Caderno de Música Moçambicana: êxodo musical, sim! é um livro organizado por Cremildo Bahule e contém um artigo seu. Tem, ainda, textos de Jessemusse Cacinda; Inocêncio Albino; Elcídio Bila; Belmiro Adamugy; Lenna Bahule; Sérgio Jeremias Langa; Sara Jona Laisse; Timóteo Cuche; Siovana Novela; Rufus Maculuve; Katharina Döring, José dos Remédios e um prefácio de Maria Paula Meneses. É uma obra que aborda a música de Zena Bacar; Melvin Humbane; Neco Novellas; Lenna Bahule; Isabel Novella; Cândido Xerinda (com Cecília H.-Xerinda); Amável Pinto; Nilsa Mosele; Albino Mbié; Selma Uamusse; Childo Tomás e Jaco Maria. A essa publicação, anexa-se um disco com músicas de alguns desses artistas. A edição é recente e o lançamento foi realizado em Maputo.
Por ser um país que vive em consonância com outras dinâmicas políticas e socio-culturais, Moçambique propicia dois tipos de diásporas: as externas, de moçambicanos no estrangeiro e as internas, de moçambicanos fora dos seus lugares de origem, resultantes, sobretudo da realidade multicultural e multilíngue do país. Neste texto falarei, muito brevemente, sobre ambas.
O Caderno de Música Moçambicana: êxodo musical, sim! é o resultado de uma apologia a diferentes trânsitos culturais, especialmente musicais. E parecendo mau, não é, porque, “sair de casa” e mostar a nossa cultura fora do país ou fora do lugar de origem é uma forma de partilharmos a nossa identidade cultural; reforçando, junto dos outros, as nossas relacões culturais (inter)nacionais. É a nossa diplomacia cultural.
Falo em reforçar e não em criar, guiada pelo à vontade aprendido no livro O Retorno do bom selvagem, da autoria do Professor Severino Ngoenha. Constatei, nessa obra, que não temos como fugir à globalização e que esta já se iniciou “desde que o mundo é mundo”. O jeito é colaborarmos com o que temos, produzindo o melhor que pudermos para poder partilhar. E digo partilhar, porque nas Ciências Sociais, o que se pretende, nos dias que correm, é a possibilidade de aprendermos uns com os outros o princípio da interculturalidade, ou seja, o princípio de convivência entre diferentes culturas. Não me refiro apenas à coabitação. Falo em convivência, partilha, aceitação pacífica do outro, mais a possibilidade de intercâmbio. Há, até, pesquisas que falam em “comunizar”. Mas este último é assunto para outros textos.
Se a partilha, a convivência ou a diplomacia intercultural sugeriram a Cremildo Bahule, organizador do referido livro, a importância de nos recordarmos e de registarmos o trabalho de músicos moçambicanos a residirem no estrangeiro; também deveria ser possível que esses ou outros moçambicanos, na diáspora, colaborassem na recepção de seus compatriotas, para com eles ou através deles, se divulgar a cultura moçambicana “fora de portas nacionais”. Isto não é cobrança. Chama-se a isso reciprocidade.Trata-se, na verdade, de podermos disseminar a nossa identidade cultural onde quer que tenhamos uma representação diplomática.
Reforço essa importância utilizando, para tal, um exemplo de muitos que há. Quando, recentemente, vimos circular um vídeo no qual a cantora moçambicana Assa Matusse era entrevistada na reputada TV5, sentimos muito orgulho (vi isso formulado em mensagens de Facebook – por um número imenso de gente), não só pelo trabalho que ela tem feito a nível cultural no país e fora dele, mas também, pelo facto de, como moçambicanos, estarmos a ser sujeitos de reconhecimento internacional. O que não vem ou não veio ao de cima é quantas Assas Matusses poderiam ser entrevistadas numa TV5 ou outras televisões, pelo fruto do seu trabalho; não estou a desmerecer o trabalho da artista, muito pelo contrário! Nem estou a falar em patrocínios.
