O País – A verdade como notícia

Tu vais conquistar o mundo, Sérgio Raimundo!

Manda calar a todos, talvez hoje fale tudo o resto que nos faz renascer e trepar luas a cada noite. Queira Deus que pelo menos desta vez, se necessário, o ridículo seja eu e não esta missiva de amor! Dêmos-lhe tempo, é certo que estamos com os cálices a transbordarem de alegria, a madrugada ainda está no início! Que o ridículo seja eu, meu Deus, e não este amor.

– Tu vais conquistar o mundo

Depois da visita que fizera quando criança com o meu pai à Namacurra, sua terra natal, as minhas últimas férias em Maputo são o fio mais perpétuo que o tempo conserva neste tecido multicolor no qual as lâminas sombrias da crueldade humana e os silêncios incompreensíveis de Deus às vezes teimam em torná-lo um manto de cinzas onde apenas resta tudo o que não somos. Quem resiste àquele sorriso que continua me beijando mesmo longe?, quem resiste aos abraços genuínos que me reconectaram ao essencial desta palhaçada?, quem resiste à amizade a fazer de uma página um céu?

– Hoje caiu-me uma surpresa que pouco esperava
assim inicia a crónica na qual há um ano e três meses desenhaste as memórias da tarde em que nos sentámos no jardim que se situa em frente ao Museu da Moeda para partilhar sonhos e deixar que nossas vidas se dessem o abraço mais profundo do mundo. Eu e tu, dois jovens embriagados pelos sonhos, a nadarmos com toda coragem no oceano da vida.

– Tu vais conquistar o mundo

Custa-me imenso exteriorizar isto. Não sei como são as missivas de amor, mas se eu não estiver a costurar isto como era suposto fazê-lo, apenas continuemos embriagados pelos sonhos, a nadarmos com toda a coragem no oceano da vida tal como fizemos naquela tarde em Maputo, tal como fazemos todos os dias mesmo Lisboa e Maputo estando separadas por milhares de quilómetros.

A alegria causa demasiado ruído no cérebro! Escrevo-te o que sinto neste momento de alegria. São tantas coisas tristes que acontecem no dia-a-dia, tantas injustiças, meu Deus, tantas injustiças que ao ver o trabalho de  quem a gente ama, alguém que vem de muito longe, ser reconhecido, ao ver os nossos sonhos se tornarem realidade nos dá esperança de dias mais justos, mais risonhos.

Dancei no corredor da faculdade como um louco, – Ganhámos, irmão! não sabes que gozo me deu quando me disseste. Naquele momento não ouvia nenhum Divenire que saía de um qualquer piano cujas teclas faziam, cheias de devoção, amor com os dedos de Ludovico Einaudi para procurar sofregamente em meio à escuridão do quarto os meus ouvidos e ao alcançá-los fazer-me vislumbrar o resumo da vida numa só peça musical, mas a alegria me beijava e me sacudia o espírito. Tu mereces isto e muito mais, não só pelas merdas que sofreste, pelas pedras que vais chutando no dia-a-dia ou mesmo pelo teu talento – Ir até às profundezas da alma e fazer das feridas do mundo as tuas, expô-las e curá-las com limpidez e paciência mas também porque tu és um gajo fixe, de uma humildade e alegria que contagia a qualquer pessoa, honesto e que como um louco repetes e me ajudas a recitar o nosso mantra diário – coragem, génio!

De lá para cá passei todo o dia a ler, com a mesma explosão de alegria do primeiro momento – Sérgio Raimundo vence prémio INCM/ Eugénio Lisboa
e com isto tomo mais consciência desta vitória que não é só tua ou nossa, mas também de toda uma nova geração de grandes escritores que desponta não na Ilha dos Mulatos, mas de poetas, Moçambique.

À esta altura tudo rodopia como acontece quando vamos dizer à baby que estamos apaixonados, nada de jeito consigo falar. Mas por que razão se preocupará em falar um homem cujo espírito transborda de alegria e amizade! Que o ridículo seja eu, meu Deus, e não esta missiva de amor, não este amor…

 

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