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Reorganização de mercados em Maputo “desorganiza” vida de quem sobrevive do comércio informal

De forma tímida, o comércio informal está voltar aos passeios do mercado de Xipamanine, em Maputo, um mês após ter sido banido pela edilidade. Com este processo, alguns vendedores perderam bancas. Os ambulantes nunca chegaram a conseguir espaço para fazer negócio, apesar da promessa do município de Maputo. A única fonte de sustento desta gente e suas famílias desapareceu.

Com o novo Coronavírus, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo viu uma oportunidade para fazer o que não conseguia há anos, reorganizar os mercados e acabar com o comércio informal em locais considerados impróprios. E empurrou milhares de pessoas para o desemprego e agravou a sua pobreza.

É que desde que o Conselho Municipal da Cidade de Maputo iniciou, há cerca de um mês, o que chama de reorganização dos mercados depois de se ter identificado alguns casos positivos da COVID-19 entre os vendedores, ouve-se gritos, apelos e protestos de vendedores, porque a edilidade destruiu as bancas construídas em locais inadequados. Correu-se com os que sempre venderam sobre os passeios.

Um mês depois, Xipamanine volta a apresentar a mesma imagem de há décadas e nem parece que foi reorganizado. Ainda que não pareça reorganizado, há, por detrás desse processo, vidas que ficaram afectadas.

Amélia e Vitória, por exemplo, são mãe e filha. Cresceram naquele mercado e dele sempre obtiveram o seu sustento. Amélia é vendedeira de roupa e contou: “Comecei a vender no Xipamanine em 1987. Naquela altura ainda não tinha bancas. Sentávamos no chão e arredores tinha um campo de futebol”.

E foi naquele mercado que, desde aos sete anos de idade, a sua filha Vitória começou a fazer negócio.

“Em 87, eu vendia água por cinquenta meticais (na altura). O senhor Bay, que era chefe do mercado e que deu-nos as bancas, conhece-nos (eu e a minha mãe). E hoje outros chefes (do mercado) estão dar de fazer”, contou Vitória Macamo, filha de Amélia e que também perdeu sua banca com a reorganização de Xipamanine.

Vitória tem 40 anos de idade e faz parte dos cinco filhos que Amélia Macamo fez crescer com a venda de roupa usada no mercado Xipamanine. Quatro décadas depois, a viúva de 63 anos perdeu a sua banca para a chamada reorganização do mercado.
“Disseram-nos para ficar três dias em casa e na quinta-feira seguinte voltamos ao mercado. Ainda havia muita confusão dos vendedores. Destruíram suas bancas, incluindo a minha”, relatou Amélia Macamo, num tom amargurado.

Porque parar pode significar mais fome para a família, procurou a todo custo garantir um cantinho para fazer negócio no acampamento de salubridade, mas não foi bem-vinda.

“As pessoas que lá encontrámos perguntaram-nos se eles podia fazer limpezas, retirarmos os caixões que aqui estavam sepultados, pagarmos dinheiro e para do nada vos mandarem para aqui? Porquê não vos disseram para se juntarem a nós nas limpezas?”, disse Amélia Macamo, recordando das duras palavras que lhes foram dirigidas pelas pessoas que já tinham ocupado as suas bancas no acampamento de salubridade.

E pelo dito e não dito, Amélia e sua filha ficaram sem banca. As duas viúvas e com 14 pessoas por alimentar, elas encaixaram-se num canto para vender seus produtos, mas com olho posto na polícia municipal. “Dissemos que desse espaço não mais sairemos. O que nós pedimos é apenas uma sombra. Até porque não estamos na rua.

Daqui não sairemos mais”, sublinhou Amélia Macamo, acrescentando que não se pode entender que uma mãe como ela volte à casa sem o que dar de comer aos seus filhos e netos cujos pais faleceram.

Os que também não saem são os informais que desde sempre, exerceram a sua actividade nos passeios do Xipamanine. E nesta guerra de reorganizar os mercados, a sensibilização já deu no que tinha que dar. A polícia entra em cena…apreende a mercadoria e os proprietários recolhidos às celas.

Carlos Domingos é vendedor ambulante há cinco anos nos passeios de Xipamanine e não conseguiu banca após a reorganização do mercado. Mais do que marketing fazer negócio por esses dias é uma questão de resistência física. Carlos foi vítima da agressão policial.

“Quando me bateram já não tinha forças, mas eles continuaram a me bater e caí. Naquele momento, muitos pensaram que eu desmaiei porque, entretanto não foi isso. Eu perdi forças de tanto ser agredido”, narrou Carlos Domingos, vendedor ambulante nos passeios de Xipamanine.

Depois da agressão, ficou três dias nas celas da PRM e só saiu depois do julgamento sumário no qual foi condenado por desacato, pena convertida em multa no valor de 12 mil meticais, mas por questões de sobrevivência voltou ao passeio.

“Depois de agredido, eu teria voltado para minha banca, mas eu não tenho para onde ir. Onde hei-de exercer a minha actividade? Para onde iremos?”, questionou Carlos Domingos.

E são muitos os que não têm onde ir. Por isso, vendem o que têm, onde podem, ainda que sempre com atenções viradas não só ao produto, mas também à polícia. “É difícil…é difícil”, lamentou-se uma das vendedeiras, depois de ver apreendida a sua mercadoria pela Polícia Municipal “não estamos ver o que estamos a fazer. Assim o negócio não anda”.

Uma das razões invocadas para tamanha brutalidade das autoridades policiais é exercício do comércio nos passeios. E os vendedores questionam: “Dizem que apreendem a nossa mercadoria porque não estamos nas bancas, mas as tais bancas estão à venda. Paga-se oito mil, onde é que vai achar? Não tenho marido nem outra pessoa que me possa ajudar. O que fazer?”.

Mas nem todos tiveram o azar de não conseguir bancas…no chamado acampamento de salubridade, a edilidade preparou espaços que previam acolher cerca de seis mil vendedores, mas apenas um terço desses é que ocuparam o mercado e estes queixam-se da falta de clientes.

As bancas estão vazias…alguns, o que aqui deixaram são apenas os seus nomes…o mercado está deserto.

“Desde que saímos de lá onde estávamos, nem 500 meticais de lucro tivemos neste marcado, passa um mês e alguns dias ainda não vendemos, mas todos os dias somos cobrados uma taxa de 15 meticais por banca”, reclamou uma das vendedeiras que vende roupas no interior do novo mercado.

O que os poucos vendedores que já estão no acampamento da salubridade pedem, é que sejam retirados todos os vendedores que continuam a vender do lado de fora, como forma de atrair clientes para este mercado.

O Conselho Municipal de Maputo confirma a tendência de toma do negócio nos passeios de Xipamanine e não descarta a possibilidade do uso da força para acabar com o comércio informal.

“Continuaremos a combater a venda informal e estamos cientes que este é um processo irreversível e todos os vendedores têm espaços nos nossos mercados da capital”, assegurou Danúbio Lado, vereador do Desenvolvimento Local no Conselho Municipal de Maputo.

O mesmo processo é irreversível no Grossista do Zimpeto, onde todos os retalhistas foram retirados daquele mercado para Matendene e a edilidade insiste em dizer que há espaço para os comerciantes em vários mercados da capital. Os que resistem sair, são detidos

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