Vou dar um outro exemplo que acontece muito no meio universitário, na corrida pela internacionalização, muitos académicos, mesmo quando se deslocam de férias a um país, podendo ou quando solicitados, dão alguns dias de aulas em universidades. É um registo do conhecimento daquele moçambicano que fica no país visitado. Ficam, a ganhar, neste processo, a universidade acolhedora; a universidade na qual o académico é filiado; o próprio académico e Moçambique. E aí, nem, se quer, há intervenção oficial de Estados. Mas o intercâmbio de conhecimento acontece.
O que é que isto tem a ver com o Caderno de Música Moçambicana: êxodo musical, sim? Explico-me. As nossas embaixadas pouco ou nada fazerem pela disseminação da cultura, nos locais em que estejam representadas, sobretudo de indivíduos em trânsito. Por outro lado, não vemos artefactos dos fazedores de arte expostos nessas embaixadas e, nem, se quer, é organizada, pelo menos, uma tertúlia ou um workshop, para dar a conhecer a arte desse fazedor, quando em visita a tal lugar. Esse é um exemplo de valorização cultural que pode ser feito com poucos recursos, incluindo os do próprio artista, em alguns casos.
Um outro exemplo de disseminação cultural ou identitária que pode ser realizado com pouco gasto, seria a emissão de passaportes culturais para os fazedores de arte. A existirem, por serem diplomáticos, facilitariam o trânsito entre artistas, a transposição de barreiras geográficas e aí, mesmo que às suas custas, o artista poderia disseminar arte e, em fim último, o seu país. Não me parece útil aguardar-se por grandes eventos ou grandes financiamentos para se realizar diplomacia cultural. Custa, apenas, pensar ou agir. É claro que não excluo a importância da existência de um fundo cultural para apoiar talentos que, efectivamente, não dispõem de meios. Mas essa é uma conversa que carece de imensos convênios.
O que é que isso tem a ver com o livro-objecto do presente texto? Pela voz de académicos, artistas da pena e fazedores de arte, autores da obra em apresentação, há diferentes modos de valorização da cultura e da identidade moçambicana de residentes fora de Moçambique e que hoje são enaltecidos. Ficam, obviamente, pessoas por serem referidas, mas o trabalho não pára por aqui, certamente.
Para além da necessidade de reconhecimento dos que se encontram “fora de casa”, temos ainda o trabalho de pensar as diásporas internas do país. O país não é pequeno e os trânsitos não estão facilitados. Temos ainda fronteiras culturais dentro do nosso país por serem quebradas. Não que seja impedido o intercâmbio cultural, mas este tem sido, mais vezes, realizado por centros culturais privados ou ligados à embaixadas de representação de outros países, dentro do nosso. Significa que eles se dedicam a fomentar o princípio da interculturalidade ou seja, colocam, ao nosso dispor, os saberes culturais de seus países e, a seu serviço, os saberes culturais do nosso país; entretanto, as nossas “Casas de cultura nacionais”, pouco fazem para promover as diferentes culturas moçambicanas. Ficamos sempre a aguardar pelo “Festival Nacional da Cultura”, que se realiza de 2 em 2 anos. Isto em nada contribui para o reforço do cruzamento cultural dos residentes em diferentes geografias nacionais em Moçambique.
O que quero dizer é que “cadernos de música moçambicana da diáspora” estão no seu início e ainda têm muito caminho por percorrer, isto, se diferentes entidades, nomeadamente, o Ministétio dos Negócios Estrangeiros e Cooperação; o Ministério da Cultura; as embaixadas de Moçambique em outros países; bem como as representações de países estrangeiros dentro do nosso país afirmarem “Êxodo musical, sim”, a bem da convivência cultural entre diferentes culturas.
Contacto: saralaisse@yahoo.com.br.