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Subiu de nove para 11 mil o número de pessoas dependentes de drogas entre 2020 e 2021

Os dados são do Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga (GCPCD), que aponta as províncias de Manica, Nampula, Sofala e Maputo como tendo mais casos. O modelo nacional de reabilitação de toxicodependentes pode não ser o mais adequado, alerta especialista em Saúde Mental.

Nos últimos tempos, dados têm revelado uma tendência crescente de casos de dependência de droga, com mais incidência para a juventude. Júlio Macamo é disso exemplo.

Júlio provou canábis sativa, vulgo soruma, aos 14 anos, a convite de um amigo. Aos 16, já tinha consumido mais de dois tipos de droga. Ele explica que roubava artigos da casa dos seus pais para vender e conseguir dinheiro para comprar drogas e assim alimentar o vício.

“O mal é experimentar. Experimentei, gostei da sensação e passei a consumir. Conheci pessoas que entraram para o mundo do crime, e eu estive prestes a entrar, porque me envolvi com alguns amigos, um dos quais andava com a arma do pai, que é agente da Polícia. Aos poucos, eu ia experimentando mais coisas”, contou o entrevistado.

A dada altura da sua vida, Júlio apercebeu-se de que trilhava caminhos que o podiam levar à morte, e foi assim que a sua história teve um fim feliz. Com ajuda de parentes e amigos, conseguiu reabilitar-se do vício.

“Certo dia, quando estava drogado, olhei-me no espelho e pensei: ‘sou aquele tio que eu sempre dizia que não queria ser’, porque, quando somos crianças, olhamos para aquele tio da zona, que bebe e cria confusão, e não queremos ser como ele. Então, eu olhei para mim e vi-me como aquele tio toxicodependente. Quando eu me apercebi dessa realidade, comecei a procurar ajuda”, explicou.

O testemunho de Júlio Macamo é apenas exemplo daquilo que muito acontece um pouco por todo o país. Dados do Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga apontam para o aumento de toxicodependentes no país.

“Em 2020, tivemos 9788 e, em 2021, este número passou para 11 164, portanto temos um crescimento na ordem de 14%”, disse Orlando Alberto, chefe do Departamento de Educação Pública no Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga.

Segundo o chefe do Departamento de Educação Pública no GCPCD, há mais casos nas províncias de Manica, Nampula, Sofala e Maputo, que lideram as estatísticas.

“A província de Manica teve, no ano passado, 2713 casos, o que representa 24% do universo; Nampula, com 2416, o que corresponde a 21%; já Sofala apresentou 2084 e a Cidade de Maputo teve 2050 casos”, especificou.

Para a Cidade de Maputo, enquanto o Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga registou 2050, a Direcção de Saúde apresentou dados diferentes, cerca de 3100.

“No ano passado, tivemos 3057 casos nas consultas externas, o que significa que as pessoas que se aproximaram ao hospital foram cerca de três mil”, disse a representante da Direcção de Saúde da Cidade de Maputo, Maria de Lurdes Sive.

O sector da saúde não só está preocupado com o aumento de toxicodependentes, mas também com o número de doentes mentais devido ao consumo de droga. Em 2021, nove mil pessoas foram internadas no Hospital Psiquiátrico de Infulene.

“No nosso maior hospital psiquiátrico, que é o Hospital Psiquiátrico do Infulene, a principal causa de internamento são perturbações mentais e de comportamento devido ao consumo de substâncias tóxicas. No relatório de 2021, tivemos o conhecimento de que cerca de nove mil pessoas buscaram os serviços de saúde mental por questões relacionadas com perturbações mentais e de comportamento por consumo de substâncias”, referiu Elisa Mfumo, chefe do Departamento de Saúde Mental no Ministério da Saúde.

Dados mais actualizados do GCPCD indicam que, no primeiro semestre deste ano, mais de quatro mil pessoas com problemas mentais causados pelo consumo de drogas deram entrada nos serviços de saúde.

A soruma e o álcool são as drogas mais consumidas, devido ao fácil acesso. Os alunos adolescentes e jovens estão entre os que mais consomem e, muitas vezes, misturam vários tipos de droga.

“Vou dizer isto com muita tristeza: infelizmente, temos mais adolescentes e jovens, de 14-17 anos, em programa de reabilitação e, neste momento, são 67”, disse Anderson Jesus, representante do centro de reabilitação REMAR.

O país não tem um hospital especializado no tratamento da toxicodependência. Os doentes são internados no Hospital Psiquiátrico do Infulene, o que sobrecarrega a unidade sanitária, dado que “além de tratar dois grupos de doentes – pessoas com esquizofrenia, atraso mental –, também temos que assistir este (dependente de droga), porque é seu direito. Sucede que um indivíduo toxicodependente tem problemas disciplinares, é por isso que destrói esponjas e entope torneiras, para reivindicar o internamento feito pelos seus familiares”, desabafou Serena Chachuaio, directora do Hospital Psiquiátrico do Infulene.

A psicóloga Celma Ricardo critica o modelo de reabilitação no país. “Não temos um centro composto – em que o indivíduo não precise de sair de um hospital para o outro. Não temos uma unidade que sustente um indivíduo para uma reabilitação completa, com capacidade de fazer um acompanhamento psicológico, com psiquiatra a dar assistência e actividades para ocupar uma pessoa internada, de modo a fazê-la parar de consumir drogas)”, justificou.

A Direcção de Saúde da Cidade de Maputo reconhece o problema e promete melhorias.

“Junto ao Governo, estamos a trabalhar para termos um centro de reabilitação para estes casos. Não é de hoje para amanhã que vamos conseguir. Enquanto não aparece esse hospital, vamos trabalhando com o Hospital Psiquiátrico de Infulene”, justificou Maria de Lurdes Sive, da Direcção de Saúde da Cidade de Maputo.

De acordo com o SERNIC, durante os primeiros seis meses deste ano, foram registados perto de 400 processos-crime por tráfico e consumo de droga contra cerca de 300 de igual período de 2021. A quantidade de estupefacientes apreendida ronda os 50 milhões de Meticais.

As Nações Unidas denunciaram, em 2019, que Moçambique é um corredor de grandes volumes de droga.

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