O mediador do Acordo Geral de Paz, Dom Dinis Sengulane, diz que ainda falta reconciliação para o alcance de uma paz efectiva em Moçambique. Dom Dinis sugere que se introduzam matérias ligadas à paz no sistema nacional de ensino, desde o primário até ao universitário.
A relação entre Dom Dinis Sengulane e a paz é antiga… tão antiga que o permite tratá-la com intimidade, dizendo: “Olá, paz!”. É assim que é conhecido hoje e é desta maneira que se apresenta aos outros. Foi com essa saudação que recebeu a equipa d’O País, hoje, na sua Fundação.
O antigo bispo emérito da Diocese dos Libombos foi mediador do diálogo entre o Governo e a Renamo, que tinha em vista acabar com a guerra civil, que durou 16 anos. Hoje, decidiu ir às profundezas da sua memória para falar desta que foi uma das suas grandes missões. “Este dia faz-me lembrar os caminhos sinuosos que tivemos de percorrer para colocar os irmãos a abraçarem-se outra vez”.
“Foi um processo moroso, desde ter com o Governo para que aceitasse o diálogo e ir à procura da Renamo, incluindo todos os mecanismos; as idas ao Quénia, Malawi e outros países”, conta Sengulane, recordando-se, outrossim, dos caminhos que foram percorridos para que se alcançasse o consenso de que a reunião final seria em Roma, na Comunidade Santo Egídio.
Dom Dinis ressalta que não se trata de nenhum processo fácil, até porque houve “recuos e avanços, suspeitas, e o importante é que houve perseverança”. Uma perseverança que levou à assinatura, a 04 de Outubro de 1992, do Acordo Geral de Paz.
Depois da assinatura, Dom Dinis acompanhou todo o processo de implementação… Sucedido ou não, o facto é que houve episódios marcantes, dos quais o bispo destaca alguns.
“Consolidação da paz com base no espírito, em segundo lugar, o projecto Transformar Armas em Enxadas, através do qual recolhemos cerca de um milhão de armas; em terceiro lugar, fizemos algumas visitas a Satungira, onde estava o líder da Renamo, Afonso Dlhakama, na companhia do professor Lourenço do Rosário e outras vezes sozinho; em último, quando, no dia 09 de Outubro, fomos buscar o líder da Renamo das matas, a pedido do Governo e da própria Renamo”, mas, sobre este último episódio, há um facto que Dom Dinis ainda não entendeu até hoje.
“Dias depois, vimos a casa de Afonso Dlhakama sitiada e, até hoje, ninguém conseguiu explicar. Mas, avençámos; a paz precisa de nascer, crescer e transbordar”.
E, para isso, Dom Dinis Sengulane tem pronta uma receita composta por três passos, a começar pelo diálogo: “O diálogo foi feito, por isso houve o acordo de paz; a reconciliação, aqui ainda temos de trabalhar para reconciliar os partidos e toda a sociedade moçambicana; finalmente, a prevenção”.
A prevenção é feita com quatro componentes, diz o bispo. “Temos de levar a sério as confissões religiosas, para que os jovens entendam que o envolvimento no terrorismo não dá riqueza, bem como procurar a relação entre as ramificações internacionais dessas confissões e o financiamento ao terrorismo; segundo, temos de meter a temática da paz em todos os níveis da educação, desde o primário até o superior, vamos tornar as pessoas impenetráveis a actos de violência; é preciso libertar, espiritualmente, dos traumas da guerra; finalmente, temos de desarmar as mentes”.
Aproxima-se um biénio eleitoral, que tem sido ponto de partida para eclosão de conflitos. Dom Dinis diz que se deve tomar estes momentos com a devida celebração e que todos os intervenientes devem estar preparados.