Como se a crueldade do mestre Guimarães fosse um mal de pouca monta, os alunos da Escola Nova e a garotada do bairro sofria suplícios do encarregado do sector de manutenção, o senhor Coimbra.
Este senhor Coimbra era um sujeito metropolitano, originário da ilha da Madeira, o que se comprovava pelo sotaque e pelo modo como pronunciava os bês e os vês. Em vez de dizer “você”, dizia “bocê”; no lugar de “vinho”, pronunciava “binho”. Quem se divertia a imitá-lo era o seu ajudante, o Djacabai, um manjacaziano estiloso e garanhão, muito conhecido pelas senhoras de meia idade em cujas casas demorava-se a “arranjar torneiras que vertiam água” ou a “apertar as dobradiças das portas”. Muita gente estava a par do significado profundo e último destas expressões e não nos vamos deter a esmiuçar detalhes, o que provavelmente valeria a pena fazer, para julgarmos do nível da moral dalgumas residentes.
Pois então o senhor Coimbra constituía a linha do prolongamento dos actos do mestre Guimarães. Como?
Se o mestre-escola se apropriava dos almoços dos estudantes e os devorava, estes ficavam à míngua de alimento. Dinheiro para adquirir alternativas para uma refeição, como os bolos de coco, as arrufadas ou mesmo cornicoques, dos vendedores ambulantes que se faziam sempre presentes durante o intervalo maior, esse não o possuíam. Em épocas de boa produção o recinto onde funcionava a oficina do Coimbra era um pomar donde pendulavam frutos variados, em diferentes fases de maturação. Era só vê-los ali a pendularem, apetitosos, a provocar piruetas e ruídos naqueles estômagos esfomeados e muita salivação nas bocas. Eram os pêssegos do tamanho dum punho duma criança, eram aquelas mangas com formato de feijão, eram aquelas laranjas amarelas que dava gosto ver toda aquela produção. O recinto em referência fora vedado com uma cerca de arame farpado, reforçado por uma rede-galinheiro, o que não constituía um impedimento maior para a criançada do lugar.
Quanto mais o senhor Coimbra se esforçava em inventar estratagemas com o fim de impedir a invasão da propriedade, mais os rapazes se aperfeiçoavam nas tácticas para ganhar acesso à fruta. Ele armava emboscadas para apanhar os ladrões em flagrante delito, mas estes achavam sempre algum modo de escapar aos mesmos. Contudo, há sempre dias de azar. Algumas vezes, um e outro estudante, impelido pelas pressões do jejum, foi surpreendido pelo diligente encarregado e cercado. Possante como um ferreiro, aquele imobilizava o infeliz com alguns bofetões. Com um martelo pesado contundia-lhe o crânio “para lhe abrir a cabecha e lá meter algum raspêto pela propriedade alheia”. Contam-se às dezenas as cabeças fracturadas pelo martelo do Coimbra, sempre ancorado no argumento de que “ladrão é para se castigare”. Talvez seja esta a razão por que naquele bairro e naquela época abundavam indivíduos com amolgadelas e cicatrizes nas cabeças e alguma forma de retardamento mental.