer que seja nos supermercados ou ainda nos dumbanengues (pequenos mercados informais). Sem condições nenhumas, os moradores de rua deixam a vida levar-lhes aonde julga ser o caminho certo. Por isso nem se preocupam. Apenas desenrascam a vida nos contentores de lixo como qualquer dia. Este é o retrato de muitos moradores de rua na cidade de Maputo, afinal, a passagem de ano nada vai alterar.
A poucas horas do final de ano, uns sentados, contemplando as avenidas, outros catando lixo, à espera que encontrem algum alimento, apenas se concentravam no momento, porque o amanhã é sempre incerto. Na avenida Samora Machel, ao lado do Jardim Tunduru, numa poça de água parada na estrada, lá esteve Mussa Chavo, homem de 58 anos de idade, natural de Tete, residente nas ruas de Maputo lá vão longos quatro anos. Sem pai e mãe e sem filhos, Chavo tem apenas um projecto: encontrar o que comer, seja onde for. Passa por dificuldades. Banho? Quando acontece, uma vez por semana. Um cenário completamente diferente de quem tem água em casa todos os dias e esbanja. Com Mussa Chavo é diferente. Aproveita cada gota de água suja para renovar o que ainda lhe resta: a esperança. Por isso, ao contrário de jovens que também vivem na rua, não pediu aos jornalistas nenhuma moeda para ceder uma entrevista. Aprendeu a lutar por aquilo que tem. Mesmo sendo pouco.
Já na Praça 25 de Junho, na Baixa da cidade de Maputo, o fenómeno é diferente. Jovens moradores de rua a “acabarem-se” no álcool. Aparentemente sem perspectivas, mesmo tendo consigo mulheres e filhos. Na rua. Entregues a uma sorte estranha. Pedindo dinheiro e bens por tudo. É a vida! “Dizem eles”. E ali nada é de graça. Por isso, nem sequer expressam o que será essa coisa de transição de ano. “Isso muda a vida de quem?”.
Nas avenidas de Maputo, muitos sacos plásticos são guarda-fatos, cozinha e malas de viagem. Diga-se, uma viagem sem rumo certo. O último dia do ano é adverso como “sempre” foi 2020. Nada muda. A cidade é a mesma casa a céu aberto, onde os moradores lavam o que podem, onde podem, inclusive a esperança em dias melhores. Mas até a esperança é realmente fugidia. Sem cor. Como pode ter cor uma vida desgraçada?
Na mesma avenida onde Mussa Chavo desenrasca a vida, pernoita Fernando Eugénio. Se o senhor residente na avenida Samora Machel sabe onde vai passar o ano? Pelo menos de uma coisa tem a certeza: “Vou passar em frente ao restaurante Macaneta. A pedir esmola”.
Fernando Eugénio tem 78 anos de idade, e é natural de Maputo, Machava Bedene, concretamente. Também não tem filhos, e está nas ruas, sobrevivendo do que encontra e do que lhe é oferecido.
Ano novo, vida nova. É o que se pretende para todos, mas este não é o caso dos que sobrevivem catando esperanças nos contendores de lixo; daqueles que nunca sabem se, no dia seguinte, irão levar alguma coisa ao estômago.